Crônica publicada no Jornal do Cambuci e Aclimação* - Abril de 2010.
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Boa parte das regiões sul e oeste da Capital paulista ficou desabastecida subitamente de água num sábado recente. O desabastecimento durou dias. Até a terça seguinte a água ainda não havia voltado.
Os reservatórios são grandes lá no prédio em que moro, mas, certa noite, ao chegar em casa cansado e suado do trabalho, descobri que apesar de grandes eram finitos, aqueles nossos reservatoriozinhos. Não havia um pingo d’água nas torneiras. Todo mundo desesperado. As crianças chorando, as mulheres reclamando com o síndico. Calor de vinte e oito graus às 19h30. Caos instalado.
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Boa parte das regiões sul e oeste da Capital paulista ficou desabastecida subitamente de água num sábado recente. O desabastecimento durou dias. Até a terça seguinte a água ainda não havia voltado.
Os reservatórios são grandes lá no prédio em que moro, mas, certa noite, ao chegar em casa cansado e suado do trabalho, descobri que apesar de grandes eram finitos, aqueles nossos reservatoriozinhos. Não havia um pingo d’água nas torneiras. Todo mundo desesperado. As crianças chorando, as mulheres reclamando com o síndico. Calor de vinte e oito graus às 19h30. Caos instalado.
Em um certo local do condomínio há um hidrante, um torneirão metálico encimando um grande bocal com rosca ao qual se atarraxa a mangueira de incêndio. Por detrás daquela torneira há uma boa quantidade d’água, que deve permanecer quietinha, guardada ali, para ser usada somente no caso do prédio pegar fogo. Trata-se de um reservatório independente. Incêndio e seca, bem, afinal ambas são calamidades, certo? Peguei meus dois baldes e fui enchê-los no torneirão. Calamidade por calamidade, já havia gente por lá. Uma pequena fila. Pelo menos teríamos água para dar a descarga, tomar um banho de canequinha antes de dormir, poder escovar os dentes.
Enchi meus baldes e fui para casa. Minutos depois tocou minha campainha. Era o Cesar, meu xará e vizinho temporário. Perdeu o irmão há algumas poucas semanas, vitimado por um infarto. Foi passar uns tempos com a mãe lá no prédio.
- Cesar, será que você tem um balde para me emprestar? Estamos sem uma gota d’água lá em casa e sem balde para pegar no hidrante.
O problema é que só tenho dois baldes. Um pequeno e um pouco maior. Já havia enchido ambos. Fiquei olhando pra ele, ali, em pé, na soleira da minha porta. Poderia dar um balde a ele, mas onde poria a água? Eu não tinha recipientes para guardá-la. Poderia fazer a doação completa: balde com água e tudo, mas como nos viraríamos lá em casa com um só balde? Como daria banho na minha filha, como escovaria os dentes na manhã seguinte? Além do mais, nem sabíamos se no próximo dia a Sabesp resolveria o problema. Foi pensando assim, só nos meus, que menti:
- Não tenho, Cesar... Na verdade só tenho um, e estou usando...
- Ah, tudo bem...
- Tchau, então.
- Tchau.
Fechei a porta. Lá se foi o meu xará, que está enfrentando uma dureza danada com a mãe que só chora, sem o irmão, e agora, graças a mim, passaria a noite sem um pingo d’água. Fiquei com remorso assim que fechei a porta, mas me mantive firme no egoísmo, já que agora estava com um pouco de vergonha de voltar atrás.
No dia seguinte a água voltou logo cedo. Acabei não usando nem um balde inteiro dos dois que reservei. Poderia muito bem ter dado um para ele. Sobrou na minha boca o sabor amargo da avareza.
“Achaste mel? come só o que te basta; para que porventura não te fartes dele, e o venhas a vomitar..."
Provérbios 25:16
Provérbios 25:16
Cesar Cruz
Fevereiro 2010
*crédito dos parceiros neste blogue.
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6 comentários:
Cesinha, meu velho amigo, eu sou aquele velho amigo gordão e sujo que vc conhece. Mas sabendo que sou um profissional do idioma, pelo menos ganho uns cobres com isso, sendo professor e tendo dado aula a um fulano que era psiquiatra, durante a aula (fazia parte da dinâmica da aula), argui sobre a legitimidade ou não da mentira, e para meu pasmo absoluto, ele falou que faz parte indispensável da preservação humana. Sem mentira não se vive tanto como com. A mentira leva a gente mais longe do que aquele com pernas curtas. Basta atentar aos políticos.
Cesar....me orgulho de poder ler todos os seus causos.
Sou sua fã
Bjs
Cesão, muito legau esse causo, em hollywood isso seria aqueles filmes assim, "baseado em fatos", mas o bacana é que muitos de nos fariamos a mesma coisa e talvez a grande maioria não teriam nem o pensamento de que poderia ter agido diferente.
Gostaria dde aproveitar o seu causo e fazer uma alerta, voce falou do balde e da agua no balde, e ficamos alguns dias sem ela, nossa vida ja vira um pandemonio sem ela por algumas horas, imagine dias, por isso gente vamos economizar, pois este é um bem MUITO VALIOSO, conseguimos ficar sem luz, sem gasolina, sem comida, mas sem agua........
Fala Cesinha,
Mais um de seus textos que nos fazem parar pra pensar. E nem vou me atrever a dizer que eu teria agido diferente.
Abração e até o churrasco na terça!
Que coisa feia....tsc tsc tsc....
eu nunca deixaria um colega sem balde.
Na manhã seguinte assim que voltasse a água, eu ia correndo emprestar pra ele.
Baxo
Muito boa, meu chapa.
Depois desta não quero ser mas seu amigo. Nossa amizade foi por água abaixo. HA HA HA! E você se diz cristão! Eu, que não tenho religião, graças a Deus!, jamais faria isso. Daria a água para o xará sem pensar uma vez sequer. Assim você não vai para o céu.
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