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No comecinho dos anos 50, uma italianinha de quatorze anos, chamada Maria Luisa Borgheresi, desembarcava por aqui vinda de Veneza, com pai, mãe e irmão. A família veio morar no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo.
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O pai era militar italiano, já aposentado, e a mãe, dona de casa. Não falava nada de Português, a mocinha. Logo de cara ficou amiga da Diva, três anos mais velha e mais sabida, que passou a lhe ensinar a Língua e as coisas aqui do Brasil.
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A amizade entre a Maria e a Diva atravessou, assim, seus primeiros anos, levando-as unidas da adolescência à juventude. Logo a Diva começou a namorar. Depois noivou. Casou-se em 1965. A Maria, apesar dos esforços do casal amigo, não acertou namoro firme com nenhum bom rapaz e acabou solteira.
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Em 1970 eu nasci. Desde que me lembro por gente, Maria sempre esteve presente nos Natais, Anos Novos e aniversários. Seu Gino e dona Clélia morreram logo. O irmão da Maria, que nunca se deu com ela, desapareceu no mundo para nunca mais ninguém saber do seu paradeiro.
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A Maria, sempre muito tímida e reservada, não cultivou nenhuma outra amizade na vida, sendo assim, entrou na maturidade só tendo a nós como família e amigos.
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Em 1990, meu pai morreu. Ficamos só minha mãe e eu. Quando eu estava preste a sair de casa, em 1996, e dona Diva na iminência de ficar sozinha, sugeri que morassem juntas, a Maria e minha mãe, pois não fazia muito sentido duas amigas tão unidas morarem sozinhas, em casas separadas. E assim foi feito. Uma fez companhia à outra até a morte da minha mãe em junho de 2007. Amizade de mais de cinquenta e cinco anos...
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Depois da morte da mamãe, a Maria passou a viver sozinha, mas sempre sob os olhares cuidadosos da Vanessa e meus. Ela nunca ficou longe da gente numa data importante. Toda a semana saíamos para jantar com ela, a levávamos para fazer compras ou para almoçar fora, seu lazer preferido.
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Dia 21 de janeiro último, final da tarde, tocou o telefone lá de casa. A voz de uma vizinha informava que a Maria tinha sido atropelada por uma moto na esquina de sua casa. Resgatada pelo SAMU, Maria Luisa fora levada para um pronto-socorro próximo. Voamos pra lá.
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Maria ficou hospitalizada. Bacia e braço quebrados. Vinte dias depois, teve alta e voltou para casa, mas imóvel, ainda na cama. Porém, para nossa satisfação, havia a esperança de recuperação, embora muito lenta: de aproximadamente três meses.
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A Vanessa e eu fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para minimizar o sofrimento da Maria. Nós a visitávamos todas as noites após o trabalho. Contratamos duas enfermeiras que se revezavam em seus cuidados durante todo o dia... Mas sua recuperação doméstica durou pouco. No primeiro retorno ao hospital, apenas três dias após ter tido alta, a Maria teve um derrame durante a consulta ortopédica. Correram com ela para a UTI, mas não puderam evitar que ela ficasse sem oxigenação adequada por muitos minutos...
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A Maria ficou uma semana inteira em coma. Posteriormente, soubemos que o atropelamento havia deixado, em seu cérebro, uma espécie de bomba relógio, que resolveu estourar naquela tarde no hospital.
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Maria não resistiu e morreu na madrugada do sábado dia 21 de fevereiro, exatos trinta dias após ter sido atingida por um motoqueiro irresponsável...
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Sepultamos a Maria no jazigo da nossa família, juntinho à sua amiga inseparável, a Diva.
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Gosto de pensar que, mesmo em coma, ela tenha passado aquela sua última semana alheia ao ambiente frio e asséptico da UTI, aos ruídos dos aparelhos e às medicações que eram constantemente injetadas em seu corpo.
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Gosto de pensar que ela atravessou tranquila aqueles dias, distante, viajando em um mundo de sonhos e recordações, que fica na fronteira entre a vida e a morte...
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Gosto de pensar que as lembranças da sua juventude na Bela Vista, e dos anos que passou com a gente, desfilaram diante dos olhos da Maria Luisa como se acontecessem pela primeira vez; que risadas e momentos do passado, há muito esquecidos, ganharam vida e som; que o calor do sol e as alegrias vividas voltaram quentinhas como novas para lhe acalentar o coração...
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Gosto de pensar que, naquela madrugada, antes do telefone soar sob o meu travesseiro, enquanto a Vanessa, a Michele e eu dormíamos em casa, a Maria, entusiasmada e saltitante, como uma menina de quatorze anos, exclamava, apontando para um lindo aglomerado de nuvens: “Diva, você veio?!”.
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Gosto, por fim, de fechar os olhos e imaginar uma cena que, de alguma forma, eu sinto como se a tivesse visto ou sonhado. Nela, a Maria Luisa dá as costas para mim e afasta-se, de mãos dadas com a mamãe, em direção ao azul do céu.
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Cesar Cruz
mar 2009
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Texto relacionado: A história da dona Diva
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5 comentários:
Toda separação é muito triste realmente... Porém, feliz de quem, ao partir, pode se reencontrar com pessoas tão especiais quanto D. Diva!
Beijos.
Yeah
Olá, meu caro!
Eu tinha certeza que não passaria em branco, nem podia. Ficou muito bom, tocante.
Deixe que eu pago os próximos cafés.
Abraço
Gabriel
OLHEI A FOTO ACIMA E SENTI AQUELA TRISTEZA SAUDOSA. É MESMO, A MARIA LUIZA VAI DEIXAR SAUDADES TAMBÉM EM MIM, QUE TENHO NA MINHA MESA DE TRABALHO OS DOIS CARTÕES LINDOS QUE ELA ME MANDOUNOS DOIS ÚLTIMOS NATAIS. E FOI MUITO BOM, QUANDO LIGUEI PARA AGRADECER E RETRIBUIR SEUS VOTOS, PUDEMOS BATER UM LONGO PAPO. COMBINEI QUE ELA VIRIA AQUI QUANDO VIESSE AO CONSULADO. PEDI QUE ELA LIGASSE QUE IRIAMOS PEGA-LA. NÃO DEU. DEUS É QUE SABE. AGORA LEMBRO DELA, BEM COMO DA DIVA EM MINHAS ORAÇÕES.
BEIJOS
DA TIA CAROLIE.
Comovente. Sorte dela ter encontrado a Diva e a todos vocês. Exemplar.
abraços
profºJayro
Cesar,
As dimensões que você dá aos personagens concretos que giram em torno de sua vida são tantas, que é impossível não nos sentirmos próximos de todos eles, próximos das histórias que cada um soube construir e que, a seu modo, assim continuam.
Mais uma vez, parabéns!
Ah! consegui finalmente postar uma mensagem aqui, ao invés de enviar por e-mail.
E ah! também, a Michele está linda.
Abraços,
Carlos
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