Reunião de Desempenho


– Senhores, em comparação aos resultados do ano passado, poderemos ver pelos gráficos que, desgraçadamente, nosso desempenho melhorou muito pouco em comparação ao ano anterior, de forma que não atingimos a nossa meta global.

Doutor Eustáquio, presidente da companhia, fez um sinal de cabeça para a Carolina que, orgulhosa, postada junto ao notebook, operava para o chefe a troca de telas da apresentação. Mais um gráfico surgiu projetado atrás dele, colorindo os rostos sonados da equipe sentada ao redor da longa mesa, todos quietos, apreensivos, escondidos uns atrás do outros na escuridão silenciosa e fresca da sala de reuniões.

Além da voz de Eustáquio, os únicos movimentos que se faziam escutar eram os nhéc-nhécs dos giros curtos sobre os eixos das cadeiras, e os tilintares das colheres nas xícaras de café.

– Vejam, senhores, que a região centro-oeste do país, coordenada aqui pelo Olavo...,

Olavo, que cabeceava de tanto sono, se endireitou na cadeira, assustado por ser citado, assim, de surpresa.

– ... teve, e isso é só um exemplo, Olavo, por favor, teve um incremento percentual de apenas dois pontos, o menor de todos os crescimentos, enquanto a média nacional, a soma de todas as nossas regiões, foi de 7% e...

Interrompendo-se repentinamente, o presidente levou às mãos à barriga e espremeu a boca, produzindo estranhos ruídos pela garganta.

– Hum, urght! Oh...!

Os ruídos transformaram-se em gritinhos agudos.

– Ai, ai, ai, ai, aiieê! Aieê!

Todos os presentes se ajeitaram nos assentos e se entreolharam na penumbra, repentinamente despertos pela estranha novidade. Não podiam crer no que estavam presenciando. Pela cabeça de um ou outro, passou que aquilo poderia ser parte de alguma espécie de treinamento, e que logo viria uma lição, uma piada sarcástica sobre a falta de percepção ou coisa que o valha; entretanto, sabiam que isso era improvável vindo do presidente, homem rígido, seriíssimo, pouco dado a inovações modernas desse tipo.

– Ahnnn! Aieê!

Eustáquio continuava a se contorcer e proferir sons diante de todos, e foi franzindo a fronte enquanto se curvava quase a noventa graus, as mãos unidas no baixo ventre.

Então seus estranhos gritinhos viraram uivos alongados, agudos, infantis. Não, definitivamente aquilo não era parte de nenhum treinamento. Algo estranhíssimo e inusitado estava se passando com o presidente da companhia em plena Reunião Anual de Desempenho.

Depois da paralisia provocada pelo susto inicial, agora todos pareciam se mobilizar para fazer alguma coisa. A Conceição, do faturamento, correu acender a luz da sala. Olavo, puxa-saco, se pôs em pé dum salto e enrodilhou os ombros do chefão com os braços, sacudindo-o ligeiramente, a título de calmante, como uma compensação pela falta de números melhores no ano que se findou. Outros tantos bajuladores se prontificaram a acudir, pondo as mãos no homem, apesar de intimamente tomados por um poderoso desejo de escarnecer, comemorar a tragédia do carrasco e o distanciamento dos números. Fosse o que fosse, teriam assunto, divertimento para mais de ano.

Mas o espanto maior estava por vir; e veio quando doutor Eustáquio começou a gritar e chorar, com uma inimaginável voz afinada, aguda, como um menino de 1 ano.

Diante da assembleia embasbacada de colaboradores, o presidente da companhia pedia, aos berros, para fazer cocô.

Os presentes quase saltaram para trás tamanho espanto.

Impossível crer que um homem com a austeridade de Eustáquio, cinquenta e nove anos, metro e oitenta e cinco e cento e vinte quilos de mais pura sisudez, sobriedade e rigor, pudesse estar falando em... Cocô! Seria mesmo isso que ele disse, ouviu-se bem?, era isso o que cada um pensava, e já achando por uma fração de segundo que aquilo poderia ser um sonho, ou estariam diante de uma possessão Poltergeist, ou sei lá o quê.

Dona Lurdinha, da contabilidade, sacara da bolsa um terço e fazia uma reza incompreensível “o nome de Jesus tem poder!”, ela gritava vez ou outra em meio ao muxoxo da prece.

Doutor Eustáquio era agora um imenso menino arroxeado, copioso, pedinte, sozinho em pé na cabeceira da mesa de reuniões, todos distantes dele, quase colados às janelas, sem saber como reagir diante do desconhecido.

– Mamanheeeeeeê!

Sim, aquilo era mesmo realidade, pois agora se ouvia claramente ele chamar pela mãe, e passou pela cabeça da Damaris que tudo aquilo podia ser manha, como fazia seu filho quando era pequeno, mas no instante seguinte Eustáquio silenciou repentinamente, e seu rosto, serenado, lavado de lágrimas, começou a avermelhar, a escurecer, e uma veia grossa surgiu no meio de sua testa e seus olhos se injetaram de sangue, e se pode ouvir um ruído abafado e grave vindo de seus fundilhos presidenciais, e um volume fofo se fez ali, que só a Dirce reparou, e um cheiro forte de fezes invadiu as narinas de todos os presentes, que pareceram senti-lo ao mesmo tempo, e as mãos correram tapar os narizes, repentinamente sufocados, e dois se adiantaram a abrir as janelas para entrar ar da rua, e Eustáquio chorava enlouquecido agora, paralisado, a face congestionada, a cabeça para trás, como um menino abandonado a quem ninguém quer socorrer.

E foi quando estavam todos com as cabeças respirando para fora, dependuradas do nono andar, com um insólito nenê-presidente chorando atrás deles, sem saber mais o que fazer, que a porta da sala de reuniões se escancarou e uma miúda senhora, de metro e meio, carregando no ombro uma desgastada sacola azul de tecido, com um sorridente menininho bordado, avançou na direção do presidente e pôs as mãos em seus ombros.

– Calma, querido; mamãe chegou.

Com os cabelos brancos presos num coque, e a típica agilidade da mãe veterana, dona Isolina (se soube o seu nome depois) afastou com uma braçada o datashow de cima da mesa, e com ele foram os blocos de anotação, o notebook, os copos e as xícaras de café. Puxou decidida Eustáquio pelo braço “Vem queridinho, vem aqui meu amor”, e o deitou ali mesmo, na beirada da longa mesa de reuniões, a mesma mesa que nos últimos anos diretrizes importantes foram firmadas, onde se debruçaram personalidades públicas, prefeitos, vereadores e outros presidentes de multinacionais como seu filho.

Aparentemente mais calmo, mas ainda soluçando, o menino da dona Isolina agora fazia um bico, nenê de bigode, magoado, um dedão de mão peluda metido na boca, que ele ia sugando enquanto seus olhos ingênuos reviravam na direção de todos, criança que espia sem se ater a nada nem ninguém, alheio à razão das coisas; e, postado assim, o presidente foi tendo suas calças abertas por aquelas mãos tão maternas, tão conhecidas que inspiram conforto e confiança, o carinho da mãe; e suas cuecas foram abaixadas, revelando uma inimaginável fralda, que ao ser desatada deu à luz um volume gordo e fétido de fezes moles como maionese. E todos se afastaram com um “oh!”, os lenços nos rostos novamente, mas dona Isolina, impávida e concentrada, sacou o pacote de paninhos umedecidos da sacola azul e pôs-se a limpar tudo, primeiro o excesso; e Carolina, eficiente não só no datashow, trouxe um saco plástico do banheiro para comportar o que ia saindo dali: uma fralda pesada, cheia, lenços sujos, papel higiênico...

Minutos depois, a mãe já havia tirado o grosso e passara a cuidar dos detalhes, as reentrâncias do ânus, e a parte logo abaixo do saco peludo e escuro, um pouco inchado pela idade; dona Isolina limpou bem ali, os olhos atentos, azuis, mãe zelosa, e limpou também o pênis encolhido, todo melecado, esticando-o pela ponta; e Kika, logo ao lado segurava o rolo de papel e reparava nos pêlos pélvicos grisalhos do presidente, que subiam da virilha pelo corpo do pênis. E as pessoas, agora mais habituadas com o absurdo, porque se acostuma com tudo nessa vida, se punham mais solícitas, próximas, na verdade curiosas, algumas sorrindo docemente, como quem assiste a um bebê bonitinho ser trocado pela mãe, ao mesmo tempo não acreditando que estivessem vendo aquilo acontecer; mas agora dona Isolina já punha no seu nenê imensas fraldas, geriátricas, Olavo suspeitou, dado o tamanho, mas antes de fechá-la, seus dedos hábeis já espalhavam uma boa quantidade de pomada anti-assaduras, besuntando tudo, sem economia. E dona Regina, mãe também, mantinha o quadril do presidente levemente elevado, com a ajuda do Clóvis, gerente regional sul, pois era mesmo muito pesado aquele bebê, e o silêncio se fez mais retumbante agora que a mãe dava o capricho final, fechando a fralda, subindo as cuecas, sacudindo os panos de lado para que toda aquela roupa se ajustasse no corpo do filho, e muitas mãos a auxiliaram nessa pesada etapa de encaixar calça no quadril, fechar zíper, botão, cinto de couro legítimo, italiano, Olavo reparou, isso pouco antes do chefe saltar da mesa e se pôr em pé, num repente, assustando a todos, ajeitar o paletó, tracionar o nó da gravata, dar duas tossidas e uma olhada no relógio suíço, o olhar sombrio de presidente agora de volta, e então todos correram para suas cadeiras, quietinhos, como se nada tivesse acontecido, e dona Isolina já havia desaparecido do recinto, deixando tudo pronto para que o filho prosseguisse com a Reunião Anual de Desempenho.

 
Cesar Cruz
Abril 2011
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Um comentário:

Luna Sanchez disse...

Visão dantesca...ahahahahaha

Bom demais isso!

Um beijo.