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Conto publicado na Gazeta do Ipiranga*
Edição 2584 - sexta, 27 de março de 2009.
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Vânia começou a sentir uma dorzinha ali, meio que do lado direito do abdômen. Mas, como a vida é corrida e essas dorzinhas geralmente todo mundo sente, vez por outra, e depois somem, ela deixou estar. Passaram-se dias e, na correria do cotidiano, a dorzinha a atingia eventualmente, bem no canto da cintura.
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Piorou. Agora eram pontadas fortes. Vânia começou a ficar preocupada. Marcou consulta e na manhã agendada foi ao médico. Doutor Ciro ouviu todo o relato do histórico e das idas e vindas daquela dor. Enquanto ouvia, do outro lado da mesa, anotava coisas em um caderninho, mas Vânia não conseguia ler o que ele escrevia.
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Após a conversa, pediu para que ela se deitasse na maca, levantasse a blusa e descesse ligeiramente a calça. Apalpou por longos minutos a região do seu ventre e as laterais do seu abdômen. A cada apertão ia perguntando se doía ou não doía. No fim da consulta, entregou-lhe uma guia solicitando ao laboratório um exame chamado ultrasom transvaginal. Pediu que ela retornasse com o resultado assim que possível.
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Vânia foi embora, preocupada. Trabalhou a parte da tarde com a mente dividida, metade no trabalho, metade em divagações catastróficas acerca de sua saúde e de seu porvir. Afinal, já estava com quarenta anos e aquilo poderia ser algo muito sério... O doutor Ciro, com seu jeitão calado, não dissera nada além de uma ou duas palavras. Vânia ficou achando que havia algo por trás daquele silêncio.
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Não dormiu direito por duas noites. O marido dizia a ela que, afinal, ele também sempre sentia uma dor aqui ou acolá. “Isso é besteira, Vânia! É só não dar muita bola que elas desistem e vão embora.”
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Vânia se sentia sozinha em sua angústia. Ninguém a compreendia, todos minimizavam o iminente risco da situação. Seu sexto sentido dizia que tinha coisa ali.
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Cinco dias depois, saiu o resultado do exame. Vânia pegou-o no laboratório e correu pro médico.
Agora estava sentada novamente naquela cadeira. Os olhos pregados no doutor, nervosa. Ciro lia os exames quieto, como de costume.
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- Doutor, que é que eu tenho?
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- Um momento, dona Vânia.
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O médico levantou-se e saiu da sala, levando os exames, sem lhe dizer nada.
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Vânia ficou só, em companhia dos seus pensamentos. Lembrava-se agora da Janete, sua amiga querida que havia morrido, três anos antes, vitimada por um câncer sorrateiro que a comeu por dentro em poucos meses. Quando descobriu, era tarde demais.
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Ciro voltou com outros dois colegas. Havia uma doutora no grupo. Todos pareciam disfarçar um pouco e olhavam para o chão. O coração da Vânia pulava no peito. Ela praticamente já sabia o que ouviria. "Uma junta médica! Só se reúnem em casos extremos! Meu Deus! Então é assim a aproximação da grande vilã, a morte?" - pensava.
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A mulher só queria saber de quanto tempo ainda dispunha. Afinal tinha um filho para criar...
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Agora os três a olhavam com expressões sérias.
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- Gente, pelo amor de Deus! Sou forte, falem logo! Quanto tempo?
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A doutora de cabelos longos e negros olhou para os dois colegas, depois se aproximou de Vânia, pôs a mão em seu ombro, como para lhe consolar e sentenciou, quebrando o silêncio:
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- Noventa dias, dona Vânia. Apenas noventa dias...
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Vânia viu tudo girar. Recostou-se na cadeira com as mãos no rosto e desabou em um pranto convulsivo. Uma intensa sensação de autocomiseração a atingiu. Havia tanto ainda por fazer e só lhe restariam três meses. E ainda eram muitos os seus sonhos...
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Os três médicos olhavam-se entre si.
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- Dona Vânia, acalme-se!
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- Como posso me acalmar? Ó, meu Deus!
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Tentou ficar em pé, mas seis mãos ágeis a mantiveram sentada na cadeira.
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- Acalme-se dona Vânia, por favor! – disse a doutora dos cabelos longos – Estamos aqui para ajudar você! Vá para casa e procure repousar um pouco. Retorne dentro de um mês para fazermos novos exames. E, anime-se! Quem sabe na próxima consulta descobrimos o sexo do seu bebezinho?
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Cesar Cruz
Março 2009
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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.
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8 comentários:
Bastante coloquial, mas muito bom! Gostei.
Abraço
Gabriel
Césinha, bacana este continho. Voce teve a manha de segurar o lance até o fim. Só na última linha que tudo foi revelado! E olha que eu que sou um cara vivido, não saquei! Fiquei achando que a coitada ia mesmo bater com as botas!
Bacana!
Abraços
Rafael
oi cesar! Que delícia ouvir suas crônicas lidas na rádio cbn! Muito, muito, muiiiiito legal!!!!!
Milhões de parabéns! Demais, demais, demaaaaaais!
Gostei muito dessa historinha dos dias contados. Mas eu como mulher já fiquei desconfiada que poderia ser gravidez! ashusahusahusahusa
Bjao, Tais
He he Cesinha, já está criando um estilo suspense né?
Cesar,
Bom ter lido essa história. Em tempos, por vezes obscuros, seu texto, ao final, se abre em saudável esperança.
Ah! Agora também tenho um blog, com minhas fotografias e textos. É uma espécie de portfólio. Se puder visitar, vou gostar muito.
O endereço é: ocatito.blogspot.com
Um abraço,
Carlos
Olá Cesar,
Tenho certa inveja de sua posição de escritor. Acho q é o patamar final q qualquer pessoa q escreve deseja. Continue assim.
Bem, modestamente, tenho um blog de Política e Relações Internacionais.
PAPO DE POLÍTICA
http://papodepolitica.blogspot.com
Espero q goste,
Daniel Barreto
papodepolitica@ymail.com
Abs
César
vc escreve uns textos bem diversificados, né? Cada um vai num estilo! Um mutante esse homem!
Este aqui é bem levinho e bonitinho, diferente de outros que quase nos derrubamde costas no chão!
bjo, Aline, Cambuci
inocente, mas gostoso, como um bebê fofo.
beijos, Ives
da Vila Mariana
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