Conto publicado no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição 1141 - Agosto 2009.
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Conto publicado na Gazeta do Ipiranga*
Edição 2603 - Agosto de 2009.
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Acordou às 6 horas como de costume. Abriu os olhos e fitou o teto. Achou que algo estava estranho com sua visão, como se estivesse enxergando apenas por uma vista. Talvez fosse mais um efeito da desilusão.
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Piscou algumas vezes, mas nada mudou. Levou a mão ao rosto e foi então que percebeu. No lugar onde deveria estar seu olho esquerdo havia apenas uma cavidade. Correu para o banheiro, coração aos saltos. Acendeu a luz e olhou-se no espelho. Não acreditou no que viu. Faltava-lhe um olho. No lugar do olho havia um buraco escuro. Teve arrepios. Estremeceu de horror. Moveu a pálpebra que desceu sobre o vão oco como uma cortina amarrotada, frouxa. Só então gritou, apavorado. Mas o berro não o acordou como ele pensou que fosse acontecer. Não era um pesadelo, era um fato; seu olho desaparecera. Apoiou as mãos na bancada, curvou a cabeça e chorou. As lágrimas saiam pela vista que lhe restara e pingavam no mármore da pia.
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Enfim acalmou-se. Depois se banhou e tomou café sem apetite. Vestiu-se. Saiu para o trabalho usando óculos escuros, apesar do dia nublado. Explicaria a todos que era uma conjuntivite. Isso caso reparassem, o que era improvável. Depois marcaria com um especialista em olhos.
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No fim da manhã, enquanto redigia um relatório, sentiu uma violenta ardência num dos pés. Foi ao banheiro mancando, sentou na privada, descalçou o sapato, puxou a meia pela ponta e foi então que viu. No lugar dos dedos do pé havia apenas tocos curtos e ossudos. Seu coração pulou. Sumiram-lhe os dedos! Largou tudo como estava, pegou apenas a carteira e saiu sem avisar ninguém. Entrou num táxi e foi pra casa.
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No meio do trajeto sentiu um estampido seco num dos ouvidos que lhe obstruiu a audição. Os óculos cairam. Pôs a mão na orelha e não a achou. Olhou-se no espelho retrovisor do táxi e só então compreendeu. Sua orelha havia desaparecido! Tomado de terror, levantou as golas do paletó e solicitou ao chofer que estacionasse imediatamente. Vagou pela rua desacorçoado.
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O céu ficou negro como a noite. O tempo fechado trouxe chuva forte, trovoadas. Era hora do almoço. Ele caminhava à deriva pela calçada sob a tempestade, por entre os transeuntes apressados e desinteressados. Subitamente sentiu pesar um ombro. Foi quando percebeu que a manga esquerda do paletó estava caída ao lado do corpo, vazia, murcha. Seu braço extinguira-se. Perdera um braço inteiro!
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Com muito custo conseguiu chegar em casa, atabalhoado, ensopado, abatido. Entrou. Fechou a porta atrás de si com o braço que lhe restava. Cheio de autocomiseração, coxeou até o sofá e mergulhou de barriga afundando a face já sem nariz numa almofada. Despedaçado, chorou e soluçou. No trajeto até em casa havia perdido um pé, o nariz e os dentes. Em meio ao choro convulsivo, nem percebeu quando sua perna direita desapareceu totalmente, em um sonoro plopt!. Prostrado assim, adormeceu.
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Sonhou que acordava em pânico pela manhã. Havia sido acometido por um terrível pesadelo, no qual era gradualmente desapropriado de seu corpo, como se suas partes estivessem sendo abduzidas uma a uma...
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Então alegrou-se. Fora um sonho! Abriu a janela e havia sol forte esquentando o dia. Foi ao espelho do banheiro e fitou seu rosto corado, completo. Em seguida apalpou o corpo todo, de cima abaixo. Riu alto e satisfeito, jogando a cabeça para trás.
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Acordou, de repente. Escuridão absoluta.
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Estava de volta ao pesadelo, ou a vida real; não sabia mais. Procurou mover o braço para apalpar o olho que achava que ainda lhe restava, mas não havia mais braço para fazê-lo. Tentou gritar por socorro, mas não saiu som, pois já não havia mais boca.
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Rolou do sofá na escuridão e caiu de costas no chão em um baque seco. Lutou, balançou-se e conseguiu virar de bruços. Arrastou-se sem rumo pela sala como uma rã, auxiliado pelo membro que lhe restara. Um novo plopt! fez sumir sua perna esquerda, a última alavanca de que dispunha. Agora ele era apenas dorso e cabeça. Tentou tracionar o chão com o queixo para avançar. Mais um plopt! e seu tronco desapareceu.
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Então ficou ali, no chão da sala. A bochecha colada ao carpete. As duas cavidades occipitais assustadas e vazias fitando o pé da mesa à sua frente.
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A tempestade lá fora acalmara consideravelmente. Garoava de leve agora. Fazia frio e ventava.
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Ele ainda pode ouvir, através da orelha que lhe sobrara, as gotas da chuva chocando-se contra a janela.
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Cesar Cruz
Agosto/ 08
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*crédito dos parceiros no rodapé do blogue.
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8 comentários:
HA HA HA! O Homem Suprimido. Muito louco. Realmente me fez lembrar, desde o começo "A Metamorfose". Pensei que o cara fosse se transformar num girino, mergulhar num bueiro qualquer e emergir num esgoto dum sanatório em Viena para fazer companhia à barata do maluco do Kafka. HE HE HE!
Abraço
Gabriel
11.8.08
Gostei da parte: "Despedaçado, chorou e soluçou..."! Despedaçado literalmente!rsrs
Abraços,
Waldemar
11.8.08
César, tem certeza que essa onda de escrever tá te fazendo bem ?!?!?!
Vc tá começando a me assustar...
KKKKK
Baxo
11.8.08
George Saguia disse...
Now we're talking !
Isso sim é realismo fantástico... Cortazar que se cuide !
braço
G
11.8.08
Achei surpreendente, acho que o Vagner te influenciou emprestando o livro do Cortazar. A comparação com Kafta também cabe. Mas é apenas inspiração, pois o Cesar tem estilo próprio. Parabéns!!!
Beijos,Martha
12.8.08
Porra malandro! me deu até um frio na espinha!
abz, Marcelo
12.8.08
Forte esse. Um murro!
Valeu, Aldair SP
Gostei muito do conto. Eu também gosto de trabalhar nessa linha. Tempos atrás escrevi um conto chamado "Fábulas dos Quadrinhos", a história de um leitor fanático pelo homem-aranha. Queria se transformar no herói e acabou se transformando numa aranha. Naquela época eu ainda não tinha lido a metamorfose de Kafka. Seu conto me lembrou a angústia do protagonista da famosa novela (ou conto) do judeu-thceco.
Abraço tarantular,
J L Rocha do Nascimento
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