Alegrias modernas



Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação
Fevereiro de 2011

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Dois amigos iam no carro. Um dirigindo o outro ao lado.
– Cara, estou tão feliz!

E por que tanta alegria?

 É que ontem à noite estacionei meu carro numa rua escura e me roubaram o estepe!

–  Não entendi... Qual a felicidade nisso?

Cara, me roubaram quando o carro estava estacionado, sacou?

Tô na mesma...

Pô, pense nas vantagens! O ladrão poderia ter posto uma arma no vão da janela, me rendido! Assustado, ele poderia ter atirado e me matado, ou a bala ter entrado pela minha espinha e me deixado inválido, numa cadeira de rodas. Pior, ele poderia ter aproveitado o roubo e levado também o carro, com a minha família toda dentro, e eu não poderia reagir sob a mira de duas armas, pois poderiam ser dois bandidos em vez de um só. Imaginou isso? Agora você poderia estar chorando debruçados sobre o meu caixão...

– Puxa, é mesmo...

– Ou pior: eu poderia ter perdido a minha mulher! Pá! um tiro e um homem que desaparece correndo na noite escura... E seria só essa a imagem que eu teria para todo o sempre, a me perturbar enquanto eu vivesse. Mais terrível ainda: eu poderia ter acelerado para tentar fugir, aí o tiro viria de trás e acertaria um dos meus filhos nas costas, perfurando pulmão e coração, fatalmente, e eu acabaria internado num hospício, enlouquecido de culpa. Imagine então se eles entram no carro e nos levam para nossa própria casa, e roubam tudo lá, e depois nos amarram no banheiro enquanto bebem, enxugado uma a uma todas as minhas garrafas de uísque no gargalo? E claro, bêbados, jogariam álcool sobre nós e ateariam fogo, em meio à gargalhadas!

– Cacete, é verdade!! E eu que não tinha pensado nisso! Me animei também, que maravilha isso, hein?! Só um estepezinho...

Pois é, só! Diga se não é maravilhoso?

Ô, se é! Estou é com inveja de você! Olha, proponho pararmos num bar para um brinde em nome dessa tua alegria.

Perfeito! Tem um logo ali, ó.

Quem sabe me roubam o estepe hoje?!

Calma, calma... não se afobe, tudo tem seu tempo... Faz assim: estaciona ali naquela rua bem escura, quem sabe você dá uma sorte.
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Cesar Cruz
Jan. 2011
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8 comentários:

Caca disse...

Eis um de nossos estágios evolutivos, César. Antes era: "que absurdo, fui roubado!" Hoje é assim: "ainda bem que estou vivo!"

Abraços, Paz e bem.

Anônimo disse...

e é isso mesmo, a situação esta tão complicada, que agradecemos se algo "mais sério" não aconteceu, e ainda mais, quando vemos no noticiário quando acontece com alguém nos imaginamos no lugar dele como seria...

xara - ipiranga - sp-sp
abraços a todos

Anônimo disse...

Oh, admirável mundo novo!

abços
Henrique

Gabi Alkmin disse...

Ótimo texto! Triste, mas é bem assim mesmo. Tanta coisa ruim acontece que a gente fica feliz de saber que poderia ter sido muito pior!

Beijos!

Tais Luso de Carvalho disse...

rsrsrs, Cesar, eu até estou rezando para ter a sua sorte! Que ladrões amigos, gente fina!
Caramba, isso é maravilhoso! Viva o Brasil! Estamos começando a evoluir.

Beijo
Tais Luso

Pedro Luso de Carvalho disse...

Cesar,

Essa é a nobre função do cronista: a de contar com arte e humor o que se passa no nosso dia-a-dia, visando colocar em foco as nossas mazelas e importantes questões sociais para os leitores de hoje, e, também, amanhã, poder servir de fonte para os historiadores (sabemos que os documentos formais dizem menos que os fatos colhidos pelo cronista perspicaz).

Grande abraço,
Pedro.

Gabriel Fernandes disse...

Olá, meu caro.
Assim você vai se transformar no rei do humor negro, perdão, afro-descendente. Crônica curta, grossa e contundente.
Quero trocar de carro. Preciso que roubem o meu porque o seguro é maior do que me pagam na loja. Você, por acaso, pegou o telefone do ladrão?
Abraço,
Gabriel

Personal Studio 5 disse...

Texto IRADO! hahahaha

Impactante, meio triste e espantoso no começo...

No fim, arranca risos!

É normal? rs

Depois mostre esse texto para o Vagner. Alguns dias atrás ele teve essa "felicidade"!

Obrigado pelo apoio no blog!
Essa quarta pretendo colocar mais um artigo!

Espero suas visitas! Grande abraço,

Guilherme Zuim