O Sol do inverno

Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação. Edição 1140, dia 31 de julho de 2009, sexta.
____________________________
.
Como é gostoso o Sol do inverno! Tão diferente do Sol do verão, que nem parece o mesmo.
.
No verão ele vem agressivo, inclemente, causticante. Para nós, que circulamos por uma metrópole de cimento, como São Paulo, em nossos trajes de trabalho, o Sol é um inimigo desabrido, malvado, que obriga a gente a se esconder sob marquises, toldos, árvores; a aproveitar sombra de postes, resguardar o braço esquerdo na proteção da porta do carro, sob pena de acabar com um tostado e o outro cru...
.
Mesmo quando estamos a salvo dos raios diretos desse Sol perverso, ele nos incomoda e flagela. Eleva a temperatura a limites insuportáveis, faz tremelicar a paisagem, derreter o asfalto, esturricar os crânios, superaquecer o volante do ônibus, o painel do carro... Faz-nos suar a bicas, sentir-nos empapados, melados, grudentos.
.
Nas tardes típicas de verão, o suor abundante que escorre por dentro das roupas empoça e produz aquelas rodelas escuras que nos envergonham. Viramos verdadeiros bacons humanos de tanto suar e secar, suar e secar, suar e sacar. Acabamos o dia defumados!
.
Ah, no inverno o Sol é tão mais maneiro e consciencioso! É uma estação em que o inimigo severo vira amigo afetuoso. E assim o buscamos a todo o instante. Esse novo Sol, aliado, parceiro, nos ajuda a espantar o frio e compensar o vento gélido e cortante que nos surpreende pelas ruas. Que delícia seus raios outonais, que entram pela janela e aquecem o escritório frio, que iluminam suavemente um quarto, que matam os ácaros da noite úmida, que criam locais especiais para os animais domésticos, friorentos, se aconchegarem!
.
Saí de um cliente. Era uma dessas tardes frias. O Sol se insinuava no horizonte projetando incríveis lâminas alaranjadas pela cidade. O relógio do totem, fincado na ilha no centro da avenida, marcava 17h20. Dirigindo em busca da via principal que me tiraria do centro do bairro pouco conhecido, avistei, numa simpática rua de casas antigas, um charmoso e convidativo café. Parei. Não resisto a uma bela casa de cafés.
.
Pedi um capuccino e fui me sentar numa das mesinhas de madeira cobertas por toalhinhas, junto à calçada. O vento, apesar de suave, já incomodava um pouco na sombra, e avisava que a noite seria para edredons robustos. Minha jaqueta já não estava servindo para cortar o frio, mas eu havia escolhido a mesa certa, banhada pelo Sol. Por um instante até fechei os olhos, estiquei as pernas e quase cochilei, acariciado pelo calorzinho reconfortante.
.
Quando me dei conta, a xícara de capuccino já fumegava na minha frente, trazida pela atendente. Um cão de rua, desses sofridos, se ajeitou perto da mesa, compartilhando comigo, democraticamente, a mesma fatia de sol. Olhamo-nos. "Aceita um capuccino? – perguntei-lhe - Hoje eu pago!"
.
A atendente, que agora passava um paninho na mesa ao lado, me olhou com estranheza e voltou ao seu paninho. “Mais uma que não entende o prazer do sol do inverno” – balbuciei, e dei uma piscadela pro meu novo amigo, que, aquiescendo, pareceu me sorrir com os olhos.
.
.
Cesar Cruz
Julho 2009
.
.
* créditos dos parceiros no rodapé do blogue. . . . . . .
.

9 comentários:

Anônimo disse...

Que crônica gostosa! Concordo em tudo, até porque detesto o violento Sol do verão. Não gosto dele nem na praia com uma cerveja na mão, quanto mais na cidade!

Gostei da lembrança do braço queimado. O meu esquero é mais pretinho que o direito a anos e anos! É o famoso bronzeado paulistano! KKKKKK!

abraço forte
Everton

Anônimo disse...

Noooossa! Falou e disse, seu Cesar! Nada mais gostoso do que o solzinho do outono-inverno pra esquentar o corpo gelado da gente!

Bjin pra vc, parabéns pelo blog e pela gostosa coluna no jornal!

Flávia Regina
São Paulo, Vila das Mercês

Anônimo disse...

oi
Cesar, adorei!

beijos
tia Therezinha

Anônimo disse...

Oi Cesar,
Acabei de ler sua crônica e vc não vai acreditar: almoçando fora hoje a primeira coisa que comentei c/ as pessoas q estavam comigo, foi sobre o Outono, mais ou menos em linha com o q vc descreveu na sua crônica. Eu sempre achei o Outono uma estação especial. Acho que as pessoas prestam mais a atenção nessas mesclas de cores que o Outono nos dá. O céu é azul MESMO, a nuvem é BRANCA mesmo, e sol fica LARANJA mesmo, entende? É lindo de morrer! E a noite? sempre achei especial as noites de outono.... pq quase sempre a lua tem um brilho especial nessa estação.
Adorei sua crônica!!!
bjos
Silvia

Anônimo disse...

Olá Cesar

Um tempo atrás andei lendo textos seus, depois os vi pelo jornal - adorei - vc faz o leitor se envolver e se identificar nas situações de suas crônicas. Pode publicar em qualquer veículo de grande porte sem nenhum problema.

bjs
Valentina
Edicon

Anônimo disse...

É verdade Cesar, o outuno é uma deliciosa estação. Nos permite um café bem quentinho ao amanhecer, um sorvetinho no meio do dia e uma gostosa sopa a noite (que gulosa eu rsrsrs).Nem mesmo o ar seco consegue estragar esse clima tão especial.
Outro dia estava comentando com uns amigos que este ano o outono está bem outono, né... friozinho de manhã, calorzinho a tarde e friozinho a noite, sem exageros!
Adorei a cronica e tb a caricatura da Mi no finalzinho da página!

Bjos da amiga,

Sil Galesso

Anônimo disse...

Bom dia, amigo em Literatura Cesar Cruz! Tudo bem!?

Conferi sua escrita, e sem dúvida fiquei feliz em saber que temos mais um parceiro embuido nesta arte que é a de escrever o que adenro nos sai. Gostei da sua linguagem, as palavras que lhe saem são espontâneas. Porém, e enfim, tens um longo caminho a ser percorrido.

Aliás, não teria outro, não fossem os grandes poetas e escritores - mesmo estes que tímidos se aventuram nesta grande arte!

Ademais, a ´´sorte´´ que temos atualmene, são estes´veículos de comunicação (digamos, ´´on line´´) e que encontramos refúgio para externar o que sentimos. O que nos faz entender que não ficamos no anonimato por completo.

Repito que o caminho é longo, as páginas que podemos grafar podem amarelar, mas nunca esse dom que fomos presenteafos pelo SER MAIOR (Deus), como um carma que temos que carregar. É bom, dói, machuca, alegra, seduz, inova, mas temos de cumprir nossa missão.

Uma dica. Sinceramente:
CONTINUE.

Celso Fernandes, jornalista, assessor de imprensa
escritor nas horas vagas (desde os anos 80´s)

Majoli disse...

Que coisa boa te ler.
Eu amo sentir esse sol gostoso do inverno, ele aquece de forma gostosa, parece que invade nosso interior que dá vontade de esquecer do resto e ficar ali só saboreando aquele calorzinho.
Beijos.

José Leite disse...

O sol de inverno é como o amor aos setenta!...