A entrevista pá-pum

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Crônica publicada no Jornal do Cambuci e Aclimação*
Janeiro de 2010.
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Devo confessar: sempre sonhei em dar uma entrevista pá-pum. Desde que me conheço por gente, leio aquelas deliciosas entrevistinhas  nas revistas, feitas com os famosos. Funciona assim: o entrevistador faz uma pergunta e o astro responde com uma ou no máximo duas palavras, sem embromações, tudo rapidinho, bem cheio de charme. Pá-pum.
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Cor preferida? Verde. Comida? A da minha mãe. Um sonho? Pular de paraquedas. Um medo? A solidão. Pessoa querida? Meu marido. Parte do corpo que mais gosta? Meus olhos. Um defeito? A sinceridade. E por aí vai.
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A fórmula é boa, o problema são as detestáveis respostas óbvias, sem criatividade, política e artificialmente corretas. Um saco.

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E eu lá, na privacidade do meu vaso sanitário, lia as entrevistas e pensava: "Ah, se fosse comigo! Eu mostraria a todos o que são respostas verdadeiramente inusitadas e brilhantes!" Cheguei até a preparar algumas ótimas, caso algum dia um jornalista visionário me descobrisse.

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Passaram-se anos. Agora já estou beirando os quarenta, homem de meia-idade, careca, criando pneus na cintura, a vista cansada e... nada da minha entrevistinha pá-pum sair. Injustiça!
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E não adianta chiar, meu chapa. Entrevistinha pá-pum é assim mesmo, só gente famosa dá. Gente que sai como destaque na escola de samba, que faz aparições na televisão, técnico da seleção, políticos, mulher (que posou) pelada...

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Então, de repente, me ocorreu algo: "Péra lá! Afinal, agora também sou famoso. Escrevo pro Jornal do Cambuci já há dois anos! Bem que a turma lá podia quebrar o meu galho, eu que sou uma celebridade no bairro!"

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Revestido desta certeza, enchi o peito e fui à redação falar com a Ângela Marconato, minha redatora. Sentei-me de frente para ela e mandei:

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- Ângela, que tal eu conceder ao jornal uma entrevistinha pá-pum?

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Silêncio da Ângela.

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- Veja as vantagens, Ângela! Os leitores do bairro saberão mais sobre mim, sobre meus gostos, conhecerão meu Eu interior...

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- Bem, Cesar... hum... veja...

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- Vamos lá, Ângela, por que tantas reticências? A edição será um sucesso retumbante! Esgotará! Não faz essa cara, Ângela!

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- Cesar, você há de convir que...

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Fui-me embora. Ora, essa! Não vou convir porra nenhuma! Vou eu mesmo me entrevistar, isso sim! Fim de papo.

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E assim foi feito. Então, abaixo, com exclusividade para meus leitores fiéis do Jornal do Cambuci:
Cesar Cruz entrevista Cesar Cruz!

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Cesar pergunta: Boa tarde, Cesar! É um prazer descomunal tê-lo aqui em nosso jornal. Gostaria de fazer com você uma entrevista pá-pum. Sabe como funciona?
Cesar responde: Sei sim, é claro!

Cp: Então vamos lá. Cor preferida?

Cr: Verde

Cp: Comida?

Cr: A que minha mãe fazia

Cp: Um sonho?

Cr: Pular de paraquedas.

Cp: Um medo?

Cr: A solidão.

Cp: Pessoa querida?

Cr: Minha mulher.

Cp: Um defeito?

Cr: A sinceridade.

Cp: Parte do corpo que mais gosta?

Cr: Meus olhos.

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Cesar Cruz

Janeiro 2010

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*crédito dos parceiros neste blogue.

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