Uma grande perda

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Domingo por volta das 21h faleceu um grande amigo meu. Parceiro, irmão e companheiro de todas as horas. Ele que me acompanhou desde a mais tenra idade, me deixa só de uma hora para a outra... Restar-me-á agora apenas a Esperança. Imagine o amigo leitor o meu desespero. Aconteceu lá em casa, de forma fulminante e inesperada, enquanto assistíamos ao Fantástico. Como de costume estávamos todos no sofá: eu, minha mulher e ele no meio de nós dois. Fazia parte da família e há muito já não provocava ciúmes nela. Afinal, já éramos íntimos muito antes de eu a conhecer.
Foi tudo muito rápido e confuso. Logo após o primeiro intervalo do programa, ele pareceu se sentir mal; levantou ofegante e foi à cozinha. Ficamos a nos entreolhar intrigados. Desconfiamos que fosse por causa da notícia que acabara de rodar. Narrava que uma menina de 4 anos havia sido baleada na testa durante um assalto e estava em coma numa UTI entre a vida e a morte. Estas coisas com as crianças sempre lhe impactaram muito, ainda mais nos últimos meses.
Pelo barulho percebemos que tomou um pouco d’água. Voltou à sala sem dar um pio e sentou entre nós de farol baixo, os olhos marejados. Arfava um pouco e mantinha a mão no peito. Perguntamos se estava tudo bem, mas ele não respondeu, permaneceu olhando cabisbaixo para a TV. Seu semblante revelava uma tristeza profunda, um consternamento atroz.
Aliás, foi há alguns meses o primeiro baque que de fato o deixou prostrado pra valer. Foi de novo um episódio envolvendo uma criança. Acredita o leitor, que um inocente garotinho fora cruelmente sacrificado por marginais que o arrastaram pelo lado de fora de um carro por quilômetros em alta velocidade preso a um cinto de segurança? O suplício foi tamanho, que pedaços do menino ficaram espalhados pelas ruas da cidade. Assim como o corpo do pequeno guri, a saúde do meu amigo também foi irremediavelmente esfacelada desde então.
Ele já não vinha bem, mas esta foi a gota que fez entornar o copo, manifestando nele um desconsolo permanente.Já há muito ele vinha se queixando que não estava mais disposto a lutar aquela luta covarde, que não via onde achar forças para se manter vivo.
Lembro que bem antes disso, já nos últimos 4, 5 anos meu amigo foi sendo gradualmente vencido, ficando mais e mais abatido. Coincidiu (ou não) com o início do governo Lula, que ele tanto acreditou. A panacéia que não se concretizou; pior, mostrou-se uma reversão de expectativa capaz de derrubar qualquer leão. Então, nos últimos meses, ele parecia mais com um velho decrépito e doente do que com alguém com a mesma idade que eu: 36 anos com aparência de 70! Imaginem isso. Ultimamente já acordava praticamente sem forças para a luta diária, tão característica da sua vocação natural. Ainda assim, eu mantinha a esperança, pois esta, como já disse, ainda esta firme comigo.
Eu sinceramente achei que houvesse chances de reversão do seu quadro, de recuperação... Quantas outras vezes ele não conseguiu dar a volta por cima?Podíamos esperar tudo, menos uma morte súbita e assim estúpida; na sala de casa numa noite de domingo.
Ah quem o conheceu há cerca de 10, 20 anos! Ele era poderoso, fortíssimo! Parecia um tanque de guerra! Presunçoso inclusive! Adorava alardear suas qualidades. Nada o abatia... Podia até vergar vez ou outra, mas por poucos instantes. Nunca se prostrava!
Após os reclames, ele voltou da cozinha e ficamos lá os 3 em silêncio. Começou então uma matéria sobre corrupção e fraude em licitações públicas envolvendo um ministério, uma construtora, e claro, o dinheiro do povo.
Na telinha, enquanto o apresentador explicava os detalhes do caso, a imagem de uma câmera de segurança dos corredores de um hotel, exibia pela enésima vez nos últimos anos, um homem de terno e gravata levando uma pasta cheia de dinheiro de propina. Não era nenhum dos homens das outras vezes, pois nunca é o mesmo. Mas o que importa... O terno e a pasta eram idênticos, isso sim.
Enquanto o apresentador explicava que a polícia federal havia encontrado indícios de que a parruda pasta seria repassada a um ministro, e que seria aberta mais uma das centenas de CPIs que nunca dão em nada, um grito desviou a nossa atenção. Era o meu companheiro, que com as duas mãos no peito e a face transfigurada pela dor, expelia seu último suspiro, sucumbindo de maneira derradeira à decepção e aos dissabores gerados pela crueldade e egoísmo dos homens. Fora assassinado; assassinado com um infarto. Tentamos reanimá-lo mais foi tarde demais, o coração já enfraquecido, não conseguiu reagir.
Perdi meu bom companheiro que por tantos anos me acompanhou! Certamente fará muita falta nestes tempos duros e frios. Sem dúvida deixará um grande vazio... O meu saudoso amigo, o Otimismo.
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. Cesar Cruz
Maio/ 07
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Um comentário:

Gabriel Fernandes disse...

Muito boa, meu amigo. Eu perdi esse ente querido bem antes de você.
Abraço