Casa Tomada - resenha crítica

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Julio Cortázar é um dos mais conceituados escritores latino-americanos do século XX. Mestre do estilo literário conhecido como realismo fantástico ou realismo mágico, Cortázar foi também um especialista no gênero contos. "Casa Tomada" talvez seja uma de suas melhores obras - senão a melhor - dentro de ambas as modalidades literárias.
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Casa Tomada é a história de um homem e uma mulher, irmãos, que coabitam a antiga e espaçosa casa que foi de sua família por anos. Toda a narrativa transcorre em 1ª pessoa, narrada pelo irmão, narrador personagem.
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A história se passa dentro dessa casa, que é descrita pelo autor cômodo a cômodo, para nos dar a ideia de sua grandeza e disposição interna. Alguns detalhes de móveis, objetos e revestimentos foram inseridos criteriosamente no transcorrer do conto para passar ao leitor a atmosfera do ambiente, que desde o começo sentimos sinistro e enigmático. Proposital e magistralmente - aqui se nota claramente a diferença entre os mestres e os escritores comuns -, Cortázar dosa tais descrições de forma a deixar espaço para que o leitor use sua própria imaginação para conceber e complementar, à sua maneira, o contexto e o clima. Recheando o conto de um sutil mistério, o autor cria, pouco a pouco, um ambiente de suspense e tensão. Não raro o leitor lança por sobre os ombros olhares desconfiados, tamanha a angústia que o texto incita.
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Irene, a irmã, é descrita como uma pessoa calma e afeita aos hábitos domésticos, em especial à costura. Contingências do passado teriam feito ambos acabarem solteiros, sozinhos e destinados a morarem juntos. Estudiosos de Cortázar, já arriscaram as mais diversas suposições acerca de como seria, de fato, a relação entre estes irmãos. Seria uma relação incestuosa? Há os que defendam que sim. Essa não explicitada e enigmática convivência entre os dois irmãos, teria inspirado tratados literários e teses acadêmicas de literatura.
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A genialidade se mostra nos detalhes, e no caso de Cortázar, em Casa Tomada, não é diferente. O suspense e o temor que regela as vísceras do leitor, mostra-se nos trechos em que a descrição de acontecimentos inesperados faz-se de forma econômica e misteriosa. Ao leitor resta a contínua sensação de que os personagens da história, ao passarem por tais situações insólitas, deveriam reagir de maneira diferente, talvez com gritos, fuga, indignação ou pânico, no entanto parecem aceitar tais incidentes com estranha e sombria resignação. Todo esse contra-senso, esse despropósito e essa aparente distorção do que deveria ser a vida real, caracterizam esse universo paralelo, único e típico de Julio Cortázar. .
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Cesar Cruz
Setembro 2008 .
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Um comentário:

Natália Cassiano disse...

Cesar

Tô velhinha já, mas quando se trata de literatura sou um bebê engatinhando e balbuciando umas poucas palavras. Fiquei impressionada com 'Casa Tomada'. Descobri que adoro esse estilo narrativo, realismo fantástico. Acho que por isso mesmo fiquei tão fã do seu 'Guarda-Chuvas'. Adoro os seus contos fantásticos.

O pouco que li até agora do Cortázar me intrigou. 'Casa Tomada' está sujeito a tantas interpretações e magistralmente, não nos dá explicação nenhuma. Fica tudo a encargo da nossa imaginação, instigada por esse clima que o autor cria, do qual você falou tão bem.

Você me disse que achou sua resenha pífia. Engraçado, tô achando que desconhecia o verdadeiro significado da palavra pífia. Você traduziu tudo o que eu senti quando li e que não consegui transformar em palavras. Adorei a sua resenha, inteligente, precisa.
Confesso que adoraria encontrar Cortázar para perguntar quem diabos ele pensou que estaria atrás daquela porta quando escreveu o conto. Como não acredito em contatos paranormais, permanecerei na dúvida... rs

Semana que vem vou para Marília com a minha irmã. Vou caçar uns livros num sebo de lá. Cortázar é prioridade.
Ah... tô aceitando mais sugestões.

Beijos
Deva