Debatendo o texto: gosto dessa gente

Gabriel,
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Com relação aos seus comentários à minha crônica “Gosto dessa gente...”, tenho as seguintes observações a fazer: Não acho que seja justo ou digno uma pessoa trabalhar na rua, entretanto há de se considerar que, na maioria das vezes, essas pessoas não têm lá muita escolha.
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Claro, eu, que nasci num berço bacana, com condições mínimas, tenho muita dificuldade em compreender a vida de quem nasceu na miséria, num lar de violência, de analfabetismo, sem higiene, saneamento, educação... "Só sabe quem passa", como diz o adágio popular.
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Reitero que gosto dessa gente (como diz o título da crônica), porém, também não concordo com a atividade de vender coisas na rua. Fiz uma crônica humana, não política. Estatística não enchem barriga, como já disse alguém. Mas nesse ponto fechamos: Vender coisas na rua é mesmo horrível. E sei bem por que na Suécia não tem gente vendendo coisas na rua... Isso é um problema histórico do Brasil e de países subdesenvolvidos, que durante décadas (ou séculos) não ofereceram condições mínimas para o desenvolvimento humano e social.
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Aqui no Brasil a mulher faz filhos e joga no córrego. O pai de família sobe um barraco sobre uma palafita e assim vive... Gente que age irrefletidamente, como vc diz. Mas por que agem assim? Porque não tiveram chance de nada, na maior parte da vezes, nem de aprender o mais elementar. Sim, sei que é difícil a nós, os bacanas, compreendermos isso. Ainda que essas pessoas saibam diferenciar o certo do errado, o que fazer se só há aquela saída?
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País triste esse nosso, meu amigo. Aqui o dinheiro dos impostos, que deveria ser revertido para a saúde, a educação e o bem estar do povo, acaba "revertido" para um paraíso fiscal qualquer, engordando ainda mais a conta de algum dos marginais do poder que, aliás, nunca veremos na rua vendendo nada, a não ser sua cara de pau em época de eleição.
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De fato, muitos não abraçam oportunidades; mas por que será isso? Eu me arrisco a dizer que é por total falta de base. Que base? Base escolar, cultural, social... base, fundamento! Veja: a pessoa que não teve acesso a essas bases, não consegue nem ao menos compreender o valor exato das oportunidades, muito menos sabe como aproveitá-las; são analfabetos funcionais, analfabetos sociais... Ficam imersos num mundo em que se veem obrigados a sanar necessidades alimentares a cada dia, um mundo onde as regras de como proceder sócio-culturalmente simplesmente chegaram a eles totalmente enviesadas, deformadas. A cultura e o aprendizado que adquirem enquanto crescem são oriundas do gueto em que nasceram e vivem; daquela favela, daquele submundo. Não conhecem outra coisa.
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Com isso não quero dizer que não seja possível uma pessoa sair da lama, da pobreza, emergir. Sim, acho até que é possível. E sei que no mundo e no Brasil há algumas incríveis histórias assim, mas ainda que pareçam muitas, no cômputo geral da pobreza mundial trata-se de uma minoria absoluta. Nem todos têm essa força, nem todos têm essa gana, nem todos têm essa visão, nem todos têm a ajuda da sorte ou a mão estendida de alguém misericordioso que os puxe, e os acompanhe nesta jornada até a superfície. Fechamos a janela do carro e viramos a cara, é isso que fazemos...

Para a maioria, não ter cedido ao assédio da criminalidade e ter acabado vendendo balas no farol, dignamente, já é uma vitória.
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Gabriel, leia a crônica de novo e veja que só pretendi dizer que gosto daquelas pessoas e de sua fibra, sua luta e sua surpreendente felicidade. São seres humanos que estão procurando sobreviver nesta terra injusta, fria, parcial, preconceituosa e cruel, que é o Brasil de hoje. Não pretendem incomodar burgueses como nós. Tudo o que querem é sobreviver.

Enquanto você e eu estamos aqui, filosofando sofisticações intelectuais, eles, dentro das possibilidades mínimas de que dispõem, estão suando o pãozinho do dia honestamente, para ter o que levar para casa a noite. Isso sim.
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Abraço
Cesar
(Ago 2008)
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Texto discutido: Gosto dessa gente...
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Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro Cesar,
Somos duas menininhas de uniforme bordô, meias três-quartos, fitinha no cabelo e sapatinos fechadinos de colegial, aqueles com uma costura bem mo meio do peito do pé.
Você tem razão: vou tirar meu blogue do ar.
Abraço,
Gabriel