O Vitrô por Analista


scritor que é escritor tem que ter duas coisas: um estúdio e um analista. São itens essenciais para um escritor ser um escritor de verdade. Nenhum escritor vai confirmar isso, pois soa esnobe, e o esnobismo para nós escritores não pode se evidenciar, assim, tão claramente.

O bom esnobe, você sabe, é mestre numa certa altivez revestida com uma fina camada de humildade. Pode o amigo reparar: em muitas das crônicas que lemos por aí em jornais e revistas, os escritores deixam escapar vez por outra um “o meu analista disse que...” ou um “estava no meu estúdio quando...”.


Há, enfim, um inconfessável orgulho em se ter um estúdio e um analista. Ai de mim, que não tenho nem um nem outro!

Pois saibam todos que no ano de 2012 eu consegui diminuir esse abismo existencial que me afastava dos meus pares. Mudei-me pra um apartamento antigo que tem duas coisas fantásticas, que se não substituem analistas e estúdios, quebram bem o galho.

Uma delas é o quartinho de empregada, sonho antigo que agora realizei. Um quartinho de empregada só meu! Para ser bem honesto, nem com muito esforço daria pra chamar isto aqui, de onde escrevo agora, de “meu estúdio”, já que o espaço mede 1,85 x 2,30m, localizado em região pouco majestosa do lar, pra lá da área de serviço, do cocô do meu gato e das roupas dependuradas no varal; indigno para um estúdio, que deve ser vizinho das partes nobres da casa. Mas o meu quartinho está de bom tamanho para minhas pretensões, planejado por esta minha cabeça calva, é rodeado internamente por prateleiras feitas com restos de compensados envernizados e afixados nas paredes por mim mesmo. Aqui estão meus livros, fotos, objetos antigos do meu pai, além de três jarras cheias de rolhas de vinhos que eu mesmo bebi, um a um.



Que um quartinho da empregada faça as vezes de estúdio, todos podem entender. Mas o que serviria de suplente para o analista?

Apresento-lhes o substituto: o vitrô do meu banheiro.

Eu sempre quis ter um banheiro com vitrô. Morei em um monte de casas, mas nunca tive um. Mas eu não queria daqueles vitrôs que ficam em cima da privada e dão vista pra área de serviço, nem os que se abrem para um fosso de ventilação escuro; muito menos os que ficam lá no alto só pra circular o ar, e por onde não se pode espiar sem precisar de um banco. Nada disso.

O vitrô dos meus sonhos ficaria obrigatoriamente dentro do box, à altura do rosto, teria três lâminas paralelas envidraçadas, movidas por uma alavanca no tradicional sistema maxim-ar e, o melhor de tudo, daria vista pra rua. Morra de inveja o leitor agora, pois o vitrô que tenho aqui no banheiro de casa é exatamente assim! E com direito a parapeito azulejado pra apoiar taça de vinho ou lata de cerveja — a depender do clima psicológico do banhista.




Difícil explicar ao amigo leitor o prazer de tomar ali um banho relaxante, bem tarde da noite, com todos em casa já dormindo, e você peladão se ensaboando e bebericando o vinho, o vapor subindo enquanto seus olhos espiam pela janela as ruas próximas escurecidas, com um ou outro carro passando, então reflexões sociofilosóficas sobre o sentido da vida e a decadência da humanidade surgem naturalmente em sua mente, e você avista ao longe algumas poucas janelas acesas, com a brisa fresca da noite a soprar no seu rosto quente do calor do banho.

Pode imaginar algo mais reconfortante e terapêutico?

Com um vitrô desses pra equalizar os desvarios da mente, quem precisa de um analista?

Senhores escritores, abaixo os analistas e os estúdios. O quartinho de empregada e o vitrô do box são a nova onda!


Cesar Cruz
Dez 2012





Um comentário:

Unknown disse...

Meu que viagem... em casa também sempre gostei dos cômodos que ficam mais "enfurnados" tipo tocas de animais em fuga, sei lá né? Cada um com sua mania, meu gosto é esse. Mas analisando a foto, se não nos causa falsa impressão, é assim, se der um micro abalo sísmico em seu estúdio não teria Você a mínima chance de sair vivo, seria soterrado pelas muitas obras que lhe inspiram, de qualquer modo seja feliz, quando lhe faltar os leitores, lá estarão eles incólumes, quais cães fies e amigos a lhe esperar, ou seja, seu estúdio e analista. Bom ano a Você e entes queridos. Paz e luz em nossos corações - xara - ipiranga - sp-sp