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Certas vezes eu me ponho a pensar a respeito dessa loucura que é o universo das tecnologias modernas, e me pergunto se o advento de tão vasta, mirabolante e rocambolesca parafernália melhorou de fato a nossa vida.
Uma maioria responderia de bate-pronto: “Sim, é claro! Sem dúvida nenhuma!”.
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Eu até entendo o porquê dessa resposta instantânea que pareço ouvir, em uníssono, quase como o eco gutural de uma colossal torcida de futebol. É que esses fanáticos gritam sem refletir! Agem como quem retribui a uma agressão por puro e primitivo reflexo.
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Sim, sim, de maneira geral as pessoas têm razão. Afinal, no passado não tínhamos o automóvel, o celular, o controle remoto, a escada-rolante, a internet, as cirurgias a laser e tantas outras necessidades básicas (básicas?) dos tempos modernos. Ainda assim, eu me reservo o direito de ter saudades da época em que os aparelhos mais modernos em nossas casas eram o liquidificador e o televisor transistorizado. Bons tempos aqueles.
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Vamos a algumas pragas modernas que vieram, junto com as benesses da tecnologia, nos aporrinhar a vida, pelo jeito definitivamente.
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Primeira delas: O Especialista. Segunda: O Sistema.
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Tenho saudades da época em que esses entes detestáveis simplesmente não existiam... Você podia, por exemplo, lançar mão de um profissional que se responsabilizaria por todo um serviço, do princípio ao fim. Lembra disso?
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Para os mais jovens vou contar como funcionava: Suponha que você necessitasse de um portão de ferro para sua casa, o que faria? Fácil. Recorreria ao serralheiro mais próximo, que projetava, executava, instalava e se responsabilizava por tudo, inclusive pela manutenção do portão. Uma porta entalhada em madeira? A mesma coisa. O artesão cuidava não só da confecção da peça, mas de todas as demais etapas. Um armário embutido? O marceneiro e seus filhos davam conta de todo o processo. De cabo a rabo.
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E hoje? Bem... hoje existem os Especialista...
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Gosto da definição do escritor Bernard Shaw sobre esse tipo de profissional: “O especialista é um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e por fim acaba sabendo tudo sobre nada”.
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Reflita sobre esta frase, leia-a de novo. Não é perfeita? Shaw escreveu isso há mais de 100 anos; grande visionário, aquele irlandês!
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Atualmente, tudo o que você for capaz de imaginar funciona assim.
O seu carro quebrou? Bem, você terá que escolher um entre inúmeros especialistas. Alguns delas: o eletricista, o mecânico de motor, o técnico de câmbio, o guru da injeção eletrônica, o mestre em painéis digitais, o perito em ar-condicionado, o sabichão da iluminação e som, etc. Qual vai?
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Problemas com seus dentes? Antes havia o dentista que cuidava dos dentes da gente como um todo, e ponto final. Infelizmente esse saudoso e holístico profissional não existe mais. Mataram o dentista. Em seu lugar surgiram os especialistas e suas especialidades impronunciáveis: o endodontista, o ortodontista, o implantodontista, o odontopediatra, o periodontista, o odontoradiologista...
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E qual o problema com isso? O problema, meu caro, é que ninguém é responsável por mais nada. Salvo exceções, esses magníficos especialistas o jogam de lá para cá, ao sabor do vento de suas incompetências.
Se algo de errado ocorrer com seus dentes, após você ser atendido por três deles, pode apostar que os três fugirão da raia. O responsável será sempre um dos outros, “Aquele incompetente!”. Só lhe resta reclamar com o bispo... Ou seria com o Papa?
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O Sistema é a peste. Uma invenção tenebrosa. Tenho mais medo dele do que de espíritos errantes.
Essa entidade moderna serve tão somente para que os covardes, os ineptos da Nova Era se escondam atrás dela. Pode reparar, qualquer coisa simples que uma empresa não consiga lhe responder é atribuída a problemas no Sistema.
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Alguma coisa não deu certo com a emissão da sua conta telefônica? Você não a recebeu, obviamente não a pagou, e agora terá que arcar com juros que considera injustos? Experimente, pobre e ingênuo cidadão, ligar para a operadora para reclamar. Aposto o polegar da minha mão direita que a mocinha-zumbi do lado de lá da linha, com seus olhos parados, perdidos em alguma distância abstrata, dirá com uma boca que se movimenta mecanicamente: “Lamento senhor, mas o sistema...”. Sim, é claro, querida mocinha-robô... Eu bem que imaginava... o Sistema...
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E quem responde pelo Sistema? Ninguém. Ele é como Deus. Absoluto. Um fim em si mesmo.
E quanto a você? O que fazer agora? Ora, reclame com o... com o... com quem mesmo?
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Cesar Cruz
Fev 2009
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10 comentários:
NEM ME FALE DO SISTEMA!!! EU MESMA JÁ FUI VÍTIMA DESSAS "EVASIVAS" DESCARADAS DAS EMPRESAS MAIS DE MIL VEZES!
BJO - FERNANDA
Gostei Césinha. Verdades inatacáveis estas que captastes.
abraço
Henrique
PERFEITO!!!!
Especialistas????? Nem me fale deles!!!!! Depois te conto a minha saga atrás de "especialistas" num caso de estômago que o meu pai vivenciou há dois anos. Detesto "especialistas"
Saudações do amigo
Marcus
(anda com problemas no sistema? então vê se aparece pra treinar, ô especialista!)
Olá Cesar,
Grande reflexão com um belo toque de humor!
Embora eu seja um dos fanáticos por tecnologia, corroboro sua tese sobre os dois elementos com um só exemplo: todo sistema tem que ser desenvolvido por um especialista (em sistemas).
Com isso, quando culparem o sistema por um grave erro ocorrido, o nome do especialista que o desenvolveu jamais será mencionado, ou seja, ambos ficam intactos, inatingíveis, inabaláveis...
Grande abraço!
Marcelo Lopes
(desenvolvedor sistemas)
Boa, Cruz!!
Vc havia perdido um pouco sua veia de escrutínio do cotidiano, retornou com garbo e elegância.
Baxo
Cesar,
Muito boa a crônica!!
Realmente, hoje em dia existem especialistas para tudo e no final das contas não resolvem nada.
Bjosss
Regina
É isso mesmo, meu caro, você está definitivamente na fase pré-envelhescente. Eu o compreendo perfeitamente, é claro.
Abraço
Gabriel
Esplêndido! abraço, Mauro
Curitiba/ PR
Bom demais o causo.
Cássia
andei lendo seu blog e... adorei!
bjs Valentina
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