O show do Marcão

Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação

Novembro de 2010
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Daí tocou meu telefone.

- Cadê você, Cruz?

Sabadão, 22h40. Era o Baxo, reconheci pela voz, pela entonação e por me chamar de Cruz, o único amigo que me chama assim.

- Fala, Baxo! Pelo som de fundo você está numa balada?

- Porra, Cruz, tô no show do Marcão, você não vem?

Silêncio de minha parte. Gelei na cozinha, vestindo só cuecas, taça de malbec e prato de rondeli. Apoiei o prato na pia e cocei a careca.

- Esqueceu, né, Cruz? Hehe!

Eu tinha mesmo me esquecido. Completamente. E eu pretendia verdadeiramente ir, já havíamos arrumado com a Dri e o Cláudio para ficarem com a Michele, enfim, estava tudo certo e jurado por Deus, mas...mas... Mas esqueci. Já deve ter acontecido com você.

Fiquei imaginando o Baxo, lá no show do Marcão, se divertindo com a minha desgraça (sim, porque a gente se diverte, pelo menos um pouquinho, com a desgraça dos amigos vacilões).

Aí me lembrei de Mário Quintana, que disse que “A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer”, e disparei, num zaz instantâneo, fruto da minha experiência de quarenta anos de estrada, um puro improviso, legítimo repente, a minha pseudo-verdade, pura, perfeita, ajustadíssima, convincente verdade; tão verdadeira que quase eu mesmo acreditei...

Eis que o Quintana se desfez na minha cabeça e me surgiu um outro poeta, o grego Sófocles que, quatro séculos antes de Cristo, já ensinava "A mentira nunca sobrevive até alcançar idade avançada”.

- Ô, Cruz, guarda essa mentira pra contar depois pro Marcão, ele que é o dono do show.

Morte ao Sófocles! (e desculpas sinceras ao meu querido Marcão)

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Cesar Cruz

Nov. 2010

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