Uma espécie de gente


Texto publicado no Portal Mundo Mundano e
No Jornal do Cambuci & Aclimação
Abril 2011
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Há gente de toda espécie a solta por aí, ainda que você não acredite.

Há uns que entram em escolas e atiram nas cabeças das crianças inocentes.

E há outros que faturam em cima disso. Alto.

Há também uma espécie de gente capaz de, armada de áudio e vídeo, perguntar como está se sentindo o pai que acabou de perder o filho.

E há outros que movidos por uma sanha sombria jogam as fotografias periciais na Internet.

Há ainda uma espécie de gente que, tomada de monstruoso escárnio, dispara via email essas imagens a uma multidão de pessoas.

Há mesmo gente de toda espécie a solta por aí...

Gente que não percebe que não só os revólveres, mas também os microfones, os telejornais, as revistas e os computadores, podem disparar contra o inocente.

É gente de uma estranha espécie, incapaz de perceber que em algum lugar há uma mãe encolhida, agonizando, semimorta, que está sendo apunhalada repetidas vezes por essas perversas formas de paixão.


Cesar Cruz
Abril 2011

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12 comentários:

Paula: pesponteando disse...

Infelizmente acredito.

Este seu texto é o outro lado da história que ninguém se lembra de cogitar antes do ato cometido. Chega a ser desumano o papel que a mídia, em especial, um certo canal de TV super poderoso.

Vamos rezar para que horror jamais se repita.

bjs

Tais Luso de Carvalho disse...

Realmente, Cesar, as mídias vivem em cima virando e revirando e mostrando o sofrimento dezenas de vezes da mesma mãe, da irmã, do pai em estado de choque. Acho que não precisava tanto: dias e mais dias! Até que poderiam frear um pouco... Mas é notícia!
O sofrimento que esta gente passa não é brincadeira! E pra nós, ver inúmeras vezes, também choca demais.

Beijo
Tais Luso

Unknown disse...

Cesar, talvez seu coração tenha doído tanto quanto o meu... POr ser humano e por ser pai...
Moro em bangu, é bem próximo ao colégio, conheço familiares de algumas vitimas... as vezes as coisas ficam mais evidentes em certos casos do que em outros... neste, foi muito dificil aceitar que anossa dor é a diversão e lucro dos outros...

Forte abraço!

Gabriel Fernandes disse...

Não adianta rezar. Se existe um Deus, já nos virou as costas há muito tempo. Não, minha cara Taís, não é notícia. Constitui o mais desprezível deboche, o mais abjeto escárnio. A repetição desmedida do fato parece que visa, além dos fatores comerciais, a banalização do horror, a anestesia coletiva à dor dos outros. Sinto a mais profunda vergonha de pertencer à espécie humana. Sinto-me impotente. Sinto-me sujo.
Parabéns, meu amigo.

Anônimo disse...

Cesar, este seu texto, sucinto, e mais uma vez, extraordinário, decorre vários pontos, sem querer tocar em todos vamos lá:

- como sabe, mudei de ramo de atividade, a dois anos e meio onde estou agora (comércio, o que nunca havia feito antes) percebemos o quanto as pessoas são extremamente egoístas, o que imaginarem multipliquem por pelo menos 10, pelo menos. Disso resulta que, próximo de 90% de nossas ações é baseado nele, o egoísmo, exemplo: muita notícia a respeito de tal fato, maior chance de audiência e melhores contratos comerciais de propaganda.
Outra coisa, em todo fato deste tipo, a uma certa hipocrisia, de todos nós, nos comovemos, choramos, oramos, sensibilizamos, analisamos se estamos realmente fazendo nossa parte etc. Ótimo, assim deve ser... mas... porque só nestes acontecimentos? quantas crianças são massacradas por dia nos Iraques da vida? Vc esta rezando por elas? Quantas violentadas no silêncio dos seus próprios lares, Vc esta rezando por elas? Quantos seres humanos sendo humilhados minuto a minuto, Vc esta orando por eles? ... ... ... Pois bem, vamos repensar tudo isso.
Desta vez discordo um pouco do Gabriel, embora respeitando seu louvável comentário. Apesar de tudo existem seres humanos maravilhosos, como Ele próprio (Gabriel), Você César e todos que se lhe assemelham, porque a lei da afinidade só rege o Universo e partindo do ponto em que não mais acreditarmos no ser humano, apesar de tudo, então que caminho tomar?

abraços - xara
ipiranga - sp-sp

Mariana Marchioni disse...

Triste, né?

Os jornalistas são uns abutres!

Mariana Marchioni
(jornalista também)

Henrique Lanes disse...

Henrique Lanes disse...
Que a imprensa é fria e interesseira e só vê o lucro, isso já se sabe desde sempre.

O que me choca e que ninguém acima mencionou, é o horror de gente que não ganha nada com isso, mas que se dedica a mandar na internet fotos dessas crianças mortas. O César tem razão: ninguem pensa na mãe que sobrou, no pai que sobrou, nesses familiares que estão agonizando.

Recebi também as fotos e não abri. Joguei fora. Não gostaria se fosse meu filho. Não quero ver o filho de ninguém morto. Acho que todos deveriam fazer o mesmo. e não deixar de passar um pito em quem envia essas coisas. Deve ser gente que não tem mãe.

abçao
HR

Pedro Luso de Carvalho disse...

Concordo com você Cesar, estamos mesmo carentes de um comportamento Moral por parte dos meios de comunicação em nosso país, que, para vender revista, jornal, granjear um número maior de telespectadores e ouvintes de rádio, não se importam com o sentimento das pessoas que perdem filhos, marido, esposa, parentes, apenas se interessam em divulgar tudo o que lhes chega como verdade, mesmo que esta seja falsa verdade; a eles interessa a pesquisa, que ali adiante trará novos anunciantes e reforçará os laços já tidos com a indústria e comércio.

Essa é, infelizmente, a realidade não apenas do Brasil, mas de todos os países capitalistas, que têem como meta inarredável o lucro.

Grande abraço,
Pedro.

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, Gabriel, quando escrevi 'MAS É NOTÍCIA', foi com um certo 'sarcasmo', aquele bem ferino! Você não notou.

Tais Luso

Gabriel Fernandes disse...

Certo, Tais. Infelizmente é assim.
Pedro. Por outro lado, nos países não capitalistas, que têm obrigatoriamente como corolário o fato de não constituírem democracias, o que move a notícia não são fatores econômicos, mas estratégias de dominação engendradas pelo tirano de plantão. Apedrejamentos, enforcamentos, fuzilamentos, prisões e assassinatos em massa são amplamente divulgados e utilizados como instrumento de intimidação.
Abraços

Celêdian Assis disse...

Olá Cesar,

Pela primeira vez aqui em seu espaço e me deparo com um excelente texto, mostrando com clareza que mesmo através da dor que sucita tragédias deste porte, é possível identificar oportunismos e oportunistas de plantão. Além é claro da mídia que explora exaustivamente o sensacionalismo dos fatos. Há sim muitos problemas por trás de uma atitude facínora, de várias ordens, causas psicosociais, motivos de fanatismos, religiosos, políticos ou até de fôro íntimo, mas está intrínseco em cada um deles o desvelo, o descaso do estado para com a pessoa e as instituições. Falta condições de saúde para tratar um maníaco, falta educação para fazê-lo discernir entre o ético e o amoral, falta segurança para garantir-lhes direitos, faltam instrumentos de motivação para a manutenção da instituição família, enfim falta-nos tudo que é fundamental para uma vida sadia em sociedade. Por conta de toda a carência desses valores, as pessoas desviam-se de seus reais valores e assumem condutas duvidosas, tais como essas que citou em seu texto, tornando-as espécies de gente diferente, infelizmente, gente que envergonha a espécie humana.

Seu texto nos leva à reflexões, o que nos torna de alguma forma, cidadãos responsáveis pelos caminhos da nossa sociedade. Um abraço,
Celêdian

Sueli Gallacci disse...

Cezar,

Primeiramente quero agradecê-lo imensamente pelo seu comentário tão gentil lá no Patchwork!... Acho que não mereço tanto... rsrs

Quanto a sua postagem, brilhante! Concordo plenamente.

Se pelo menos as autoridades fizessem algo a respeito com todo esse auê em torno do caso, seria válido. Pelo menos poderíamos dizer que valeu a mídia ter explorado a desgraça até a última gota!
Mas vai cair no esquecimento apesar de toda essa quizumba, como tudo nesse país. Até a próxima tragédia.

Mas fazer o que, perguntariam alguns, o cara é louco de pedra, fanático e o escambau!... Não tem como segurar um desequilibrado desses...

Mas tem como prevenir o próximo: mais segurança nas escolas, acabar com o comércio ilegal de armas, leis mais rígidas, menos roubalheiras, enfim, tem muitas coisas que podem ser feitas de agora em diante.

Mas será que depois que a mídia parar de esmiuçar o caso as autoridades ainda vão se lembrar dele?... Acho que não.
Somente os pais daquelas crianças nunca se esquecerão.

Um grande abraço, parabéns pela postagem.