Não Joga no Lixo!




Não joga no lixo que meu pai faz reciclagem!

Minha filha Michele, há alguns meses, ainda com 4 anos, saiu com essa pra cima da coitada de uma tia, que envergonhada interrompeu no ar a mão que ia largar no lixo uma garrafa PET de refrigerante.

Esses dias estávamos, a Martha e eu, falando a respeito de reciclagem. Ela que, solitária, separa o lixo de casa debaixo do desinteresse do filho adolescente e sob o olhar de esguelha do marido, meu amigo Vagner, que garante que “separar lixo pra reciclagem é dar dinheiro pra capitalista”.

A verdade é que ninguém gosta de mexer com lixo, nem mesmo falar dele. Lixo a gente quer é bem longe! De preferência fechado num saco duplo  pra não pingar chorume no chão da cozinha , e que o caminhão passe logo e leve aqueles monstros pretos e azuis da frente da nossa casa para o raio que os parta  que preferimos nem saber onde fica.

Pra gente é assim.

Acontece que lixão só é charmoso em novela da Globo. Os aterros sanitários a céu aberto estão à beira de um colapso; são áreas imensas, inutilizadas para a ocupação humana, e que assim ficarão por muitos anos, graças à contaminação de seus solos.

O volume de lixo produzido só na capital paulista cresce cinco vezes mais rápido do que a população. Além da escassez de recursos naturais, urge a necessidade de reaproveitamento de materiais para atender à demanda dessa gente bronzeada, que não para de mostrar seu valor e de se reproduzir: 7 bilhões na última contagem. A coleta seletiva e a reciclagem, se não resolvem todo o problema, por enquanto são a melhor solução que temos.

Comecei a separar o lixo de casa em 1994, o que faz de mim o mais antigo reciclador que conheço. Tudo começou quando fui convidado a assistir a uma palestra e fiquei assustado ao ver surgir na tela uma montagem que punha lado a lado um prédio de cinco andares e uma pilha de lixo da mesma altura, de sei lá quantas mil toneladas. Era a representação do que a cidade de São Paulo, na época, gerava de lixo doméstico em um único dia.

Naquela mesma semana separei num saco meus primeiros recicláveis, e não parei mais. Nesses 18 anos, muita gente aderiu à causa por influência minha. Separar o lixo lá em casa é tão natural que me assusto quando flagro, na casa dos outros, a pessoa misturando papel limpo, uma caixa de leite vazia ou um pote de vidro a restos de comida. Custa passar uma água, deixar escorrendo num canto e depois colocar num saco à parte?

De certa forma custa sim. Eu entendo isso. Quando não se tem certo hábito, passar a tê-lo pede pequenas mudanças na nossa rotina, e só de pensar (tanta coisa que temos pra fazer!) nos dá uma preguiça danada. Mas é mesmo uma mera questão de costume. Para mim hoje é justamente o contrário: me dá uma preguiça enorme imaginar ter que enfiar todas aquelas coisas sólidas e pontudas, que costumo reciclar, dentro do delicado saco de lixo em meio a cascas de frutas, cotonetes e afins.

O Vagner, em certa medida, tem razão de pensar daquele jeito. Afinal, estamos cheios de ver os capitalistas transformarem toda e qualquer boa iniciativa social em dinheiro para encher seus próprios bolsos. Mas ao longo desses 18 anos, descobri que a maioria esmagadora das cooperativas de catadores e recicladores reverte 100% de seus lucros às famílias dos cooperados. Para o capitalista que apoia a iniciativa, sobra só a vantagem de associar sua marca a uma boa causa. O que não é pouco.

E amanhã, amigo, quando você for enfiar no meio do macarrão aquela revista da semana passada, certifique-se que a Michele não está por perto pra te repreender:

– Não joga no lixo que meu pai faz reciclagem!


Cesar Cruz
Out 2012




8 comentários:

Heitor Torres - Cambuci disse...

Bom dia, meu caro amigo Cesar!

Uma crônica com uma bela aula de cidadania! Mas, por favor, não se esqueça de agradecer à sua linda filhota com um gostoso beijo a ideia que ela deu.

Creio que a ideia da separação e aproveitamento de parte do lixo, ( não me recordo que o termo reciclagem fosse usado), começou a tomar impulso na década de 70, na cidade de Curitiba.
Seu prefeito na época, o arquiteto Jaime Lerner, inovou a cidade implantando também os calçadões e os corredores para ônibus ( lá deu certo), expressos inclusive.
Essas ideias foram então "exportadas" aos poucos para todo o Brasil. De início notei algumas cidades de Santa Catarina tocando alguns projetos com referência ao lixo, para frente. Cultura europeia!
Tendo esse exemplo, comecei sair com meus jornais e revistas já lidos, no carro e quando via algum carroceiro (pouquíssimos na época) de ferro velho perguntava se havia interesse.
Talvez sejamos os precursores desta atividade aqui em Sampa.
Um grande e forte abraço

Heitor

Anônimo disse...

Parabéns pra Michele!!

Abços
Fernando

Anônimo disse...

Reciclar é tudo.
Já estamos em atraso com esta questão ha décadas. Meu sonho sempre foi ter duas coisas em comércio, uma bomboniere ou comércio de reciclagem (ferro velho, jornais, papelão, latinhas etc). Mas, de certa forma ainda faço uma coisa que gosto muito que, como sabe, tenho um brechó, que de alguma maneira também é reciclagem e da qual tenho grande orgulho em participar. Meu filho também desde pequeno o oriento, certa vez meu primo em casa lavando as mãos com a torneira um tanto quanto desnecessariamente aberta ele comenta: fecha um pouco a torneira porque a água do mundo esta acabando... Como Você mesmo disse, tudo é uma questão de orientação e posterior adoção do hábito.

abraços a todos
xara - ipiranga - sp-sp

MARILENE disse...

Encontrei uma bela crônica sua no blog da Taís e chegar aqui dependeu de um único passo.
Já estou tão acostumada a separar o lixo que o faço automaticamente. Confesso que me surpreendeu, ao contratar uma nova faxineira, vê-la misturar tudo. Quando expliquei que não poderia agir assim, afirmou que nas outras casas onde trabalha, ninguém o faz.
Mas já aprendeu (rss).
Abraços

Luís Fellipe Alves disse...

Olá, Cesar

Gostaria de parabenizá-lo não só pela qualidade dos escritos, mas também pelo tema abordado.
Não é que as pessoas querem mesmo se livrar dos sacos pretos e azuis o mais rápido possível? Tenho uma vizinha assim! Numa conversa que ela estava tendo com a minha mãe, num certo dia em que o caminhão parecia atrasado para fazer a coleta dos sacos, peguei ela falando algo do tipo "agora fica essa coisa fedida aí na lixeira, me dá uma aflição ver esse lixo 'escorrendo e pingando' aí na minha calçada!"
O lixo parece tão alheio, não? Só que nada mais é do que o resto diário daquilo que ela mesma produziu. Difícil entender...

Bela atitude a sua de separar o lixo. Mais um parabéns.

Um abraço!

Valéria disse...

Oi Cesar!
Vim lá da Taís conhecer o seu blog e aqui vejo que a Michele além de muito amada é muito inteligente sabe se posicionar no mundo em defesa do que é correto. Separar o lixo não é fácil, mas nem tudo na vida vem mastigadinho.rsss
Abraço!

Suzane Weck disse...

Parabéns pelo excelente texto.Muito bom teu blog.Meu grande abraço,

jaime aus giruá disse...

Bela e oportuna crônica, meu caro.
Realmente, o que seria de nós e o meio em que vivemos se não fosse essa louvável e simples atitude de separar o lixo seco do orgânico!
E parabéns à Michele!