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Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição nº 1099 - sexta, 03 de outubro de 2008.
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Este causo é verídico. Meu amigo George me contou e não pude deixar de compartilhá-lo com vocês. Aconteceu assim:
Foi num almoção de família. Digo almoção, pois foi daqueles grandes, em que o anfitrião e sua senhora organizam tudo conforme manda o figurino, preparando cada detalhe com carinho, por semanas a fio.
Eles ainda ampliaram o leque e convidaram, além dos familiares, alguns casais de bons e fiéis amigos. Tremendo sucesso. Depois dos aperitivos, caipirinhas e tira-gostos, veio o almoço propriamente dito, complementado, a título de sobremesa, por uma variedade alarmante de pavês, sorvetes, mouses e tortas.
Estavam todos espalhados pela casa, fartos, as braguilhas das calças disfarçadamente abertas, a conversar alegres e visivelmente sonolentos. Os grupos já se haviam formado e espalhado, como sempre acontece nessas ocasiões. Uns estavam na cozinha passando o café, outros na sala proseando, um tio idoso dormia aos roncos num sofá. Na rua defronte ao sobrado, três dos homens admiravam tecnologias automobilísticas, com metade dos corpos inclinados para dentro do capô duma caminhote.
Djalma e Vilma, os anfitriões, entretinham alguns casais na sala de estar. Comentavam o assunto de sempre: os pormenores do tratamento a que vinham se submetendo para que Vilma engravidasse, em que todos os procedimentos já tentados, até então, foram sem sucesso.
A única criança presente era a Paulinha, de cinco anos. Sentada no colo do pai e sem a companhia de nenhuma criança de sua idade para brincar, ouvia tudo com pouco interesse e boa dose de fastio. Já estava com sua paciência-mirim esgotada daquela enfadonha e interminável reunião de adultos.
Ao conversar sobre o delicado tema, dada a presença da menina, todos passaram a usar a famosa paródia infantil:
- O pior é que o Djalma fala que já está ficando velho! Então essa cegonha precisa vir logo! – brincou Vilma, para quebrar o peso da seriedade, produzindo risadas de alívio na turma.
Djalma acompanhou bem. Dirigiu-lhe um olhar espremido e desafiador, e provocou:
- Ah, é? Você vai ver só o velho quando chegarmos lá em casa!
Gargalhada geral. Ivete, afundada num outro sofá com a cabeça no peito do Jorge, arrematou:
- Gente, vocês podem ter uma surpresa! Esses tratamentos estimulam muito a cegonha e ela acaba trazendo dois ou três bebês! Cuidado, hein!
Vilma, já em total descontração, fingiu-se espantada:
- Nem brinca com uma coisa dessas, menina! Já imaginou, amor? Nós, de repente, recebendo trigêmeos na trouxinha da cegonha?
Todos um pouco altos, graças à grande quantidade de birinaites ingeridos, riam desmedidamente. Paulinha ouvia tudo, sóbria, quieta e irritada.
Sucedia que o pai já havia lhe contado que os adultos às vezes contam mentirinhas para as crianças muito pequenas, e que como ela já era uma mocinha, poderia saber de toda a verdade. Explicou-lhe, então, que os papais e as mamães namoram para poder produzir os bebês e não existia nada daquela coisa de cegonha.
Sem suspeitar disso, Djalma, gracejou:
- Meu Deus! Já pensou se a cegonha apronta uma dessas com a gente, Vi! Vamos acabar tendo que vender o apartamento e alugar um galpão!
Novas gargalhadas. Nesse instante, o grupo que estava na cozinha, vinha chegando para se unir ao da sala. Traziam duas bandejas com xícaras, pires, bules fumegantes, licores digestivos e um cestinho com brioches.
Coincidiu que bem nesse momento, a paciência da Paulinha chegou ao limite. A pequena escorregou do colo do pai e foi até o centro da roda em meio àquela multidão. Por um instante, todos silenciaram para observá-la.
Dirigindo-se ao Djalma e a Vilma, sentenciou em alto e bom som, com as mãozinhas autoritárias apoiadas à cintura:
- Sabe qual o problema com vocês dois? O problema é que vocês ainda acreditam em cegonha!
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Cesar Cruz
Setembro 2008
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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.
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13 comentários:
Andre disse...
Que fofo!
27.9.08
Olá Genro !...rssrss...
Adorei, muito legal !!
Com esses dois, sei bem como são certas situações.
Parabéns....!!
Bjs.
Márcia
Oi, César. Muito bacana o conto.
Percebo que as crianças perdem a inocência muito cedo na atualidade.
É a maldita TV. Pena.
Beijo, Tânia
Já não se fazem mais crianças como antigamente. Hoje com 5 anos elas sabem tudo de sexo. Com 10 já estão namorando e transando. Com 15já têm 3 filhos e são separadas pela 4ª vez...
Tempos modernos, meu amigo... tempos modernos.
Abraços, Silvio
30.9.08
César
Leio “você” sempre no jornal! Adoro!!
Gostei muito dessa história justamente porque minha
filha de 12 anos chama-se Paula! Acredita? (deve ser mal de Paula isso) e
desde pequena sempre foi saidinha assim. Igualzinha a da história ou pior.
Tenho cada uma para contar que daria um livro.
Beijos e parabéns pelo blog (que eu sempre entro e gosto muito)
Fernanda
Oi Cé,
Gostei muito deste conto, bom pra refletir, viu!!
as crinças de hj são bem mais espertas, temos q tomar cuidado com o q falamos com elas..rs
bjs
Dri
Criancinha ingênua? Isso já não nos pertence mais! kkkkkkk!!!
abz, Gabriel
kkkkkkk... muito boa!!!!
bj
Silvana
Cé;
Adorei, do jeio que você contou ficou bem melhor. Mesmo já sabendo o fim da história, fiquei lendo encantada...
PARABÉNS!!!
Um abraço,
Lena
Caro Cesar,
Dei uma olhada em seu blog. Gostei bastante do seu texto.
Muito Legal! Parabéns!
Abraços,
Oliveira
Ah, essas crianças... já não são como antigamente...
Beijos
Carla
Cesar, eu adorei "o causo da cegonha"
Parabéns é ótimo!
bjs
Lais
Gostei! Se o meu amigo que tambem se chama Cesar ou alguem daquele grupo ler, vai rir.
Não foi bem assim que aconteceu, mas ficou boa a versão.
Isto aconteceu há mais de vinte anos e eu ainda lembro da cena.
Infelizmente, perdi contato com esta turma...
Abraços,
Cris.
5.10.08
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