Uma Borracharia Séria



Dia desses o pneu do meu carro furou em plena Avenida Radial Leste, ao meio-dia. Debaixo desse sol de 40 graus que anda fazendo aqui em São Paulo, você faz ideia do sufoco que eu passei, agachado ao lado do carro na pista central, com os caminhões bufando quente, rente às minhas costas. De calça, camisa e sapato, troquei sozinho o pneu, já que nenhum gentil cavalheiro pareceu ter interesse em me ajudar... Mundo injusto.

Só de vingança, fiquei rodando uns bons 10 dias com o estepe e o pneu furado no porta-malas. Hoje cedo, finalmente, encostei numa borracharia.

Dizem que há coisas que só o Brasil tem, entre elas o escritório de despachante e as Casas Pernambucanas. E a borracharia, é claro. A borracharia é que nem a caipirinha, uma instituição nacional! Você é capaz de imaginar uma borracharia na Holanda, com uns borracheiros holandeses, vestindo aquele macacão cinza? Esquece. Borracharia é coisa brasilis!

Daí foi só parar o carro junto ao meio fio e o borracheiro, calado como todo o bom borracheiro, já foi vendo qual era o pneu furado, erguendo meu carro naquele macaco que todo mundo conhece, girando a chave estrela pra soltar as porcas, abrindo o porta-malas e tirando o furado, tudo isso com um cigarrinho equilibrado no beiço.

Quando dei conta eu já estava dentro da borracharia vendo o cara arrancar, na base da marretada, o meu pobre pneu da roda de ferro. Cuidando pra não encostar em nada, fui vendo as coisas... Atrás de mim, uma pilha de pneus meia-vida e umas calotas penduradas nas paredes encardidas; ali o compressor de ar, mais pra cá uma cadeira de plástico (que um dia foi branca) com uns jornais desmantelados em cima, uma pia minúsculas e imunda, com um pote de pasta desengraxante com cheiro de querosene ao lado da torneira e, é claro, a clássica banheira de borracharia no canto, aquele modelo retrô que só Deus sabe onde os caras acham pra comprar. Mas, pera lá... Um item importante estava faltando!

– Ô, amigo, cadê as mulheres? – perguntei.

– Que mulheres? – ele devolveu, já repondo o pneu consertado no devido lugar.

– Ora, as mulheres peladas!

– Ah, aqui num pode não, que o seu Isaac é crente.

– Que absurdo! Me chame o seu Isaac que eu quero tirar satisfações!

– Foi no banco...


Apesar de contrariado, paguei; mas saí desconfiado de que o pneu pudesse não ter ficado bem consertado. Afinal, uma borracharia que não tenha o serviço fiscalizado por Monique Evans, Magda Cotrofe, Maria Zilda, Luiza Brunet e, quem sabe, pelos olhos penetrantes de uma Lúcia Veríssimo, definitivamente não pode ser uma borracharia séria.


Cesar Cruz
Fev 2014




4 comentários:

Andre Whitaker disse...

Rapaz! Isaac é nome de judeu, não de crente! Mas tudo bem... agora, essas beldades que você mencionou já denotam seus cabelos (se há) branquiiiinhos! Hahahahaha

Andre Whitaker disse...

Rapaz! Isaac é nome de judeu, não de crente! Mas tudo bem... agora, essas beldades que você mencionou já denotam seus cabelos (se há) branquiiiinhos! Hahahahaha

Unknown disse...

De fato, a clássica banheira com borra sabe-se lá com que qualidade química tem que ter em todas, mas, uma coisa não entendi, como se troca pneus na Holanda então.

Unknown disse...

Cesar, o comentário "acima": "De fato..." é meu, na ocasião pensei que ele tivesse sido enviado com meu login do google, mas não foi.

até - xara