Vexames de um Escritor Obscuro




Escritor desconhecido passa vexame mesmo, não tem jeito. Conheço um, escritor de poesias, que vende seus livros de mesa em mesa na noite do bairro da Vila Madalena, aqui em São Paulo. Seus clientes são a juventude abastada que frequenta aqueles bares de preços exorbitantes. E vende alguma coisa?, você pode estar se perguntando. Até vende, mas o coitado é alvo da chacota constante daqueles filhinhos-de-papai, do desprezo das riquinhas, do chega-prá-lá dos donos dos estabelecimentos... Um batalhador, esse meu amigo. E vive disso, acreditem!

Eu também passo muitos vexames: estou me transformando num espantador de leitores (dos poucos que há). Praticamente obrigo meus pobres amigos a ler minhas histórias, envio emails que não foram solicitados com as "novidades", encho o saco pelo Facebook, por mensagem de texto, por sinal de fumaça... recorto as crônicas que saem no jornal e dou de presente (de grego) pras pessoas lerem, e depois pergunto se gostaram! E quando a resposta é evasiva, do tipo "gostei", exijo detalhes: "de que parte você gostou especificamente?"... Uma vergonha.

Não é à toa que muitos amigos vêm me evitando de uns tempos pra cá. Acho que virei uma espécie de chato da literatura. Tenho plena consciência disso, o que já é um começo, segundo o meu terapeuta.

E nas vésperas de lançamento de livro a coisa se agrava, e muito. Passo vexame até em sonho. Veja você que sexta-feira agora, véspera do feriado prolongado, e uma semana antes do lançamento do meu segundo livro, recebi no fim da tarde a ligação da Margareth, lá da editora:

Cesar, o seu livro ficou pronto.

Eufórico, contive o grito que queria sair, mas enchi a Margareth de perguntas. O que ela achou do resultado, se a gramatura das capas ficou como esperávamos, se isso, se aquilo, se, se, se... Até que ela interrompeu a minha enxurrada de indagações:

Cesar, o livro ainda não veio aqui pra editora. Não vi ainda. Soube que ficou pronto porque acabei de falar com a gráfica.

Acho que a Margareth se arrependeu de ter me ligado. Pra ver se me sossegava, prometeu colocar um exemplar no sedex direto pra minha casa assim que chegasse às suas mãos.

Naquela noite sonhei que entrava num galpão escuro, era noite, e as máquinas gráficas estavam todas desligadas, o cheiro de óleo e papel adensando o ar. No sonho eu sabia que meu novo livro estava por ali, em algum lugar. Eu queria vê-lo, pegá-lo!

Então vou andando em meio às enormes impressoras, guilhotinas, envelopadoras, encadernadoras, todas caladas, como grandes animais espreitando a caça... Meus olhos vão se acostumando à escuridão e vejo que, junto às paredes, existem pilhas enormes. Me aproximo. São livros embalados em paletes, envelopados com filmes plásticos. Meto a cara nos vãos e, de repente, acho o meu! São centenas de exemplares do meu livro! Tento derrubar uma pilha mas não consigo, então saco a chave do bolso e espeto no meio do plástico grosso, forço, torço e enfim abro ali um vão, que logo transformo num rasgo, e por ele tiro, na marra, um exemplar. Uma criança nascida a fórceps.

A capa ficou linda! Então abro e... e... Nada! O livro está sem letras! Folheio e constato, em pânico, que todas as folhas estão em branco.

Acordei gritando, suado.

Um outro sonho recorrente é esse: estou sentado, com os braços apoiados na chamada "mesa do autor". Uma mão espalmada na madeira e outra segurando uma caneta, pronta para ser usada. A livraria está vazia, e o coquetel já começou, mas não há nenhum amigo, parente, ou leitor por perto. Nenhum. Um silêncio danado. Estou ali, assim, quieto, vendo a Vanessa falar com o garçom alguma coisa que não consigo ouvir. O cara parece bravo, pelo jeito quer ir embora, já que não há quem servir.

De repente, o dono da livraria, um cara gordo, que rola um palito de fósforos de um lado pro outro da boca, se aproxima de mim e, com uma mão pesada no meu ombro, me informa que vai encerrar o lançamento, por falta de pessoas. Infelizmente, ele diz pra mim. Infelizmente, seu Cesar, vamos encerrar.

Ontem, terça de feriado, a Vanessa me flagrou respondendo a um email:




Cesar, que email é esse?

Tô respondendo aqui pro Beltrano, que tá me dizendo que não vai ao lançamento porque tem um evento no clube e...

Então deixa ele, Cesar. Ele já tem compromisso, pronto, chega. O que mais você vai falar?

Ah, vou dizer que eu já o havia avisado antes! Que mandei o convite há 2 meses! Ele até reclamou que mandei com muita antecedência, e agora vem com essa! Vou dizer que ele deveria, isso sim, dizer pra esses caras aí do tal clube justamente o que está dizendo pra mim agora, que não vai no tal compromisso porque já tem um lançamento de livro de um grande amigo e...

Cesar, para, para, para! Para já com isso pela-mor-de-Deus!

Mas...

Vc está implorando, percebe? É quase ridículo...

Mas...

Mas, no fim, aborto o email e vou dormir. Torcendo para não ter novos pesadelos.

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Cesar Cruz
Nov. 2011

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Obs: A propósito, não vá perder o lançamento do meu livro, hein? Segue o convite.




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10 comentários:

Eloah disse...

Querido que vexame que nada !!! Quem não fica ansioso para ver seu livro, em primeira mão para saber se está lindo como imagina?Eu ao menos tive todos estes sintomas angustiantes.
Parabéns! Se não morasse tão longe ( Florianópolis) seria a primeira a estar prestigiando o lançamento.Boa sorte e sucesso!
Bjs Eloah

CESAR CRUZ disse...

Obrigado, Eloah!

Ajuda muito na recuperação...

bjo pra vc!
Cesar

Marcelo Lopes disse...

Fala Cesinha,

Cara, durma tranquilo e sem pesadelos, vai correr tudo bem.
Terei uma prova pela manhã na Universidade de Vargem Arada e depois irei direto pra lá, certamente ainda em tempo de ser um dos primeiros a chegar.

Abração e até sábado!

Marcelo

Anônimo disse...

Cesinha (agora sim heim! oficializamos nossa amizade de meia data com este "Cesinha"), vamos combinar o seguinte:

chore, esperneie, se sinta frustrado, magoado, se for o caso, rebelde, as vezes tristonho ou, o que quiser, mas nos faça um favor, continue escrevendo falou?

abraços e até sábado
xara - ipiranga - sp-sp

Espero ter contribuído com alguns 0,00...% em sua recuperação.

Tais Luso de Carvalho disse...

Cesar, muito boa esta sua crônica, sobre este pânico que não deve ser só seu, mas de muitos! Você narrou tão bem que me senti na sua pele. Sem ninguém nos autógrafos, ansioso quanto ao livro e outras coisas... Desculpe, mas ri muito da sua desgraça, mas ainda bem que você acordou!
As páginas brancas foi uma ótima bolação, é a dúvida, amigo! rsrs E talvez a fuga; o bom é sair correndo...
Mas não se preocupe, se você está repetindo a dose, é porque deu certo. Mande fazer mais salgadinhos e compre mais vinho...
Desejo a você muito sucesso e muitas vendas.
Esta sua crônica está muito divertida, muito real, (rsr) parabéns. E quantos passam por isso...

Beijos
Tais luso

CESAR CRUZ disse...

Obrigado, Tais!

Nunca respondo aqui, deixo só pros amigos se manifestarem, mas desta vez, como este texto é uma catarse e não uma crônica, resolvi aparecer.

Olha, são sonhos reais, juro! Essa noite sonhei que o livro, que é branco, saia todo amarelado, manchado, e com o corte da guilhotina torto. Aí eu falava pra Margareth, lá da editora: "Ficou ruim, veja". E ela dizia: "não, é só um pouquinho, ninguém repara. Terrível!!

Hoje, finalmente, chegou o sedex com alguns exemplares em casa, logo cedo! UFA! Ficarão lindos e perfeitos...

bjo pra vc

Paula: pesponteando disse...

E aí, como foi o lançamento? O gaarçon teve muito trabalho, né? A mão se movimentou bastante, creio. E a Vanessa deveria está toda orgulho...

Tudo de bom sempre...bjs

Pedro Luso de Carvalho disse...

Cesar,

Desde muito cedo, quando ainda cursava o Clássico no Colégio Pedro II, em Bumenau, já havia me dado conta de que a vida de escritor é muito difícil.

Nessa época, quando já tinha alguns contos escritos, tive a certeza de que não iria me submeter a tantos sacrifícios. Não queria uma carreira com caminho tão pedregoso. Então, decidi-me pela advocacia.

Mas, como você sabe, da literatura não me afastei de todo. Como não deixei de escrever artigos jurídicos e não-jurídicos para alguns jornais.

E por não estar afastado dos livros, venho acompanhando bem de perto a vida de alguns escritores que são meus amigos, como o Roberto Gomes, de Curitiba, o Sergio Faraco e outros aqui de Porto Alegre.

E, por saber das horas insônia dos escritores, da solidão em que vivem, da preocupação com o resultado do próximo livro e com a sua aceitação pelo público, dos resultados pecuniários que podem ter quando forem colocados no mercado livreiro, com a falta de leitores no nosso país, etc. é que não me arrependo de ter parado onde parei.

No Jornal Zero Hora, se não me engano de Domingo, o Luiz Fernando Veríssimo disse que gostaria muito de parar de escrever para jornais, mas sabe que não pode porque o que ganha de Direitos Autorais com os seus inúmeros livros, não é suficiente para pagar as suas contas.

Essa é, infelizmente, a nossa triste realidade.

Mas, amigo Cesar, não pense que quero com isso tirar o seu estímulo, principalmente agora que sai o seu segundo livro; pelo contrário, estou apenas falando das pedras que se encontram no caminho dos escritores.

Desejo a você sucesso com seu novo livro.

Grande abraço,
Pedro.

Caca disse...

Cesar, primeiramente parabéns e muito sucesso com seu novo livro . Vou ver se é tão bom quanto o primeiro, assim que você me enviar um e-mail me dando os dados para eu adquiri-lo e eu exijo o meu autografado, hahahaha!

Segundamente, eu estou me aquietnado das ânsias com leitores. Como disse minha amiga Leninha, só lê quem gosta de ler. Fiquei jururu, mas me lembrei que dos meus tantos amigos que compraram meus livros, pouquíssimos leram. Foi só para me agradar, na maioria dos casos (incluindo muitos familiares). hahahaha. O negócio para se tornar um sucesso (de vendas, não necessariamente de leituras) é ganhar espaço na grande mídia. As pessoas normalmente adoram desfilar ao lado de um famoso. Tendo um livro de um famoso já se sentem importantes, cultas, "in".

Vou me contentar como que disse meu falecido e amado irmão: "Se você conseguir atingir 1% da população mundial como leitores seus, dê-se por satisfeito pois é esse o número de leitores regularees no mundo." Mas eu fico contente, pois isso representa mais de 70 milhões de pessoas, o que me aproximaria do Paulo Coelho. hahahahaha!
Desculpe as ironias, Cesar, mas eu também tenho verdadeiros pesadelos com esse negócio de livros e leitores e escrita.

Grande abraço.

PS: o e-mail é sério, mande-me por favor. Paz e bem.

Stheffania disse...

Ah eu adoro suas crônicas, seus causos, não me importo se me perturbar no face me lembrando que tem novidades me add please stheffania Santo voc~e é um excelente escritor parabéns