O Instante Seguinte

Salvador Dalí - 1931 - óleo sobre tela de 24 x 33cm
Museu de Arte Moderna - NY

Publicado no Jornal do Cambuci - Jan 2012
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De repente, num súbito acaso, sobra a terrível certeza de que algo sério aconteceu a você. Hoje, quando aconteceu comigo, me lembrei do livro do Eclesiastes, capítulo 9, versículo 12.


"O homem não sabe o seu tempo;
assim como os peixes que se pescam com a rede maligna,
e como os passarinhos que se prendem com o laço,
assim se enlaçam também os filhos dos homens no dia mau,
quando a calamidade se arremessa sobre eles de súbito"

Acreditemos ou não no Eclesiastes, assim é a vida da gente. E só nos damos conta de nossa fragilidade quando, como o cervo indefeso, somos surpreendidos pela mordida do leão. É a calamidade que se arremessa sobre nós, de súbito.

Então surge um sofrimento adicional, a dor que advém de se pensar "Ah, mas se eu não tivesse feito aquilo! Não tivesse ido, comido, permitido, descuidado, desistido, falado, corrido, ...". Enfim...

É tarde.

Não há guarda-chuva que nos resguarde do acaso. Nunca sabemos quando e onde esse leão faminto saltará sobre nós.

Agora à tarde, na praia, brincando com os priminhos mais novos, corri com a água pelas canelas atrás da bola que numa mãozada de voley foi parar longe. Eu, um coroa, me surpreendi todo orgulhoso naquele disparo atlético, e numa fração de instante rememorei meus tempos de atleta, de 50 metros em 6 segundos, de 20 flexões com um só braço, 150 quilos no supino, chutes e socos velozes e certeiros no karate... E assim, como naqueles tempos de invencibilidade juvenil, agora eu me sentia poderoso; e o Daniel, com 25 anos a menos do que eu, estava ficando para trás!

Foi naquele breve instante de alegria e vaidade, com as pernas a toda, que meti o pé num buraco escondido sob a água. Um estalo que não só senti como ouvi, e um corpo que desaba. O meu.

Soube no mesmo instante, antes mesmo de completar a queda (familiarizado que sou com músculos, tendões e anatomia em geral), que eu havia rompido o tendão calcâneo, e que isso me complicaria profundamente a vida nos próximos meses...

Agora, aqui no hotel, já provisoriamente engessado no PS de São Sebastião, e me preparando para uma cirurgia que farei em São Paulo e que me deixará 60 dias de molho, fico refletindo a respeito do quanto é perigoso viver. Nunca se sabe o que nos aguarda naquele inimaginável instante seguinte, que nos espreita como um bicho, logo ali.


Cesar Cruz
Jan 2012



7 comentários:

Anônimo disse...

então rapaz, penso muito neste leão, não só na tentativa de nos abocanhar, mas talvez de nos ferir de morte, não necessariamente nossa, por isso, ha anos comecei a criar um dispositivo, o da serenidade, vamos ver, ainda não o coloquei a teste.

abraços
xara - ipiranga -sp

Marcelo Lopes disse...

Fala Cesinha,

Puxa meu amigo, estávamos na casa dos Mantovânios quando soubemos da notícia...realmente lamento pelo ocorrido!
O que nos chamou a atenção foi o fato de você já ter transformado o fato em crônica, isso foi demais!
No fim das contas, o tal do Eclesiastes está certo...não adianta ficar tentando evitar o acaso, o jeito é estar sempre pronto pra reagir bem às interpéries da vida...falando nisso, precisando de algo, me liga!

Grande abraço!

Marcelo Lopes

Anônimo disse...

Melhoras meu amigo...

É apenas a vida que algumas vezes nos prega peças...

Abraço!

Francisco Dalsenter

Natália Cassiano disse...

Que pena Cesar.
Lamento pela perna. A vida nos pega mesmo desprevenidos. Por mais que planejemos nossa vida, os fatos que mais nos modificam são os que não esperamos.
Você já fez a cirurgia? Como foi?
Realmente incrível você transformar em crônica.
Bjos

Jutourru disse...

melhoras, Cesinha!
abraços,
Juliana

Anônimo disse...

Nossa, eu sinto muito.
Depois de ler a crônica "O meu Feiciharakiri" percebo como foram infelizes os que "curtiram" a sua desgraça.

Melhoras Cesar!

Abraço,

Dayana Mariano

Marcello Fiore disse...

...o rugby fez com que acontecimentos dessa natureza se tornassem "comuns" na minha vida.

algumas clavículas quebradas, dedos, e nos últimos 6 anos duas cirurgias no joelho direito.

tudo isso para dizer que por mais incomodo que seja, passa, junto com o mau humor que acompanha essas coisas.

se precisar de algo que eu possa fazer, é só gritar...

ABRAÇOS E CUIDE-SE!