A gente não trabalha com desconto

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Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição nº 1116 - sexta, 13 de fevereiro de 2009.
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De tempos em tempos coisas estranhas entram em moda no jargão dos comerciantes. A mais nova e detestável é esta: “A gente não trabalha com desconto!”. Aposto que você já ouviu essa besteira da boca da vendedora duma loja, assim que fez menção de pedir desconto para a sua compra recém-efetuada. Bem, eu já ouvi muitas vezes.
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Como você sabe, todas essas lojas embutem juros extorsivos nos preços das mercadorias, dessa maneira conseguem à custa do lombo alheio (o seu), compensar a carga de despesas operacionais que as operadoras de cartões despejam sobre elas, além de amortizar o passivo dos cheques devolvidos e ainda garantir um bom lucro adicional.
O lojista malandro passa a ter dois negócios: o primeiro de vender coisas e o segundo de ser uma espécie de banco-oculto-para-benefício-próprio.
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Sabendo disso, há tempos que eu só compro a vista. Mas saiba que para comprar a vista com sucesso, você tem de se transformar num negociador profissional. Lembre-se: eles querem arrancar seu couro! São treinados para esfolar, estripar e matar!
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Por isso, antes de pisar na loja, meta a cabeça para dentro e indague: “vocês me darão desconto para pagamento a vista?”. Se a resposta for não, vire as costas e se mande. Pode acreditar que se você não negociar antes, na hora em que pedir seu merecido abatimento no caixa, escutará: “A gente não trabalha com desconto!”.
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Você não se sente um imbecil quando ouve isso? E como se não fosse o suficiente, para consagrar a sua burrice a mocinha completa, candidamente: “É que o preço a vista é o mesmo para parcelamento em cinco vezes no cartão”.
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O mesmo!? Piorou, moça! Nem me diga isso! Obviamente há juros embutidos, tire-os para mim! Ou vocês são bonzinhos e assumem os custos financeiros dos parcelamentos dos clientes? Pareço alguém que não foi à escola, mocinha? Estou usando um nariz vermelho? Não é possível! Devo ter cara de palhaço!
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Considero esse tipo de postura uma ofensa. Fico furioso. Dá vontade de mandar a atendente e o gerente para o inferno, largar a compra e ir embora. O pior é que isso ocorre geralmente no mesmo tipo de comércio em que o vendedor é treinado para te caçar do lado de fora da loja, enquanto você namora inocentemente a vitrine. Sem graça, você ainda tenta escapulir: “É que eu só estou olhan....”. Tarde demais. Quando você se dá conta já foi arrastado pelo sovaco pra dentro do estabelecimento e está provando coisas e mais coisas... Terrível! E no final ainda sai com a sensação de que é um burro que não sabe calcular. Na verdade você sabe calcular, o que você não sabe é negociar...
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Mas voltemos aos jargões da moda.
Você pensa que esse negócio de “A gente não trabalha com...”, ficou só na questão do desconto? Que nada! Já ouvi a expressão com todos os finais imagináveis. O mais engraçado é que ela nunca faz referência ao produto ou serviço que de fato a empresa oferece, e sim a algum benefício que seria de se esperar que o cliente deveria dispor, mas que o comerciante não se digna a oferecer.
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Veja algumas das que já escutei:
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“A gente não trabalha com entrega!” – ao pedir ao atendente da padaria para que me entregasse em casa uma encomenda que eles levariam horas para aprontar.
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“A gente não trabalha com sacolas!” – a caixa de um supermercado, na hora em que eu pedi sacolinhas para embalar minhas compras.
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“A gente não trabalha com gelo!” – o balconista de um restaurante por quilo, num shopping center, logo após me entregar uma lata de Coca-Cola morna e me ouvir implorar por um cubo de gelo.
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“A gente não trabalha com celular!” – de uma operadora de telemarketing que tentava, na verdade, me dizer que elas não podem fazer ligações para celulares.
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“A gente não trabalha com currículo!” – ouvido por um desempregado amigo meu ao tentar deixar seu currículo na recepção de uma empresa.
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Não tardará o dia em que entraremos num daqueles estabelecimentos cheios de funcionários mal-encarados e leremos, num aviso afixado a uma parede:
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“A gente não trabalha com sorriso”
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Cesar Cruz
Janeiro 09
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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.
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13 comentários:

Anônimo disse...

Já ouvi essa praga desse a gente-não-trabalha-com-desconto. A vontade é de mandar pra M. ehehehe!

Abraços, Eric

Anônimo disse...

bela crônica, césar! Essa coisa de juros embutido é uma safadeza que só funciona em paises em que a população não tem acesso a educação de qualidade mínima. O pior é que todos aceitam! Por isso que quando uma voz solitária se manifesta pedindo o desconto que merece, causa estranheza. Os vendedores, nem eles entendem o conceito de juros embutido. Uma picaretagem institucionalizada. Concordo com você totalmente. A mim não enganam também!

bjos
Rita de Cássia
Vila Mariana
(ainda não tenho blog nem site!! Meu email: xxxx_xxx@uol.com.br)

Anônimo disse...

Cara! o q vc faz pro blog bombar assim? tudo quanto é post com um montão de comentarios!!!!!!
deve ser porque é bão, né? erererere!
Gostei desse texto aqui. Valew!
abraço
Emerson

Anônimo disse...

Olá Cesar,

Que você escreve bem nós já sabemos, mas tem algum assunto que você não seja capaz de abordar, meu amigo?
Muito boa crônica, muito boas dicas.
Quanto às técnicas de negociação, eu já aplicava há algum tempo e é por aí mesmo, tem que negociar antes de fechar o negócio. Afinal, o combinado não é caro pra ninguém.

Grande abraço!

Marcelo Lopes

Anônimo disse...

Hahahahaha, bem melhor.

Eu gosto de descontos sim!

E vc esqueceu de citar "no cartão de débito (que é a vista) é mais caro."

ha ha ha.

Beijos. Mara Ruzza
Como está a family? mande beijos meus

Anônimo disse...

nesse país o dinheiro custa muito caro. As pessoas acreditarem que um comerciante fará o mesmo preço para pagamento à vista ou parcelado em, por exemplo, 6 cheques, é assinar um atestado de burrice ou pôr um nariz vermelho, como você diz!
Muito oportuno este artigo! Parabéns! Thais

Anônimo disse...

César Cruz,

Meus parabéns! Li na Gazeta sua crônica. Excelente a sensibilidade e percepção do próximo que voce demonstra neste artigo. Para mim foi uma boa chacoalhada!

abraços - Telma Aguitè - do bairro da Mooca - Sao Paulo.

Anônimo disse...

Muito boa, bem escrita, gostosa. Me lembra bem o jeitão cronista do Luis Veríssimo, do Mário Prata, apossando-se do cotidiano para nos fazer pensar um pouco. É não é fácil enxergar as pequeninas coisas que rendem um bom comentário. Nisso a grande vantagem de vocês três. E, mais ainda, quando o fazem com alguma pitada de bom humor. Parabéns à sua perspicácia.

Abraços
Profº Jayro

Anônimo disse...

Boa tarde Cesar

Uma grata surpresa encontrar nesta Gazeta um bom texto como o teu. Fique com os meus parabéns sinceros. Espero topar com outras suas nestas páginas!
Murilo Mendes Filho (moro na Bom Pastor, pertinho do jornal)

CESAR CRUZ disse...

Queridos Telma e Murilo,

Creio que vocês estejam se referiando ao texto "Quem se importa?", certo?

Inserirei seus simpáticos comentários lá, ok?

Para acessá-los, vá ao menu "textos publicados" e clique no link direto.

Obrigado pelo prestígio!
Cesar Cruz

Anônimo disse...

MOÇO! DESABEI AQUI NESSE BLOG SEM QUERER, MAS AMEI ESSA HISTÓRIA! É DE UMA SACAÇÃO ÍMPAR! SIMPLESMENTE EXCELENTE E ABSOLUTAMENTE VERDADEIRO! COMIGO ACONTECE S-E-M-P-R-E!!!!!
BJO, FERNANDA
(ISHHH, SOU DE LONGE DE VOCÊ! SOU DE BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS!)

Anônimo disse...

Prezado Cesar Cruz.

Aceite os meus modestos cumprimentos! Excelente e precisa a crônica de sua autoria publicada na Gazeta Ipiranga. Uma grande surpresa também conhecer o seu sítio! Ótimos e criativos textos os teus.

Abraços
Romero
Ipiranga - Sao Paulo

Unknown disse...

Amigo,
Reli agora, com gosto e admiração, essa beleza de texto!
Chegar a não trabalhar com sorriso muitos já chegaram, só não têm coragem de dizer, não é politicamente correto.
Abraço e votos de muitas inspirações!
Onaldo