Eu, o centro do universo

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Engraçado como nós nos consideramos muito importantes. Somos, na nossa própria opinião, o centro do universo. Temos uma ligeira e inconsciente percepção de que se faltarmos, o mundo acaba. Confesso que também sou assim. Muitas vezes – ou quase sempre – só penso em mim. Os outros que se danem! Suporto melhor a fome e a morte de crianças na África, do que a dor no dedão do meu pé. Um velho pedindo dinheiro no semáforo pra mim é um estorvo: “Por que ele não vai trabalhar?”. Nessa hora esqueço-me que, se já é difícil para jovens que tem estudo conseguir emprego, o que dizer de um velho que muitas vezes foi chutado pela família? Esquecemos que aquele alí poderia ser nosso pai ou avô! Ou – Deus nos livre de um futuro cruel! - nós mesmos, um dia. E assim vamos seguindo em nossa vida mesquinha e ensimesmada, de mãos dadas com este nosso individualismo asqueroso e avarento.
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Dia desses parei no farol com o carro. Era noite e eu estava com minha mulher. Aproximou-se, meio que cambaleante da janela do meu lado, um bêbado. Não abri, fingi não vê-lo. Mas ele insistiu: colou as mãos em concha para enxergar por entre a escuridão gerada pela película negra e, por fim, bateu no vidro. Intolerante e belicoso que sou, desci o vidro pronto para um atrito.
Surpresa. Não era um bêbado. Era um homem cego. Percebi pela opacidade dos seus olhos e pelo foco, perdido ligeiramente acima da minha cabeça. Soltei a faca. Ele então se pôs a explicar que era cego e necessitado e me pediu um trocado estendendo com um sorriso ditoso a mão espalmada.
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Aparentava ter uns 55 anos, baixo, um pouco obeso e encurvado. Pus uma moeda na sua mão e aguardei. Ele apalpou com todos os 10 dedos e me perguntou quanto eu havia lhe dado. Disse que eram 50 centavos, já certo de que ouviria uma reclamação. Não ouvi. Ao contrário, ele guardou a moeda no bolso da calça velha, como se o dinheiro fosse algo secundário, e já puxou conversa, apoiado na porta com as mãos sujas e gordas. Precisava de atenção, estava claro, tanto quanto precisava de dinheiro... E o farol permanecia fechado. Falamos do calor, da vida difícil, até que ele estendeu a mão e, letargicamente, levou-a até a minha cabeça. Deixei, meio que cabreiro.
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Ele alisou minha calva e sorriu com espanto, exibindo seu olhar perdido. Perguntou onde estava meu cabelo. Expliquei que já não o uso há tempos, que acho mais prático... Ele riu banguelo e fez uma menção ao fato de que no calor deve ser melhor assim. Concordei.
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O farol abriu bem na hora em que ele me perguntava em que mês eu nasci, exibia a euforia de uma criança que está recebendo atenção de um adulto difícil. Respondi que sou de setembro, já partindo com o carro. Foi o tempo de ouvi-lo bradar em êxtase: “Ah! Um virginiano...”
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Parti pensando em como as pessoas andam carentes de atenção, de amor, de uma simples conversa...
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O homem com seu sorriso congelado e olhar perdido, ficou parado no meio da rua, as mãos ainda seguravam uma porta que já não estava mais lá. Olhei-o até que sumiu na escuridão do meu retrovisor.
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Confesso que senti uma felicidade diferente, um orgulho envaidecedor. A sensação de ter proporcionado uma breve alegria a alguém que não tem nada, é muito boa. Concluí, por fim, que boa parte da tristeza e carência das pessoas vem disso: falta de atenção, de carinho. Cada um de nós está preocupado apenas consigo próprio.
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Não guardo ilusões sobre a importância que tenho para o mundo. O que acontecerá naquele dia em que meus olhos se fecharem? Será que o tempo congelará por um instante?, o dia se tingirá de negro?, trovões rugirão e o céu se abrirá e o fogo descerá à terra? Tsc, tsc, tsc. Ilusão! Não acontecerá nada disso... Nada mudará em parte alguma. Nem na rotina do mundo, nem na da minha cidade, nem na do meu bairro.
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Certamente, naquela mesma noite, as pessoas estarão jantando em suas casas, assistindo ao seu telejornal, brincando com seus filhos, pensando na reunião de amanhã, nas contas a pagar, na chuva, no porvir...
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Então, o dia seguinte chegará iniciando uma era sem mim. Aí, como sempre foi, os fortes continuarão a massacrar, os humilhados a rastejar, o planeta a aquece, a ciência a evoluir e os homens... Ah os homens! A involuir como sempre, em seus egoísmo sovina e tacanho.
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Como é efêmera essa nossa tola vidinha. Preciso fazer logo a única coisa que posso fazer: mudar a mim mesmo! Enquanto é tempo. Muitas pessoas, como eu, também se consideram o centro do universo. Ávidas por fazer o bem, estender a mão e oferecer todas as coisas... Mas apenas a si próprias.
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Cesar Cruz
Fev/ 07
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Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa! Bem na linha do que o Villy falou ontem no culto! Gostei!

bjs Vânia

26.05.08