ntem, depois do almoço, andando nas
imediações do meu trabalho, passei em frente a uma loja de móveis para
escritório, dessas estreitas em que os móveis ficam empilhados uns sobre os
outros. Quase colocada na calçada como mostruário, vejo uma bela cadeira
giratória de assento de couro, estilo simples, mas honesto. Apalpei, girei e
concluí: forte e confortável, e eu ando mesmo precisando de uma boa cadeira pra
substituir esta lástima que agora me encontro sentado, que comprei num brechó,
quase de graça, num momento da mais pura escassidão de recursos financeiros.
Além de ranger e ser toda desconjuntada, traz escondida por debaixo da espuma
magra uma saliência pontuda que me espeta a nádega direita, o que tem me
deixado ultimamente com as crônicas tortas.
– Alguém pode me dizer o preço dessa
cadeira? – gritei, com a cara metida pra dentro da loja escura.
Lá do fundo um vendedor se levantou da
sombra e veio vindo, moroso.
– Essa aí? – ele apontou, chupando o dente
do almoço.
– Isso.
– Cento e cinquenta reais.
– Ah, obrigado – eu disse, já saindo.
– Mas se for essa aí mesmo do mostruário te
faço a setenta.
Parei e me voltei pra ele.
– Setenta me interessa. Mas queria em outra
cor...
– Por setenta só essa peça mesmo, meu
chapa.
– Mas é que essa é cor-de-rosa...
– É o que temos nessas condições. Aproveita
o preço! Te faço em três vezes no cartão.
– Não dá, cara.
– Por que não dá?
– É que fica complicado colocar uma cadeira
cor-de-rosa lá no meu escritório de casa, que é todo no estilo sóbrio.
– E que que tem?
– Tem que as pessoas vão achar que além de
careca agora dei pra veado!
– Será?
– Claro que sim! Pensa comigo:
se eu simplesmente puser a cadeira lá e não disser nada, no estilo tudo-muito-natural, as pessoas vão achar
que uma cadeira assim, brutalmente cor-de-rosa, só pode ter um propósito: o de transmitir uma sutil mensagem
das minhas preferências sexuais secretas para eventuais interessados.
– Huum... – ele pareceu pensar, chupando
agora o dente do outro lado.
– ... porém, se eu tentar o caminho da
verdade, explicando que havia uma certa promoção, exclusiva pra cadeiras cor-de-rosa, vão sair de casa cochichando e espalhando por aí que sou um desses caras
que querem esconder o óbvio ululante, como diria o Nelson Rodrigues, e que além
de não aceitar a própria homossexualidade, ainda fica tentando iludir os
outros.
Deixei o vendedor pensativo na penumbra da loja e fui-me, caminhando pela rua, travando uma luta
interna contra o irremediável corderrosismo daquela beleza de cadeira que pedia para ser comprada.
Mas como levá-la para casa sem perder a
dignidade, a boa reputação, o respeito dos amigos, da sociedade?
De repente me veio uma ideia que me pareceu ótima: escrevo uma crônica engraçadinha relatando todas essas minhas dúvidas diante da cadeira cor-de-rosa, depois envio pra coluna do jornal. Quando for publicada, recorto, mando pôr num quadrinho bacana e coloco na parede bem do lado da cadeira. Simples!
Dali em diante, sempre que um chegar em casa e direcionar olhos condenativos para minha cadeira cor-de-rosa, depois pra minha cara, depois pra minha cadeira, direi: “Meu caro, não se apresse nos pré-julgamentos, antes leia esta crônica aqui, ó!”.
De repente me veio uma ideia que me pareceu ótima: escrevo uma crônica engraçadinha relatando todas essas minhas dúvidas diante da cadeira cor-de-rosa, depois envio pra coluna do jornal. Quando for publicada, recorto, mando pôr num quadrinho bacana e coloco na parede bem do lado da cadeira. Simples!
Dali em diante, sempre que um chegar em casa e direcionar olhos condenativos para minha cadeira cor-de-rosa, depois pra minha cara, depois pra minha cadeira, direi: “Meu caro, não se apresse nos pré-julgamentos, antes leia esta crônica aqui, ó!”.
Feliz com meu próprio brilhantismo, fiz meia
volta em direção à loja.
Então meus pensamentos foram adiante e
passei a imaginar o dia em que haveria uma festa lá em casa, com um monte de
gente que eu não conheceria misturada aos meus amigos, todos bebendo, inclusive
eu, e as sensibilidades à flor da pele dado o álcool e a música, e num súbito
eu juraria ter ouvido um incauto dizer ao outro que “o dono dessa casa deve ser
bicha, veja essa cadeira cor-de-rosa!”, e eu me achegaria à roda, sangue fervendo, e diria,
copo na mão, “o dono da casa sou eu, algum problema?”, e diante de uma risada
de escárnio do sujeito, que olharia pra minha cadeira e pra minha cara, e, em
um breve instante, do qual eu me arrependeria pelo resto da vida, o copo da
minha mão se quebraria na borda da mesa e as paredes brancas e a própria
cadeira cor-de-rosa seriam manchadas com espirros de um líquido rubro-negro,
grosso. Mais tarde, diante do delegado, eu ouviria minha própria voz de homem
banal que cometeu um grave erro a lamentar o irremediável; agora, mero
espectador de mim mesmo, só me restaria contar os anos que me separariam de
novo da luz do sol, da minha mulher e filha, toda uma vida desperdiçada graças à
cabeça perdida numa repentina explosão de ira, vã, desatinada, a mesma ira
incontrolável que já mudou o destino de tanto homem justo e bom na história da
humanidade. E, mais tarde, numa cela imunda e lotada, eu escolheria morrer a um dia ter passado defronte àquela maldita loja com a cadeira cor-de-rosa exposta na calçada.
Melhor aguardar a cadeira azul marinho entrar na
promoção.
Cesar Cruz
Jan 2013
9 comentários:
A Michele iria adorar uma cadeira cor-de-rosa.
Boa noite, meu querido César! como vc está?
Delícia de crônica! Confesso: dou risada, sempre que o tema é assim...constrangedor...adoro!imagino a cena te crio mil expressões faciais...
Abraços dessa sumida blogueira e sua fã.
bjs
Excelente!
Abço
Marcos
ow mérmão, que tu tem contra os brechós...? ehehe... Cara, não complica, se alguém visse lá a cadeira cor de rosa era só falar que pegou emprestada de uma de suas duas pupilas, claro, emprestada forever. Aqui no meu "Brechó" que aliás é "O Usado Ousado" (propagandinha, permite vai...) comprei uma cadeira, mas daquelas de presidência, que tem molejo, encosto alto, apoiador de braço decente..., as vezes tendo para trás até parece que vai cair, de dar friozinho no gástrico, mas não cai, paguei 30 paus, desse naipe aqui deve valer não menos que 400, até hoje estou feliz, a cor dela? Sebo escurecido com nuances de ácaros potencializados, algo perto de preto, mas esta me atendendo, me acho nela. E depois tem outra, quanto macho por aí usa camisa rosa? Se bem que, pensando bem, já sofri algumas investidas por conta disso, mas nem por isso me fez desistir.
abraços
xara - ipiranga - sp-sp
Eu comprava na hora a cadeira! Eu adoro cor de rosa. Junto com azul, são minhas cores favoritas.
Cor de rosinha hem Cesinha... hummmmmmm
Fala, André!
Compra mesmo? Olha lá, hein? Então vamos ver. ANota aí:
Loja Marymóveis
Av. Domingos de Morais, 1289
Tels (11) 2372-4683/ 5539-2395
Liga lá e diz assim:
"Amigo, passei a uns dias aí e vi uma cadeira de escritório cor-de-rosa no mostruário, logo na rua, o cara aí me fez a 70 reais. Decidi que quero comprar!"
Detalhe: como vc mora perto, se bobear eles entregam.
Agora quero ver! ahaha
Abço
Cesar,
Na verdade acho que esses casos são questão de tempo e observação.
Se acaso você optar por comprar a tal cadeira, avise. Vamos monitorar mais de perto sua produção para ver se nenhuma tendência nova surge por aí. E se vier a surgir, são duas opções: damos a sua cadeira para a Michele (olha eu já me achando dono da cadeira também!) ou eu levo uma grande lata de tinta azul para você.
Abraços e mais uma vez parabéns pela bela crônica,
Edu Toledo
Pombas, meu amigo, você poderia pedir para a Van forrar a cadeira com um paninho discreto, aí não precisaria sair do armário. Será que a cadeira ainda está a venda? Passe por lá, talvez ainda dê tempo. Hehe!
Abraço,
Gabriel
Muito bom crônica! Vc me fez ri e imaginar as cenas propostas. Parabéns!!!
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