Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Outubro de 2010
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– Cruz – disse o meu amigo Baxo, mastigando um croquete de carne do outro lado da mesa de plástico –, empurra esse prato pra cá, façavor.
Estávamos numa dessas festas infantis, com as mulheres e as crianças, o único lugar que ultimamente conseguimos nos encontrar. Os pratos de salgadinho aterrissavam e sumiam, frente aos meus olhos.
– Ô loco, Baxo! – falei, deslizando o prato cheio de coxinhas, risoles e quibes fritos pro lado dele. – Cê tá comendo lixo pra caramba, hein? Cuidado com a saúde!
– Saúde?! – disse, e deu uma gargalhada de boca cheia e um tapa no meu ombro – Mas é justamente isso que eu tô fazendo, Cruz, cuidando da minha saúde!
Seguiu-se um silêncio interrogativo da minha parte. Fiquei olhando pra ele, esperando uma explicação. O Baxo então pegou mais uma empada e se soltou pra trás na cadeira bamba, calado, senhor do saber. Mordiscava calmamente a casquinha do petisco, olhando analítico para o recheio que emergia quente, fumegante. Depois se virou pra mim, como quem se prepara para dar uma explicação óbvia a um ignorante.
– Todo mundo vai morrer, não é uma questão de opção.
– Sim, mas...
– Cruz..., – suspirou, abastecendo-se de paciência e enfiando a empada inteira na boca – de que adianta você passar uma vida comendo rabanete e cenoura e, quando morrer, o pessoal falar: “Poxa, uma pena, o Cruz... morreu com tanta saúde!”.
– Bem... eu, eu não tinha pensado e...
– Pois então pense! É tudo uma questão de opção. – concluiu despejando o guaraná goela abaixo por cima da fritura.
– E tem mais – se inclinou pro meu lado por cima da mesa, o dedo em riste – Não quero morrer com saúde. Prefiro morrer todo fodido e cheio de colesterol, para as pessoas poderem dizer: “Esse aí usou até o fim!”. Entendeu? Agora passa pra cá esse pratinho, Cruz, façavor...
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.Outubro de 2010
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– Cruz – disse o meu amigo Baxo, mastigando um croquete de carne do outro lado da mesa de plástico –, empurra esse prato pra cá, façavor.
Estávamos numa dessas festas infantis, com as mulheres e as crianças, o único lugar que ultimamente conseguimos nos encontrar. Os pratos de salgadinho aterrissavam e sumiam, frente aos meus olhos.
– Ô loco, Baxo! – falei, deslizando o prato cheio de coxinhas, risoles e quibes fritos pro lado dele. – Cê tá comendo lixo pra caramba, hein? Cuidado com a saúde!
– Saúde?! – disse, e deu uma gargalhada de boca cheia e um tapa no meu ombro – Mas é justamente isso que eu tô fazendo, Cruz, cuidando da minha saúde!
Seguiu-se um silêncio interrogativo da minha parte. Fiquei olhando pra ele, esperando uma explicação. O Baxo então pegou mais uma empada e se soltou pra trás na cadeira bamba, calado, senhor do saber. Mordiscava calmamente a casquinha do petisco, olhando analítico para o recheio que emergia quente, fumegante. Depois se virou pra mim, como quem se prepara para dar uma explicação óbvia a um ignorante.
– Todo mundo vai morrer, não é uma questão de opção.
– Sim, mas...
– Cruz..., – suspirou, abastecendo-se de paciência e enfiando a empada inteira na boca – de que adianta você passar uma vida comendo rabanete e cenoura e, quando morrer, o pessoal falar: “Poxa, uma pena, o Cruz... morreu com tanta saúde!”.
– Bem... eu, eu não tinha pensado e...
– Pois então pense! É tudo uma questão de opção. – concluiu despejando o guaraná goela abaixo por cima da fritura.
– E tem mais – se inclinou pro meu lado por cima da mesa, o dedo em riste – Não quero morrer com saúde. Prefiro morrer todo fodido e cheio de colesterol, para as pessoas poderem dizer: “Esse aí usou até o fim!”. Entendeu? Agora passa pra cá esse pratinho, Cruz, façavor...
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Cesar Cruz
Out. 2010
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12 comentários:
O visitante chega na beira do caixão e diz assim: "nossa , ele(a) está tão corado(a)! hahahha!
Mas essa teoria do seu amigo aí é a dos glutões, invariavelmente.
Dizia o grande Hipócrates que "teu alimento será o teu remédio e teu remédio será o teu alimento."
Abraços, Cruz. Paz e bem.
Hahaha Cesar... Olha que esse seu amigo tem parte de razão... Não toda, pois vai mais cedo do que pensa e com a boca cheia de torresmo. Mas é verdade, quantas vezes já ouvi isso, que o fulano morreu jovem e cheio de saúde! E talvez no auge de uma dieta com 200 calorias - dia... 'Façavor' (me diverti, com a linguagem)
Muito bom!
Beijos
Tais luso
Cruz,
A teoria é minha, mas esse personagem sem educação, escroto que come sem parar e de ri de boca aberta, não sou eu não!!!
A teoria tem um fundo realista, que não foi explorada no seu texto, garanto que vc já ouviu e concordou , que o dinheiro que se ganha nessa vida, tem que ser gasto, que tem que aproveitar a vida e não morrer com o caixão cheio de Dólares e Euros. A teoria de morrer com saúde é a mesma coisa. Não acho que deva comer torresmos à vontade(que particularmente , não gosto), mas nos dias de hoje, com esse excessiva preocupação com as calorias, as medidas os IMCs da vida, as pessoas estão perdendo o prazer de comer e de beber sem CULPA, é isso o que defendo, não defendo que a pessoa fique tostando no sol todo dia, porque faz mal a pele, mas também não vou à praia às 6hs da manhã, ou à noite, pois minha pele vai enrrugar.
Defendo com a teoria o diretio de usar os recursos que vc tem para viver bem, sem neuroses, velhos todos vamos ficar, não vão(independente do que faça) se interessar por nossa aparência, mas sim por nossas histórias de vida e experiências que acumulamos ao longo da vida.
Portanto, exijo retratação pública.
Não sou obeso, nem glutão, muito menos escroto e mal-educado. Creio que a vida deva ser aproveitada, pois não sei se volto, e se voltar não lembrarei de nada, então que me adianta não levar o máximo desta???
Abraço
Baxo
CESAR CRUZ disse...
Baxo, eu não poderia deixar de te zoar, você sabe... foi irresistível!
Claro, literatura é recriação da realidade, mesmo quando é crônica. Não é assim que a vida acontece.
E sem essa pitada de fantasia, a coisa fica chata e ninguém se interessa, ninguém lê. (Aliás, não lê nem quando fica legal, não é? Veja só que ridículo, eu aqui, falando sozinho...)
Mas é importante frizar que não. Não e não! Absolutamente não! Que o amigo leitor não pense que o meu amigo de 23 anos de amizade, Sr. Márcio Zanella, vulgo Baxo, alvo da minha sacanagem nesta crônica em questão, é um ser humano embrutecido, trucidador enlouquecido de coxinhas e frituras, um primitivo neandertal, um viking gaulês, que come com as mãos, empunhando a perna do boi.
Não, não! Nada disso. O Baxo é um rapaz de fino trato. Estudou nos melhores colégios franceses, tem curso de bons modos e limpa a boca com a pontinha do guardanapo, que está sempre, adequadamente, sobre seu colo.
O Baxo, esse meu querido amigo, é apenas e tão-somente um homem sábio que sabe se valer das boas coisas da vida sem se privar dos pequenos prazeres mortais. Isso sim!
Em suma: um homem no ponto em seu ponto de equilíbrio! Dá-lhe Baxo!
(Gostou?)
Abraço!!
Cesar
em tempo: essa crônica sairá no jornal nesta sexta. Vou guardar um exemplar pra vc. O resto mandarei recolher e... queimar!
oi sobrinho gostei!
Vou morrer comendo tudo que eu gosto, não to nem ai.
bjos, tia
Ai Cé,,além de porquinho agora tu tá dizendo que ele é Bicha!"limpa a boca com a pontinha do guardanapo", isso é coisa de boiola,,,, eu , como legitima esposa(pelo - é o que eu acho né)declaro que além dele ser limpinho é tb macho, e limpa a boca com o guardanapo todo , e não só c a pontinha,,,
Quanto a crônica: Show! Adorei.
Bj é até breve na casa da Ié,,com PIZZADA claro,,,rsrs
Gabi
Cruz,
Na verdade nem tanto ao mar nem tanto à terra. Agora sou a fresca francesa...mas prefiro essa ultima bichinha que o troglodita do inicio.
Ameeeeeeeeeeeeeeeeeeeiiiiiiiiii
Bjo Lindooooooo!!!
Baxo
Aii Cesar!!
OLha só... eu como enfermeira deveria dizer que temos que cuidar da saúde, porém devo concordar com o seu amigo... o que adianta só comermos cenoura a vida inteira e não aproveitar as melhores coisas da vida que é um bom churrasco, um lanche bem grande do burguer king por ai vai. No final vamos nos encontrar no mesmo lugar.
Bjão!!!
Regina
César
Você tem demostrado um domínio crescente na técnica dos diálogos. Os dessa pequena paródia estão perfeitamente bem encaixados, sem sobras. Coisa de profissional. Já tinha percebido no seu livro isso. Ei, eu não escrevo nem bilhete você sabe, mas leio e sei o que é bom. Parabéns.
Lensy
É assim mesmo, Cesar, as melhores histórias são as que o escritor vivenciou.
Com isso não estou negando que contos, novelas, romances devem ser pura ficção.
Mas qual escritor não se aproveita dos fatos que o cercam e de suas experiências de vida para construir sua obra ficcional?
Gostei de seu conto "Morrer com saúde - a Teoria do Baxo" .
Como dizemos aqui no Sul: "é barbaridade de bom".
Grande abraço,
Pedro.
Cesar, há pouco fiz um comentário sobre esta sua postagem, e a tratei como sendo um conto; claro que minha intenção não é fazer qualquer correção quanto ao gênero. Referi-me à sua história como sendo conto, talvez até por descuido, mas também por estar muito próximo do conto (coisas da crônica moderna).
Parabéns, mais uma vez.
Grande abraço,
Pedro.
Ô, Cesar... fica quieto!!! rsrsrsrs, agora teu amigo limpa a boquinha com o cantinho do guardanapo?? rsrsrs Fecha a boca, não fala mais nada! Vais perder o amigo! rsrs
beijos.
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