O Meu Prazer Solitário





Crônica publicada no Jornal do Cambuci, na revista ATITUDE, e nos portais Página Cultural e Mundo Mundano.


o meu prazer  solitário não falo mais para ninguém. Pelo menos não pessoalmente, cara a cara. Tenho medo de represálias violentas. Já abri a boca algumas vezes e me arrependi. Fui ameaçado por estar defendendo uma barbaridade dessas em público.

Certa vez, por conta disso, recebi uma carta anônima escrita com letras coloridas recortadas de revistas, ameaçando a mim e a minha família. Acho que só não me agrediram ainda porque o pessoal sabe que eu sei me defender bem. Mas corro perigo, e é melhor não facilitar.

Sendo assim, direi do meu prazer solitário apenas por aqui, escondido por detrás das páginas do jornal, atrás da telinha do computador. E se me capturarem e me interrogarem a respeito, com requintes de crueldade, dependurado de cabeça pra baixo, negarei: “Não fui eu quem escreveu aquilo! Foi um Cesar Cruz cover, um falsário!”.

Pois bem, falarei só mais esta vez sobre este que é o meu prazer solitário: o FRIO! Pronto, falei.

Falei e já sinto como se pudesse ouvir o rosnado de ódio dos leitores, esmigalhando o Ipad, mastigando o jornal e cuspindo-o no chão, injetando os olhos de sangue, com uma veia saindo do lado do pescoço. Não sei o que acontece, mas se declarar amante do friozinho, por aqui, provoca nas pessoas monstruosos sentimentos de destruição. Por que será?

Mocinhas antes delicadas e meigas, quando ouvem minha defesa do inverno e minhas críticas ao verão, se armam de paus e garrafas quebradas para esfolar e matar.

Sinto-me só. Uma alma única e solitária.

Um homem que, quando o dia amanhece nublado e os termômetros marcam 11 graus, abre a janela, sorri que nem ator de propaganda de plano de saúde e diz: “Que lindo dia!”.

Sim, eu sei. Sou o único paulistano com essa predileção, que crê que um dia nublado e frio pode ser um lindo dia. Havia outro como eu, mas soube, pelo noticiário, que ele se matou, coitado. Sete facadas nas costas.

Bom, agora que já mexi no vespeiro, vou adiante! Sou eu é que não entendo como você aí, que me lê enquanto esquenta a ponta desse espeto de churrasco na boca do fogão, pode gostar daquele calor insuportável, daquele solão abrasador na cabeça, que cola o asfalto da avenida na sola do seu sapato, enquanto você corre e trabalha que nem louco por essa metrópole de cimento, de roupa desconfortável, suando e secando, suando e secando, suando e secando... E pior, fadado a terminar o dia cheirando a bacon defumado!

Sinceramente, nada justifica tamanho mau-gosto. Mau-gosto coletivo, o que é mais grave.

Agora que já cutuquei onça com vara curta, fico por aqui. Temeroso.

E nos próximos dias, por precaução, não saio na rua.


Cesar Cruz
Julho 2012





4 comentários:

Unknown disse...

Legal, acho que vou faturar um, conseguindo e vendendo informações de onde Você mora para alguém que planeja uma "maligrina" vingança. Esse negócio aí não é coisa de quem esta ou já é idoso ou, de gordinhos? Minha irmã mais velha, digo, mais experiente de nós seis também tem esse prazer, e claro, solitário também, é até vista como ovelha negra em nosso clã, mas cuidado pode ser que entre numa gelada mais do que deseja, numa verdadeira fria.

abraços
xara - ipiranga - sp-sp

Silvana D' Agostini disse...

Caro Cesar

Boa noite! Acabei de ler sua última crônica e aviso: Vc não é o único habitante desta cidade com essa predileção. Solidarizo-me contigo. Dias frios, cinzentos e chuvosos me tornam muuuuuuito mais feliz e produtiva. Como vc, também me sinto execrada. Ao verbalizar tal predileção, olham-me como se eu fosse uma espécie de arauto das trevas, uma vampira ou até mesmo um zumbi. Imagine isso, ligado ao fato de, invariavelmente, vestir-me de preto e gostar da noite. E olhe que, ao contrário do que julgam, não sou depressiva, tampouco infeliz. Os dias terrivelmente ensolarados é que despertam em mim tais sentimentos. E o que fazer então com o malfadado horário de verão? Oito horas da noite e o sol, poderoso e insolente, insiste em brilhar. Minha fotofobia e minha pele muito branca é que sofrem. Certa vez, anos atrás, vestia um biquini preto e ouvi, de ocupantes de um carro que passou por mim: "Tira o gesso!!!" Pois é, realmente "caí de paraquedas" num país tropical. Em tempo: conheço mais algumas poucas pessoas com essa preferência. Dá até para formar uma pequena confraria. Que ninguém nos ouça. Enfim... que fazer!!!

Abs.

Silvana

Silvana D' Agostini disse...

Cesar

Só complementando:

Te sigo, toda semana, pelo jornal da Aclimação & Cambuci. Eventualmente no blog. Certa vez, vc publicou uma crônica sobre as baratas, descrevendo primorosamente todo aquele asco que elas nos causam. Sou especialista em Museologia e trabalho no Museu do Instituto Biológico.

Como estamos com a exposição de longa duração "Planeta Inseto", inclusive com um baratódromo, indiquei o seu blog para o pessoal do Museu. Acho até que houve, na ocasião, um retorno por parte de alguém de lá, com relação à biologia daquele animal, para mim asqueroso.

De minha parte, como não sou bióloga (atuo no Centro de Memória) não me ative àquelas questões, portanto morri de rir com o texto.

Bjs.
Silvana

Christyene Faleiros disse...

Cesar,

adorei o que você escreveu. Para dizer a verdade, comungo da sua predileção pelo frio. Amo o frio! O calor, além de incomodar, me dá alergias. Seja bem-vindo ao time dos que correm na contramão.
Tenha um bom dia! Abraços.