Sem um corpo para velar

Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição 1132- sexta, 05 de junho de 2009. _________________________ . Acompanhando esse último e terrível acidente aéreo, fiquei pensando no horror que deve ser para uma família viver uma situação como essa. A tragédia que não se limita às fronteiras da imensa dor de perder uma pessoa querida, mas extravasa pela maneira como ocorreu. Acidente aéreo. Um avião despenca no escuro da noite, em alto mar, com a pessoa que você ama dentro dele. Você ouve a notícia pela rádio, pelo noticiário...
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Fico pensando nos familiares remoendo desesperadamente, sofrendo a dilacerante dor da dúvida: Terá sido rápido? Terá havido dor e sofrimento? Terá sido instantâneo e imperceptível? No derradeiro momento que antecedeu o desastre, teria ele percebido que não haveria mais jeito, que morreria de qualquer maneira? Teria pensado em mim, em nós, nos nossos filhos?
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Depois de alguns dias sem notícias, acho que a pessoa finalmente compreende que não há mesmo esperanças; mas, e a despedida final, tão comum em nossa cultura? E o velório? Por mais terrível que seja a morte, por si só, não ter um corpo para abraçar, um caixão para carregar, é tenebroso!
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Como imaginar? Como conviver com a ideia de que o seu querido está inexoravelmente perdido, diluído num distante oceano escuro, de profundidades inimagináveis? Nos habituamos a proteger os que amamos numa redoma, num cofre, num relicário, até mesmo os nossos mortos queridos.
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Aquele corpo tão amado estará lá agora, sozinho, abandonado para sempre... Como conviver com isso? Se já é difícil para o Homem aceitar a ideia do mal irremediável, que iguala a todos num só rebanho de condenados, e separa, sem aviso, as pessoas que se amam, o que dizer de uma situação como essa?
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Ontem ouvi na rádio que a companhia Air France vai oferecer, a título de velório, aos parentes que desejem fazer uma despedida final, um sobrevoo à região onde o avião teria caído. Imaginem isso!
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Por mais espiritualistas que sejamos frente à morte, precisamos de um corpo para velar, precisamos ter a segurança de que, por fim, o depositaremos ali, naquele túmulo, na escuridão daquela cova. Ah, esses velórios tão doloridos, mas tão necessários!
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Entristecido pela inconsolável dor daquelas pessoas, acabei por me lembrar da bela canção de Lô Borges e Fernando Brandt:
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Cavaleiro marginal, banhado em ribeirão
Conheci as torres e os cemitérios
Conheci os homens e os seus velórios
Eu olhava da janela lateral
Do quarto de dormir...
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Cesar Cruz
Junho 2009
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* créditos dos parceiros no rodapé do blogue.

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11 comentários:

Ildes Lirine disse...

Nossa César... eu nunca tinha pensado nos horríveis velórios como algo tão precioso... Que contradição, que contra-senso! Um velório ser desejado! Mas não é que é verdade... em casos como esses... Imagino então no caso de pessoas desaparecidas.Quer coisa pior? A pessoa some. Pode ser um filho, um irmão, e nunca mais se sabe dele... se está vivo, morto, sendo torturado... melhor um velório mesmo! Um "bom" velório e a certeza de uma "boa" sepultura e de um descanso em paz.

bjos maranhenses pra voce
Ildes

Gabriel Fernandes disse...

Muito bom, meu amigo. O título é uma porrada, e a imagem reforça a sensação de vazio.

Abraço
Gabriel

André Lopes disse...

Cesar, com essa cronica vc conseguiu me despertar para uma verdade que eu não tinha pensado. Precisamos realmente saber que fizemos a despedida final ao ente querido e que seu corpo esta em local conhecido...... Os homens e seus velórios! Eu diria: os homens e seus mortos!

forte abraço!
André
Cambuci - SP

Rodrigo de Moraes disse...

fala césar!!!

quanto tempo não passava por aki... e quando passo tem um presente desses!

a propósito, acho que voltei com esse lance de blog...
da uma olhada:

www.moraesnosblogs.blogspot.com

abraços!

Anônimo disse...

é Cesar, como dizem é a única certeza que temos, basta estarmos vivos, mas não concordo quando diz da separação se é certeza que Deus é Pai, pelo menos para os que admitem, também é fatal que nos reencontraremos, mas isso, claro, não isenta a dor de não se ter o corpo presente para ser velado, pelo menos também para aqueles que fazem questão, enfim...
E lembrando mais um pouquinho da letra que talvez seja tão cruel, sem deixar de ser linda, quanto não se ter um corpo pra velar "... Você não quer acreditar, mas isso é tão normal..."

abraços a todos
xara
ipiranga

Manuela Malachias disse...

Caríssimo César,
estou de volta ao nosso mundo blogueiro, ainda que em marcha lenta...
Obrigada pelo comentário carinhoso. O "Agradecer" sempre se satisfaz com visitas amigas...
Aliás, comentando esse seu texto sobre o acidente e a questão da morte, você sabe que eu ACABEI de ler outro texto na mesma temática em outro blog que acompanho? Fica aí a dica, se você quiser dar uma passadinha, vale a pena conferir: www.pensamentosalados.blogspot.com.
Adorei o seu texto, aliás, tem muito a ver com o que tenho pensado, essa idéia da brevidade da vida, da diminuta idéia da posse, do consumo.. Como as coisas valiosas se perdem na vida, enquanto nossa existência se prende a coisas tão banais e inexplicáveis... Não dá para entender... Vamos vivendo então...
Grande abraço
ps: a Michele tá grandona!! que linda!

Nilo disse...

Grande verdade, seu César! Gosto das suas cronicas nesse jornalzinho! Pena que não sem sempre...
saudações
Nilo - Cambuci

Anônimo disse...

Se já não bastasse a dor de uma perda dessa magnitude, o que dizer de uma situação como essa em que não há o corpo do ente para ser velado? Deus tenha misericórdia!

Lino

Carlos Camargo disse...

Confesso que textos como esse seu, que nos colocam frente a frente com a brutalidade concreta de nossa condição finita, me deixam sem ação. Não à toa prefiro trafegar em áreas da abstração, seja por meio de imagens ou de escritas. Ainda assim li seu texto e percebi nele, como em outros, o quanto você sabe extrair valores poéticos até mesmo daquilo que nos dói.

Um abraço,

Carlos

Tais Luso de Carvalho disse...

É, César, esta tua crônica é pra derrubar. Nunca tinha pensado nisso: temos de enterrá-los! Trazê-los, mesmos mortos, para perto de nós; saber onde estão. Um corpo perdido, onde?? Ficamos com a sensação de que estão vagando... Aquela sensação de impotência. Foi braba essa tragédia.

Esses trechos nos incomodam muito:

‘Nos habituamos a proteger os que amamos numa redoma, num cofre, num relicário, até mesmo os nossos mortos queridos.’

‘Aquele corpo tão amado estará lá agora, sozinho, abandonado para sempre... Como conviver com isso?’

‘E o velório? Por mais terrível que seja a morte, por si só, não ter um corpo para abraçar, um caixão para carregar, é tenebroso!’

É coisa pra refletir, amigo.
Abraços
Tais luso

Anônimo disse...

É difícil saber qual dor é pior.
A dor da perda ou a dor de não poder se despedir! Nunca passei por isso, e desejo (mesmo sabendo que acontece) que ninguém nunca passe...receber a notícia que alguém que você ama se foi para sempre em um telejornal deve ser muito doloroso...

Concordo com vocÊ...sua crônica como sempre...Ficou ótima!

Bjos