A solidão do escritor

Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação e no Portal Mundo Mundano*
Novembro de 2010
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Num país que não lê, a solidão do escritor é atroz e brutal. Atinge a mim, mas pode até mesmo atingir você aí, que eventualmente também escreve (só se for se caso me entenderá). Não há na vida das pessoas espaço para a leitura, essa é a verdade. São raras as exceções.

Vivo esse deserto. Escrever para mim é, simultaneamente, o meu prazer e o meu martírio. Escrever é a minha catarse, minha alegria, a droga, o hobby que me delicia nas noites em que todos dormem, mas que, quando se revela nessa solidão desumana, passa a ser a bola de aço nos meus tornozelos, o cinto de silício sob minhas roupas. Faço algo para os demais: escrevo. Sim, escrevo para eles! No entanto, ninguém liga, ninguém se interessa. A dura conclusão a que cheguei: se eu parar de escrever hoje, ninguém reparará.

Amargo, magoado com essa dura verdade, finjo que não escrevo para ninguém além de mim mesmo. Mentira. Sou continuamente sufocado por esse grito que não posso dar. Ou que dou, mas que ninguém escuta. Sofro a esmagadora dor desse abandono, do descaso dos meus milhões de não-leitores; de fazer uma coisa para a qual não há demanda nem interesse. Fato concreto: não me pediram para escrever coisa alguma. Assim, tenho que segurar sozinho.

Sem opção, continuo me iludindo. Mantenho-me surdo para não ouvir o brado da realidade, prefiro permanecer cego, mendigo das letras, agarrado a uma cândida esperança, implorando pateticamente, insistindo, disparando inoportunos emails a uns pobres amigos, enviando link, avisos, mostrando recortes que não me foram solicitados... Todas coisas que sei que tenho que parar de fazer, com urgência, mas não consigo; prejuízo que já existe, que só falta ser realizado, mas que é paralisado pelo medo da solidão que, temo, possa se agravar.

Mão estendida em concha, pareço ansiar a todo instante, nas rodas de conversa, por uma oportunidade de mencionar minha “obra”. Quem sabe alguém puxa o assunto? Quando o fazem, em misericórdia a minha agoniada mendicância, ou por pura amizade, procuro imprimir um quê de charme, de nem-te-ligo, mas aquele é o momento íntimo da glória, a suprema realização! E é ali, no meio daquele equívoco social, que me agarro como um desgraçado náufrago se agarraria a uma boia, e, com a realidade ofuscada pela luz do orgulho, falo, explico, tagarelo e gesticulo loucamente... E, quando me dou conta, meu interlocutor já se foi... Mas quem escreve é teimoso, autista. Não sou exceção. Lancei recentemente um livro. Bondosos amigos compraram, mas só uns poucos de fato o leram. Mais uma dor para a coleção do escritor.

Ainda assim, a ardência da vergonha parece não ser suficientemente poderosa para me apartar desses vexames. E assim, os dias se sucedem para mim, que vou vivendo esse amargo retiro compulsório para dentro de mim mesmo, essa humilhação autoimposta, esse perpétuo solilóquio tragicômico, risível e inconfessável, do escritor que tem em si mesmo o seu único leitor..
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Cesar Cruz
Out. 2010
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* crédito dos parceiros na coluna à direita
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12 comentários:

Unknown disse...

Você esqueceu de comentar que não
são todos que conseguem ler um causo como se estivessem vendo um filme. Esses com certeza são os verdadeiros apreciadores

Abraços

Silvio e Fran

Caca disse...

Olá, meu grande César! Acho que concordar ou discordar de algo aqui não vai lhe aterar muito o desejo do desabafo. Eu me acostumei a vida inteira a conseguir as coias todas com muita luta, sacrifício e persistência. Por isso vou, insistindo até achar que eu mesmo não valho um parágrafo daquilo que produzo, então paro e mudo de rota. Mas enquanto alimentar esperanças e for correspondido nelas, mesmo que de forma tão lenta como tem sido, vou caminhando no meio dessas pedras. Um abraço plácido e caloroso. Paz e bem.

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, Cesar:
Olha, taí um relato sério e verdadeiro sobre comentários e seguidores. É óbvio que isto acontece.

Muitas vezes vejo blogs com mais de mil seguidores, mil e quatrocentos... Haja fôlego para correr atrás de tanta gente. E vejo blogs com muitos comentários, muitas vezes retribuições e agradecimentos no próprio espaço. Gentilezas.

Mas a Internet é assim: venha que eu vou; siga-me que retribuo. Já pensei muito nisso e já constatei, também, que isso tem de ser bem dosado. Não é possível retribuir tantos comentários, as pessoas têm de entender isso.

Porém existem blogs que são procurados, crônicas e contos lidos, realmente. E comentários verdadeiros que vêm de seguidores e pelo Google. Acho que isso tem de ser encarado numa boa, pois quando se lança um livro, a divulgação também se faz necessária: inúmeras entrevistas e divulgação em jornais, rádio e televisão. Muitos. Caso contrário o livro não vende, não arranca. E o que se faz na Internet é a mesma coisa: vender o peixe! Tornar teu produto conhecido.

Olhando por esse prisma, a gente começa a aceitar certas coisas; certos comentários que não passam de 'convite' que se misturam com aqueles que realmente são sinceros e que sabemos que o texto foi lido e gostado. Como agora, por exemplo. Valeu a pena você ter escrito? Acho que valeu, Cesar!

Eu penso igual a você, mas acabei, também, entendendo certas manifestações... Mais por amor à escrita, e sabendo que a WEB é o espaço mais democrático do mundo.

No final de tudo a gente aprende a separar o joio do trigo.
Beijos, amigo.
Tais luso

Tais Luso de Carvalho disse...

Ah, esqueci: o texto do perfil está ótimo...É a solidão do escritor.
beijo.

Paula Laranjeira disse...

Olá Cesar,

Quando iniciei meu blog, pensei: ninguém irá ler o que escrevo, mas vou escrever. Temos depois, saindo do meu analfabetismo total, fui percebendo que poderia ler e comentar em outros blogs. E isso trouxe seguidores. Até descobrir como seguir alguém demorou uns dias, mas descobri. Começou aí algumas trocas de gentilezas. No entanto, eu, leitora assídua, lia sempre, passava nestes e em outros blogs, mas as visitas ao meu blog já não era muito frequente. Mas eu lia pelo prazer e pelo gosto, e ainda o faço.
Tempos atrás postei um texto, e devido o tamanho, quase não leram e não comentaram. E um seguidor fez um comentario em q dizia em poucas linhas o q vc disse em sua última postagem "não leem o que escrevemos , mas querem comentários". Parei para pensar, e mesmo lendo os textos, não deixava comentários. Resultado...Mas neste mundo democratico da net, o meu amigo fiel tbm se foi...logo depois de ler uma postagem na qual eu falo sobre minha deficiência....(e olha q em meu perfil, falo de minha condição de cadeirante...mas ñ deve ter lido) mas isso esta fora de questão...

Certa vez um cidadão fez um comentário em meu blog, dizendo q tinha gostado, mas q só me seguiria se eu o seguisse ...kkk... discreto ele, né?!

Visitei o blog, não me agradou em termos de conteúdo e por isso ñ segui. Hoje não me sinto na obrigação de seguir ninguém q me siga. Sigo apenas o q gosto. E nestes, faço visitas constantes, mas nem sempre comento, às vezes por comodismo. Mas há textos q nos inquietam, e nisso vc é fera...Estava eu em meu jejum...de comentários, deste q vc sugeriu no texto...mas ñ deu. Cá estou comentando...por e-mail, é claro, para ñ fugir totalmente....rsrs
Continuo minhas leituras...quase sempre silenciosas...Mas logo volto aos comentários..assim q sair do meu estado purgatório....
Até sempre...Bjs na Michele...Falando nela, adoro os textos nos quais vc relata as suas experiências de pai...

Abraços
Paula

Natália Cassiano disse...

Cesar

Quando conheci seu blog, adorei. Tanto que entrava e lia um pouquinho todo dia. Você escreve muito. Falo de qualidade. Seu blog também tem recheio bem gordo, é verdade. Tem muita coisa e para todos os gostos. Nem o mais enjoado e desgostoso dos leitores consegue sair de seus causos sem simpatizar com algum.
Digo o mesmo de outros blogs, conheço poucos e bons. Também, não procuro, confesso, ou entro leio e gosto, mas não comento. Nos seus textos mesmo, demorei para deixar algum comentário. Sou tímida e falo mais que a boca. Conhece a espécie? Resultado: demoro a falar, mas quando abro a boca, sai de perto! A regra se aplica aos comentários. Pela preguiça e pela sem jeiteza, vou deixando para depois.
E é verdade que escrevemos para ser lidos. Fiz poeminhas, horríveis, diga-se de passagem, na minha adolescência.( Alguns estão no blogue). E apesar do que escrevo ser só pra mim, um falar sozinha, já que ninguém me escuta mesmo... Apesar de escrever por gosto, mesmo sem saber fazer isso direito, me senti realizada quando divulgaram um texto meu. Quem tem uma idéia, um texto lido, apreendido por outros, deixa uma marca sua no mundo. Tem o poder de transformar alguém. Não importa se foram 5 ou 500 pessoas que leram. Esse poder transformador existe.

Só acho a troca de gentilezas ruim quando morre em si só. Quando não se comenta pelo texto, mas pela retribuição futura. Somos vaidosos, como somos! Mas também somos curisosos. Acredito na sede do homem de aprender, conhecer o novo. Concordo com quem diz que lê livros como vê filmes. Os livros ainda têm a vantagem de estimular a imaginação. Recriamos cenas, personagens, atmosferas nas entrelinhas.

Ter seguidores é uma besteira enorme se ignorarmos a troca de experiências, a oportunidade de conhecer coisas novas e boas. Como você, ainda prefiro a qualidade. Antes conhecer um conto, um poema, e me modificar através dele, que ter uma estante cheia e ser indiferente ao universo contido nela.


Abrçs
Deva

Anônimo disse...

César vamos lá:

esse negócio de troca de gentilezas pela Internet é coisa
vazia, se alguém comenta algo deve fazê-lo por uma questão de troca íntima de valores facultada pela mais preciosa sintonia, então se são 2 ou milhóes esqueça. Melhor Você continuar com o medo da solidão que a morte da inércia em escrever.
Vamos combinar o seguinte, sentimentos seus a parte, embora respeitáveis, faça um favor pra gente, continua com a bola de ferro em seus pés, e se for preciso se algeme, mas permaneça escrevendo.

faço minhas as palavras de suas "verdadeiras seguidoras"


Tais Luso
"Mas eu lia pelo prazer e pelo gosto, e ainda o faço."

Deva
"Quem tem uma idéia, um texto lido, apreendido por outros, deixa uma marca sua no mundo. Tem o poder de transformar alguém. Não importa se foram 5 ou 500 pessoas que leram. Esse poder transformador existe.
(e isso porque Ela disse que não sabe escrever, imagina
se soubesse, tá vendo porque é muito importante quando
algo é feito da essência de cada um independente dos holofotes?)

abraços amigos
xara - ipiranga - sp/sp

Anônimo disse...

Todo artista precisa de um pouco de confete... aqui vai o meu: Não leio os grandes, pois preencho meu tempo de leitura semanal com o IED Cesar Cruz. Abraço! Marcão

Carol Fomin disse...

Cesar,
É... não posso te ajudar muito, pois após tantos comentários, o que eu escreveria seria mais do mesmo!!!
Enfins, nao pare. continue, se é para vc mesmo que escreve, já valeu!
Ah, entra no twitter!!! Tenho certeza q vc vai gostar. é menso decepcionante que um blog.kkkk Se até eu que escrevo super mal.... tenho meus seguidores e amigos..... vc vai se dar bem, com certeza!!!!
Bjos

Anônimo disse...

Cezinha;

Bom, eu como sua fã digo: NÃO PARE DE ESCREVER, como várias pessoas disseram acima seus textos são muito bons.

Além de fã, sou co-responsável por elevar sua carreira como IED para um nível internacional, e posso garatir que lá na Argentina seu livro foi lido.

Beijos,

Lena

SEVE disse...

Já leu "BIBLIOTECAS CHEIAS DE FANTASMAS" de Jacques Bonnet?

Fernanda M. Mesquita disse...

Vim até a este blog, através do blog de Márcio Almeida, um blog que acompanho desde que iniciei um blog por aqui. Visito o Márcio porque gosto do que ele escreve mesmo sabendo que raramente ele me visita, Nao o visito para ser visitada, mas para ler. É verdade tudo o que diz aqui e me identifiquei muito com o que escreveu. Eu sei o que é não conseguir passar sem escrever, mesmo sentindo que poucos nos lêm. Infelizmente a postura das pessoas na net é parecida com a que mantem na vida. É um bater à porta sem olhar nem pela janela. Eu vejo blogs sem qualidade nenhuma, com montes de visitas, mas com comentarios tao pobres como: lindo o seu canto, passe pelo meu. Assim o tempo chega para visitar muitos blogs e fazer muitos comentarios, por isso fiquei contente pelos bons comentarios feitos aqui.
Não se inquiete. Escreva, escreva muito, como se falasse consigo mesmo e só por isso vale a pena. Esses momentos de solidão, acompanhados pela guerra das letras, que se atropelam, para sair de nós, acabam por nos dar a oportunidade de pensar e olhar o mundo, mesmo quando o mundo dorme. É verdade que todos escrevemos para alguém ler, mas acredite sobretudo em si e deseje apenas aqueles que o sabem ler.
Parabéns pela bonita familia e pelo que partilha em forma de escrita
Fernanda