Um grito entalado

Como pode um pai pegar sua filha de 5 aninhos e jogá-la pela janela do apartamento, no escuro da noite, com o intuito de fazê-la estourar no chão? Como?! Como um ser humano consegue fazer isso, meu Deus! Pense você nisso só por um instante. Mas não pense superficialmente, como você costuma pensar nesse tipo de coisa. Imagine-se fazendo isso com suas próprias mãos. Tente se colocar no lugar desse pai, bem no instante em que tomou a decisão. Então agora você não é mais você, você é ele; e está lá naquele quarto, naquela hora fatídica.
Como previamente fora combinado, e com sua total conivência, sua mulher, a madrasta da sua filhinha, aperta o pescocinho dela fazendo-a chorar, implorar, arroxear e, em meio a engasgos mortais, chamar "papai, papai!".
Em seguida você corta a tela de nylon que bloqueia o perigoso vão da janela do quarto abrindo assim um perigoso caminho para a escuridão. Agora você pega aquele pequeno anjo recém-esganado em seus braços fortes de adulto, leva-a até o vão da tela (que paradoxalmente um dia você mandou instalar ali justamente para protegê-la) e a segura para o lado de fora.
Agora ela está no frio, mas ainda assim amparada. Ela sempre dependeu de você que é o adulto que a sustenta, o papai que ensina as coisas a ela e a protege. Só que ao invés de continuar a protegê-la e educá-la, de repente você está com ela ali, absurdamente pensa no abismo.
Você é forte e sadio, e está em pleno domínio de suas faculdades mentais (tanto que usando duas ferramentas diferentes, cortou a teimosa tela que por alguns instantes parecia querer impedir-lhe de tomar sua já certa decisão). Está lá, firmão, com os pés no quentinho do carpete macio. Lá embaixo só há o escuro. Um carro passa ao longe e um cachorro late. O ventinho da noite refresca seus braços cabeludos. A brisa a esta hora da noite é sempre deliciosa. Você está vivo, e viver é bom! Você ainda a olha e vê aquela carinha lisa, desmaiada em seus braços.
Toda a criança pequena tem aquela espetacular pele de pêssego, lisa, que Deus dá só a elas e anos depois tira.
Então o chão distante te chama a atenção. Ao olhar você sente um arrepio de vertigem pela altura. Por um segundo imagina-se caindo e isso lhe dá um frio na barriga só de pensar. Todas estas sensações e percepções lhe assaltam em uma fração de instante, e enfim, sem titubear, você abre os braços e a abandona à própria sorte no vazio. Solta-a covardemente na noite. Você fez isso! Soltou sua pequena menina e agora fica olhando-a cair curvada como se estivesse dormindo em uma rede, os bracinhos e os cabelos sujeitos ao vento. Não há mais volta. Não lhe ocorre um "nunca mais".
Você olha até vê-la espatifar lá embaixo, em um baque surdo, no cimento, bem ao lado do gramado em que ela costumava andar de bicicleta nos dias de sol.
Sua filha linda, que o chamava de papai há poucos minutos e sorria um sorriso branquinho cheio de dentes de leite só para você, agora está retorcida, moída no passeio do edifício.
Você fez o que eu sugeri, imaginou-se no lugar desse cara, fazendo esta barbaridade?, ou desistiu antes? É duro, eu sei, chega a doer a carne da gente. Nosso coração se rasga numa dor cheia de fragilidade e impotência. Preferimos fugir de pensar nessas coisas, melhor é trabalhar e esquecer isso. Pedimos para que troquem o canal: por favor, tire logo daí! Por favor, não me faça ouvir isso mais uma vez! Ufa, é melhor assim.
E desta forma deixamos coisas deste tipo distantes de nós, como se fossem só manchetes surreais vindas de um inferno que não tem nada a ver com a nossa vidinha blindada.
Há muito tempo viveu um homem bom que andava pelas cidades fazendo o bem. Este homem dizia palavras alentadoras aos desesperançados, matava a fome e a sede dos miseráveis, curava as doenças dos afligidos e desvalidos. Um dia pegaram este homem e, por motivo torpe, pregaram-no vivo a uma cruz. Ficaram lá de baixo rindo e cuspindo no homem bom, esperando que ele morresse.
Eram homens covardes e vis como este pai, que junto com a mulher, tramou o assassinato covarde da indefesa e ingênua Isabella de 5 anos. A crueldade e a covardia é ainda mais terrível quando é com uma criança, e mais absurda ainda quando é contra um filho.
Absurdo dos absurdos, maldade das maldades! É o incomensurável, o desmedido disparate levado ao extremo dos extremos!
Eu fiz o tenebroso exercício que propus acima. Fiz. Nem consigo acreditar!
Gente, fiquei torcendo a semana toda para que isso tivesse sido... sei lá, um acidente qualquer... Mas agora está claro como a água, o cara fez mesmo aquilo! Jesus, ele fez!! Como pôde!? Como, como, como!? Será que há algo neste mundo mais inofensivo do que uma garotinha de 5 anos?
Fico vendo as fotos da menina com seu sorriso lindo e aquele cabelo lisinho e penso: não é possível que o cara tenha feito isso! Ainda mais um pai! Como um sujeito chega do supermercado, pega sua menininha de pele de pêssego e olhos de avelã e deliberadamente a larga pela janela para espatifar no concreto duro de uma noite escura? Deus, não pode ser verdade!
Eu queria ela pra mim! De verdade, eu queria, juro! Queria chegar a tempo na porta daquele quarto para poder ao menos gritar: "Cara, pára-pára-pára! não faça isso, pelo-amor-de-Deus! Dê a menina pra mim que eu cuido! Eu desapareço com ela e você nunca mais a verá, mas não solte-a pelo-amor-de-Deus! Você não a quer mais, mas eu quero!! Eu quero!, eu a quero pra mim!"
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Cesar Cruz
Abril/ 08
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4 comentários:

Anônimo disse...

Tira este post. Ainda está cru demais. O lance do homem na cruz está totalmente fora de contexto. Não faz nenhum sentido. Aliás, o lance todo ainda não está esclarecido. Quando estiver, elabore melhor, não faça referência direta, que pode lhe causar problemas, e não faça paralelos, porque não existem, pelo menos da maneira que você os colocou. É minha opinião.
André
21.4.08

Anônimo disse...

Cezinha,

Percebi que antes de ler "Um grito entalado", eu estava vendo o caso com aqueles olhos acostumados com esse tipo de barbaridade. Você me fez entrar no lugar desse maluco e me fez sentir todo o horror. Mérito seu, demérito dessas mentes doentias que são capazes de coisas assim.
bjs, Yeah
23.4.08

Anônimo disse...

Pombas, meu, que porrada!
Não vou comentar o estilo, apenas o efeito. O final foi emocionante. Toca profundamente. Eu também a quero para mim.
Grande abraço, Gabriel

Anônimo disse...

Quem leu a Veja desta semana e acompanhou o noticiario televisivo esta vendo a verdade. a policia cientifica esta fazendo um trabalho serio e ja esta mais do que provado que seria impossivel uma terceira pessoa entrar la e sair sem deixar nenhum vestigio.
Foi este fdp e esta vaca (com o perdao da palavra)que fizeram isso. minha esperança é que o deus todo poderoso que esta no ceu faça eles pagarem por isso.
abraços cesar, ass Rogério
23.4.08