Publicado no Jornal do Cambuci
Maio 2012
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Depois de 7 anos escrevendo, concluí: o leitor não existe. Somos nós, os escritores, que inventamos o leitor.
É como aquele cheiro de bife que a gente sente no hall do apartamento, e que nos deixa de água na boca, e quando abrimos a porta de casa, salivando, ele se evapora. É assim também o leitor: volátil e etéreo.
Como um caçador de unicórnios, fui nos últimos anos um brutal caçador desse mitológico ser. Apanhei alguns desprevenidos, que considerei serem da espécie, e levei-os lá pra casa. Durante dias torturei-os, obrigando-os a ler meus contos, com a ponta de uma faca incandescente ameaçando cauterizar seus olhos. De um deles retirei as unhas, uma a uma, com um alicate de corte. Com outra, amordaçada e acorrentada num canto da despensa, apaguei fósforos na face e apertei os seios num torno até virarem gelatina de sagu, depois arranquei e encolhi sua cabeça usando uma técnica aborígene.
Como os que ficaram vivos poderiam me reconhecer diante de um júri popular, fui obrigado a esquartejar e queimar os corpos, depois de arrancar os dentes e as pontas dos dedos para dificultar a perícia.
Hoje, concluo que tudo isso foi uma grande perda de tempo. Não eram leitores, já que nenhum deles foi capaz de terminar de ler um só conto meu, em voz alta, e responder às perguntas que eu costumo formular. Quais os nomes e motivações dos personagens, suas características psicológicas, que tipo de infância teriam tido etc.
É como meu pai me ensinou: não ler faz um mal enorme pra vida das pessoas...
É como meu pai me ensinou: não ler faz um mal enorme pra vida das pessoas...
Hoje, sabendo que o leitor não existe, parei de tentar caçá-los, e sou feliz comigo mesmo, sendo o meu único e verdadeiro leitor.
E se você, que acredita que o leitor existe, por acaso quiser conversar comigo, que passe em casa para um café, então nos sentaremos para um papinho, ali no canto da despensa.
Cesar Cruz
Abril 2012
6 comentários:
É, meu amigo! Os leitores são mesmo seres mitológicos. E depois daquele nosso papo sobre essas criaturas, me rendi definitivamente à tese de que poesia ninguém mais lê! Será que alguém já leu um dia?? Abraços, Edu.
Olha Cesar, para eu me considerar um leitor, teria, de bom senso, a analisar o que vem a ser um leitor de maneira mais profunda, porém, em meu currículo não consta menos de 600 livros lidos, fora revistas, artigos, Internet etc e etc's, e isso não quer dizer nada, pois teríamos por simples "obrigação pessoal", lermos bem mais. Seu Pai foi um Filósofo e um Visionário quando disse isso, concordo em 100% com Ele, mas voltaremos a boa, velha e infeliz temática, se ligo a TV e lá consta bundas, seios e aeróbicas sem fim, pra que vou querer ler? Ler, denota um certo esforço mental, mesmo que mínimo, para um povo que valoriza somente ganhar, o ter é muito mais importante que o ser, então... já viu né? Ah! Conferimos também o conto da barata, muito bom.
abraços a tds
xara - ipiranga - sp-sp
César, acaso existirá a literatura? Ou melhor, será que dela precisamos para cumprir a faina? Lembro Drummond:
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Vagner
Passar em sua casa...não...quero continuar viva p coninuar lendo...
Estou hoje, neste dia do livro pensando no que você escreveu. Voc~e sempre traz uma verdade oculta-evidente.
Vou mandar este texto para uma amiga que cordena uma especialização em leitura...
Apareci p buscar um texto seu p mostrar para uma amiga...
bjs
Existe sim. Ele está lá fora. Quieto. Sádico e se divertindo horrores com a nossa cara. Um dia. Um dia a gente vira o jogo e pega ele se deliciando com os textos num quarto escuro e silencioso.
quando faço leitor, faço leitor; quando faço ovinos faço ovinos: béééééh...bééééééhhhhh....
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