Quando nasce a excelência

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.Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação* .

Edição nº 1094 - sexta, 29 de agosto de 2008. .

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Imagino que deva ser uma experiência única presenciar o momento exato em que um prodígio, um gênio, dá o seu primeiro passo em direção à imortalidade. Fico imaginando quem foi o felizardo a presenciar as pinceladas iniciais de um Van Gogh, a primeira criação de um Da Vinci, ou os acordes prematuros do pequeno Beethoven... Ah, eu daria dias da minha vida para presenciar algo assim! A verdade é que gênios são raros. A iniciação dos pobres mortais é o que mais nos interessa, até por que, a maioria de nós dispõe de inteligência mediana e olhe lá.

Nós, os comuns, temos que começar bem cedo a praticar se quisermos alcançar algum nível de excelência em nossos ofícios. Os atletas começam muito cedo; dizem que os ginastas, por exemplo, aos 4 anos já ensaiam suas primeiras cambalhotas nos ginásios. E é justamente com essa precocidade que estão sendo treinados alguns segmentos profissionais atualmente.

Veja, por exemplo, a prematuridade dos meliantes neste quesito! Temos que tirar o chapéu! É dessa forma que precisamos preparar os nossos filhos para o futuro!

O que aconteceu à minha mulher noutro dia é um bom exemplo a ser seguido. Vamos a ele:

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Ao parar o carro em um semáforo da Rua Lavapés, no Cambuci, ela ouviu um aviso de assalto:

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- Aí tia, seguinte: isso é um assalto, eu não quero machucar a senhora, é só entregar tudo.

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Ela olhou para a janela aberta à sua esquerda e não havia ninguém. De onde teria vindo aquela voz? Observou com mais atenção e percebeu que na porta, repousavam duas mãozinhas e uma face lisinha e morena ao centro, apoiada pelo queixo e salpicada por dois olhos negros e cabelinho raspado ao topo.

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- Que é que foi, menino? – inquiriu.

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O pequeno marginal deveria ter no máximo 5 anos e não carregava nenhum objeto que pudesse ser apresentado como uma arma. As sobrancelhas espremidas no centro da testa e o olhar intimidante, criavam uma feição ameaçadora que destoava dos traços delicados e infantis de seu pequeno rosto. O garotinho repetiu exatamente a mesma sentença que havia decorado. A frase veio num uníssono monótono, sem pausas, como num mantra:.- Aí-tia-seguinte-isso-é-um-assalto-eu-não-quero-machucar-a-senhora-é-só-entregar-tudo.

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- Não tenho nada não, menino! – respondeu ela, firme.

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- Então me dá o rádio – exigiu o minimarginal.

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- Imagina!

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- E aquela lupa ali? – perguntou, apontando um dedinho curto pros óculos de sol sobre o console.

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A inadequada máscara de bandido já começava a se diluir, e sem se dar conta, o pequeno assaltante voltava a ser uma simples criança.

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- De jeito nenhum – respondeu ela.

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- E aquilo ali? - agora curioso e pedinte, enfim um garotinho normal de 5 anos.

.Já assumindo um ar semimaternal, minha mulher disse:

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- Não meu bem, aquilo ali é pra titia trabalhar – então inclinou-se, pegou algo no porta-luvas e deu na mãozinha do guri..- Toma essa balinha.

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O semáforo abriu e ele partiu. Pelo retrovisor ela pôde vê-lo desembrulhar a bala e correr saltitante até a calçada, como fazem os meninos pequenos. Fora se reunir com os maiores, de 12, 15 anos que observaram toda a sua iniciação e certamente teriam comentários técnicos a fazer.

.É minha gente, apesar de tragicômico, o episódio reserva-nos uma grande lição: os profissionais do futuro já estão praticando desde pequenos, e em simuladores reais! É por isso que os nossos policiais, que entram na academia já adultos e em poucos meses já são colocados nas ruas, nunca se mostram aptos a combatê-los.

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Quanto à minha mulher, foi para casa agradecendo a Deus por ter sido vítima de um simples treinamento. Mas aquele que cair nas mãos do pequeno aprendiz daqui a alguns anos, certamente não terá a mesma sorte.

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Cesar Cruz

Agosto 2008

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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.

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