Quem se importa?

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Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição nº 1102 - sexta, 24 de outubro de 2008.
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Crônica publicada na Gazeta do Ipiranga*
Edição nº 2576 - sexta, 30 de janeiro de 2009.
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Crônica publicada na Revista/ Guia Vidaqui*
Edição nº 12 - fevereiro de 2009 (clique ao lado).
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Ouço espantado o noticiário matinal na rádio:
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“...o trânsito na Marginal Tietê está parado por causa de um caminhão que tombou sobre uma moto. O motorista do caminhão sofreu ferimentos leves e o motociclista teve morte instantânea. O corpo ainda está no local. O acidente provoca um congestionamento de 8 Km no sentido Cebolão...”
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Diga-me, amigo, não é assombrosa uma notícia como essa, dada dessa forma? Pense um pouco! Não é um descalabro a nossa falta de sensibilidade? Admitamos que a maneira desinteressada e impessoal com que esses repórteres relatam, en passant, a morte de pessoas, reflete com exatidão a forma como você e eu reagimos a acontecimentos como esses. Escutamos notícias assim e achamos normal. Nem ao menos lamentamos... Será que esse descaso não é um eco da nossa maneira absolutamente individualista de (não) enxergar o sofrimento do outro?
A verdade, amigos, é uma só: ninguém se importa.
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Ouvir a notícia “o homem morreu na hora e o corpo ainda está no local” ou “a árvore caiu na pista e ainda está no local”, é para nós a mesma coisa... Tanto faz. Dane-se! Friíssimos e distantes, só somos capazes de perceber os inconvenientes que aquilo causará na nossa vida mesquinha.
Ao mesmo tempo em que não damos a mínima, mantemos um sinistro interesse, um prazerzinho doente em (quem sabe!) ver um pedacinho da desgraça alheia.
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Ah! A duplicidade profunda da criatura humana! E é por essa horripilante faceta das nossas mentes apodrecidas, que passamos bem devagarzinho ao lado dos acidentes, e, de dentro dos nossos carros, tentamos espiar por detrás do veículo do socorro para ver se avistamos (se dermos uma sorte!) um braço arrancado, um corpo desfigurado, uma poça de sangue...
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Da próxima vez que nos depararmos com algo assim, pensemos na mãe do finado que dali a pouco receberá um telefonema! Lembremo-nos que, mesmo inoportuno e invisível aos nossos olhos, um defunto é (ou era) um ser humano, um irmão.
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O jovem morto, artista secundário, coadjuvante daquela notícia de congestionamento, é certamente filho de alguém, pai de alguém, irmão de alguém, querido de alguém.
. Imagine se a mãe do rapaz estivesse atenta à rádio e acabasse ouvindo aquela notícia? Possivelmente seu coração de mãe ouviria um conteúdo diferente daquele; talvez algo assim:
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“Dona Marlene, seu filho foi estraçalhado por um caminhão na Marginal prejudicando o trânsito. O corpo ainda está no local, mas não se preocupe!, existem boas alternativas pela Av. Marquês de São Vicente, pela Av. Pompéia...”
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É, gente... é como na famosa canção do Chico Buarque: “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”
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Cesar Cruz
Outubro 2008
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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.
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19 comentários:

Anônimo disse...

É realmente triste constatar a falta de sensibilidade que nos acomete...
Parabéns pelo texto que nos faz refletir.

Bjs,
Bianca

Anônimo disse...

É Cesão, infelizmente estamos todos nesse "estilo" de vida, la de longe, percebemos em alguns momemto do dia o quão insensíveis somos, o que falou é uma verdade porem o que realmente acontece é que ouvimos, achamos triste, no meu caso tenho uma percepção um pouco maior, pois ja andei de moto, mas 1 segundo e meio depois passou, essa é a vida que nos colocam ou nos mesmos nos colocamos guela a baixo.

abraços!
Manoel

Anônimo disse...

Bem melhor, Cesinha... agora pelo menos consigo abrir a página!

Abraço!

Marcos Ponsirenas

Anônimo disse...

Porque será que vítima de acidente aéreo é mais importante???
Nunca vi comoção na morte de acidente de trânsito. Nem monumento ao infeliz.

Anônimo disse...

Gostei do novo nome do bloque. Perfeito!
Abraço
Gabriel

Anônimo disse...

Oi Cesar,

É realmente desse jeito que estamos. É tanta gente que já não dá para ficar triste por todos. Cada dia mais só nos interessa o que está dentro do nosso círculo. A individualidade é a marca de nosso tempo e de nossa cidade.
Não custa falar pra ver se as pessoas acordam. Martha

Anônimo disse...

oi
sobrinho
gostei.
bjs
tia

Anônimo disse...

É Cesar, infelizmente todos temos em nós um pouco desse "Egoísmo" que vem crescendo nesse mundão, sem parar, sem limites...!!!
Só nos resta pedir a Deus para nos ajudar com nossos filhinhos e a partir daí mudar isso para o futuro...!!!
Adorei, parabéns !

Bjs.
Márcia

Anônimo disse...

Cesar,
Foi uma boa surpresa descobrir os seus ‘causos’.
Li alguns (na verdade, li apenas 6) e não posso deixar de destacar o valor das boas memórias que eles trazem, resultado de um incisivo olhar sobre a cidade, as pessoas e os fatos.
Ah! Em casa também aprendi a ter o gosto pela leitura, a freqüentar bibliotecas, a depurar gostos e saberes e a usar uma ‘Olivetti Lettera 22’ que ganhei de meu pai quando entrei na faculdade, no final dos anos 70.
Parabéns mais uma vez pelos ‘causos’.
Só preciso aprender mais a navegar entre os ‘blogueiros’.
Por fim, também acho cedo para entrarmos em clima de final de ano.

Abraço,
Carlos

Anônimo disse...

Que texto bem escrito!
Parabéns!

Perfeita a reflexão.. e muitas coisas estão mais comuns como a que você citou. Por exemplo, número de analfabetos, roubos dos políticos e por aí vai...
E é infeliz a idéia de que muitas vezes essas notícias são abafadas por um simples: "Tal time fez mil gols sobre o outro".. não é?

Enfim...

Beijo Mara Ruzza

Anônimo disse...

Acabei de ler este seu texto no jornalzinho do bairro! Perfeita sua percepção. Eu mesmo nunca tinha me dado conta disso!!
Ênio, Aclimação

Anônimo disse...

hummmm.... esse papo seu tá qualquer coisa..... pra lá de marrakesh! kkkkkkkkkkkkkk!!!
Esse foi dose, nao?

abs
Alessandro

Anônimo disse...

César:
Suas histórias têm modificado a forma como as pessoas vêem este jornal. Você tem dado um toque de sensibilidade, humor e percepção refinada ao periódicozinho aguado deste bairro. Parabéns a você!
Milton Ribeiro
(jornalista como vc; morador do bairro como vc; indignado com o descaso humano como vc)

CESAR CRUZ disse...

Caro Milton!

Obrigado pelo prestígio! Que bom que vc tem apreciado meus causos!
Só um detalhe: não sou jornalista como vc, sou apenas um vendedor. Escritor tb, mas nas horas vagas!
Forte abraço
Cesar

Anônimo disse...

Caro César
Muito oportuna sua percepção!
Somos mesmo muito mesquinhos e desinteressados em qualquer um que não seja nós mesmos.
Forte abraço
Fernando Lima – Vila Monumento
Email xxxxxxxxxxx
Tel xxxxxxxxxxxx

Anônimo disse...

Trabalho em um predio comercial aqui na rua paulo orozimbo na aclimação. Os caras entregam esse jornal lá na portaria e eles nos dão. Sinceramente? jornal chato. Mas sua crônica eu sempre gosto! sempre leio!muito legais!
1 bejo e parabens - Isabella

Anônimo disse...

Cesar,

Há descaso pela vida humana. Mas esse descaso é gradual. Uma criança das classes A e B quando morrem em qualquer tragédia, tem nome, causam estardalhaço na imprensa. O pobre que morre de uma bala perdida é só "mais uma criança que morreu na invasão do morro". Eu soube de casos em que motoqueiros ficaram mais de cinco horas mortos sem serem recolhidos pelo rabecão. Tudo muito triste, tudo muito lamentável.

Ricardo

Anônimo disse...

César Cruz,

Meus parabéns! Li na Gazeta sua crônica. Excelente a sensibilidade e percepção do próximo que voce demonstra neste artigo. Para mim foi uma boa chacoalhada!

abraços - Telma Aguitè - do bairro da Mooca - Sao Paulo.

Anônimo disse...

Boa tarde Cesar

Uma grata surpresa encontrar nesta Gazeta um bom texto como o teu. Fique com os meus parabéns sinceros. Espero topar com outras suas nestas páginas!
Murilo Mendes Filho

(moro na Bom Pastor, pertinho do jornal)