A Invasão dos Horácios



Funcionário, 2009 
Acrílico - 1,30x1,50
Galeria Luz Y Suarez del Villar - Madrid


Publicada no:
Jornal do Cambuci; 
Portal Página Cultural; 
Revista eletrônica TUDA;
Portal Mundo Mundano
Revista Atitude SP


E atenção! Esta crônica integrará o novo livro de Cesar Cruz, de mesmo nome. 
Lançamento mundial dia 19 de out/ sábado - 16h às 19hs
Livraria da Vila da Al. Lorena, São Paulo/ SP - Brazil. 
Não deixe ninguém morrer nesse dia!
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Tenho me sentindo perseguido por eles. Não resta mais dúvida, eles agora são maioria. Brotam do chão aos milhares e ficam ali, saltando como camarões na areia seca, reproduzindo-se por mitose.

Quando falamos em Horácio, poucos se lembram do poeta romano. Nossa associação imediata é com o dinossauro dos bracinhos curtos, criação do Maurício de Souza. E foi baseado nele que o povo batizou um certo espécime urbano, conhecido meu e seu, e de todo mundo que trabalha por aí. É a versão corporativa daquele pequeno ser. Comecemos por uma de suas características mais marcantes: é o sujeito que não faz nada além do que é estritamente obrigado a fazer por exigência da ocupação. Conhece algum?

“Você pode me ajudar a...”. Não pode. O Horácio nunca pode ajudá-lo a fazer nada que não seja sua atribuição oficial, registrada sabe-se lá em que documento que ele garante que assinou quando começou a trabalhar ali. O Horácio é um avarento no quesito ajuda. Não estende a mão; nem pra trabalhar, nem pra cumprimentar. Tem o braço curto, e a cara amarrada.

Meio-dia e um minuto? O Horácio larga a caneta. E aí pode esquecer. “Por favor, apenas um visto aqui pro navio do Suriname poder atracar e...”. Dane-se. O Horácio não se importa. Aquele é o sagrado instante em que começa a hora do seu almoço. E agora, meu caro, vistos e carimbos só às 13h30. O navio do Suriname que afunde.

Apesar da maioria ter pós-graduação e inglês fluente, quando você precisa de um Horácio ocorre o seguinte: telefona e ele está em reunião (os horácios estão sempre em reunião). Então você dispara um email com aquela perguntinha simples que pede resposta rápida, coisa boba, do metiê do Horácio, coisa pra ser respondida em, sei lá, 25 segundos. Mas não recebe retorno. Nem naquela manhã, nem na parte da tarde. O detalhe é que o dia avança, e você já ligou oito vezes no setor, mas ele já saiu da tal reunião e, segundo informações, está em outro departamento; depois almoçando, depois na expedição, depois no DP, depois em outra reunião, depois só Deus sabe onde... Cabe a você compreender: os horácios são muito ocupados.

Diante dessa sucessão de ausências, você, em desespero — já que precisa levar ao cliente a informação que só o bendito Horácio tem — manda SMS, emails, deixa 58 recados com os colegas dele e... Nada.

No dia seguinte, com o cliente já enlouquecido a fungar no seu cangote, te culpando de atrasar os trâmites e pôr tudo a perder, ao que você tenta ingenuamente justificar: “Sabe que é: lá no departamento fiscal temos um Horácio e...”. Ele não quer nem saber! Cada um que cuide dos seus horácios oras!

Como último recurso, você recorre ao Facebook — você se lembra que um legítimo Horácio sempre carrega embaixo do bracinho curto um tablet conectado ao Facebook. Mas isso também não resolve.

Então, como você supunha, agora já está tudo desabando na sua cabeça, já que os horácios têm a surpreendente capacidade de enganar a todos, inclusive o chefe — que por sinal está te olhando feio lá da mesa dele. Dias depois, já noites sem dormir, as olheiras escuras te dando um certo jeitão de panda, as coisas já praticamente perdidas, eis que você dá a sorte de ligar no setor e... MILAGRE! O Horácio atende!
“Sim, claro que recebi seus recados” — ele diz, com a serenidade típica da espécie — “... é que taxa de transbordo não é atribuição minha”.


Naquela tarde, quando você se suicidar na copa, com a colherinha do café espetada no ouvido, ninguém na empresa vai entender por quê.


Cesar Cruz
Ago 2012






2 comentários:

Heitor Torres - Cambuci disse...

Caro cronista e amigo Cesar,

Você, ao contar os seus causos, provavelmente bem próximos à realidade, nos faz recordar do paletó colocado na cadeira da repartição pública, no início do expediente, como uma marcação de ponto. É claro que até o final do
dia, o tão "responsável" funcionário passaria novamente por ali, após ter ido a lojas, restaurante e/ou cinema, e tiraria
seu paletó da chapeira, digo, da cadeira e, aí sim, oficialmente iria para casa para poder repousar de um "extenuante" dia de serviço.

Todo esse pensamento, eu ouvia ainda criança.

Já algum tempo, após ter começado a trabalhar, ainda antes do nascimento desse meu amigo escritor, comecei a ter contato
com o termo ASPONE, cujo significado, apesar de antigo (como eu) creio que você conheça.

Bem, hoje aprendi mais uma. A saga dos Horácios!

Creio que isso seja o progresso da espécie, sua evolução ou a revolução. Não, não, pensando bem creio que seja a involução.

De qualquer modo, com o tempo, mudam-se os nomes, trocam-se as moscas mas tudo sempre acaba ficando a "Lesma Lerda".

Abraços!
Heitor

Anônimo disse...

Acreditamos que isso seja herança do exemplo do serviço público, claro, não justifica assim mesmo, mas em se falando de Brasil vale tudo, é a "boa" e velha lei do Gerson, certo?
Sem querer defender os horácios, mas no meu último emprego, tínhamos uma equipe de seis pessoas que atuavam "em campo", dentro do mesmo prédio e, pasmem, nove chefes, se qualquer um deles cruzasse com a gente no corredor e mandasse fazer alguma coisa, tínhamos de fazer, coisas do mundo corporativo, hoje, graças a Deus, sou chefe de mim mesmo (não sei até quando), só não consigo me dar férias....ehehe...

abraços a todos
xara - ipiranga
sp- sp