Crônica publicada no Jornal do Cambuci (mai 2011)
e no Portal Mundo Mundano
-------------------------------------------------------
O meu problema é que não consigo sair de uma mesa de refeição sem antes dar uma limpadinha na gordura que caiu, enterrar os copos sujos uns nos outros, empilhar os pratos, recolher os guardanapos e carregar tudo pra cozinha. Quando sou acometido desse ímpeto na casa dos amigos, normalmente recebo o protesto da dona da casa, que quando vê que protestar não vai mesmo resolver, salta cheia de mãos na minha direção para me impedir, mas acaba abraçando o ar e caindo no chão, pois sou muito, muito mais rápido; um verdadeiro boina verde da louça, treinado no front, como se verá.
e no Portal Mundo Mundano
-------------------------------------------------------
O meu problema é que não consigo sair de uma mesa de refeição sem antes dar uma limpadinha na gordura que caiu, enterrar os copos sujos uns nos outros, empilhar os pratos, recolher os guardanapos e carregar tudo pra cozinha. Quando sou acometido desse ímpeto na casa dos amigos, normalmente recebo o protesto da dona da casa, que quando vê que protestar não vai mesmo resolver, salta cheia de mãos na minha direção para me impedir, mas acaba abraçando o ar e caindo no chão, pois sou muito, muito mais rápido; um verdadeiro boina verde da louça, treinado no front, como se verá.
E você pode estar aí pensando que não há problema nenhum nisso, que sua mulher iria mesmo adorar se você também fosse assim, e que, aliás, é melhor ela nem ler essa maldita crônica, porque se ler, além de te encher o saco, você ainda vai ter que ouvir que deveria, isso sim, fazer um curso de bom-maridismo comigo e coisa e tal...
Mas como eu ia dizendo, tenho esse sério problema mencionado acima, conhecido na medicina como Garçonismo. E isso não é nada bom, apesar de parecer ótimo, pois na verdade trata-se de uma patologia adquirida. Você não pode imaginar como esse mal tem me prejudicado quando estou fora da privacidade do lar.
Tudo começou em 1990 quando fui trabalhar de garçom. E fui garçom por dois anos, ali no Alcaparra, na avenida Pompéia, aqui em São Paulo. Se você não conhece esse pequeno restaurante naturalista, fica aí a minha sugestão. Vá lá almoçar num sábado e mande um abraço meu pro Carlão, é um de cabeleira comprida e cavanhaque, você vai reconhecer.
Aquilo ali era um ritmo alucinante, que começava às 11h30 e ia forte até às 14h. Ainda me vejo subindo e descendo aquelas escadas, correndo com bandejas e pratos, atendendo o salão de cima e o de baixo, tudo ao mesmo tempo — é que sempre faltava um garçom —, e às vezes lá ia eu para a cozinha ajudar a espremer as laranjas e lavar os copos... E veja você como é poderosa a força do hábito! Já se passaram 20 anos e não consigo me livrar disso.
No restaurante por quilo, por exemplo. Se vou comer com um colega da firma, assim que acabamos, já vou logo arrumando tudo. O pior é a cara de surpresa do pessoal ao me ver erguer numa mão toda a pilha de louças e com a outra esfregar o retângulo de papel na mesa inteira, de lá prá cá, em movimentos circulares, muito bem esfregadinho, como aprendi. Só costumo mentalmente lamentar a falta de um paninho e um bom borrifador com álcool, para o trato final no tampo de fórmica.
Dia desses fomos, eu e o Vagner, meu amigo lá da empresa, almoçar no elegante Galeto’s, com uns gringos. Lugar adequado para a negociação importante que teríamos. Clima austero, todo mundo de terno. O almoço transcorreu bem e parecia que tudo ia nos levando para o sucesso, mas assim que tomamos a última xícara de café, meu cérebro deu um clique e me pus em pé, os olhos arregalados, e já saí empilhando as coisas, limpando os pratos com a ajuda das facas, recolhendo os guardanapos do colo dos clientes, me debruçando por cima das moças, apanhando na palma da mão os farelos do pão que caíram por ali, depois ajeitando tudo, pondo as xícaras por cima, equilibrando uma montoeira apenas no braço direito, até a dobra do cotovelo (minha especialidade) e, por fim, absolutamente profissional, sem deixar cair nada, saí ligeiro na direção da cozinha, com um braço atrás das costas e o queixo pra cima, e entrei cozinha adentro até colocar tudo na pia, com intimidade e eficácia. Isso, claro, debaixo do silêncio espantado dos garçons, do maître e das cozinheiras.
É que fico cego nessas horas... É mais forte do que eu!
Quando voltei à mesa, estavam todos sérios e calados, me olhando. Só aí me dei conta da mancada. Os gringos não entenderam nada e o almoço terminou assim. Mal.
No carro, indo embora, o Vagner azedou comigo:
— Porra, Cesar, que merda foi aquela de recolher tudo e limpar a mesa!? Você só faltou passar o guardanapo na boca do doutor Hernandez!
— Foi mal, Vagner, foi mal...
Pois é, meus amigos; a verdade é que: uma vez garçom, sempre garçom.
Cesar Cruz
Maio 2011
11 comentários:
Fala Cesinha,
Na parte: "...é melhor ela nem ler essa maldita crônica...", na mosca! rsrs
Sobre o episódio narrado, não duvido, nem um pouco mesmo. Me lembrou os velhos momentos "pós-pizza", às sextas-feiras na casa da Bianca...as mulheres "tricotando" na sala e os homens, em pé, conversando na cozinha...mas era tudo por sua causa...rsrsrs
Grande abraço!
Marcelo
Bem lembrado, Marcelo, bons tempos aqueles que o César lavava os pratos na minha casa após nossas noitadas de pizza com o pessoal do grupo...
Os homens achavam que ele era um péssimo exemplo para os maridos, mas é claro que eu e as minhas amigas que ficávamos "tricotando", pensávamos exatamente ao contrário: Todos os maridos deviam seguir seu belo exemplo!!Bendito dom de garçom!
Ainda bem que o meu marido também lava muita louça em casa...
Ele, assim como o César, pertence ao grupo liderado pelo Gê, o famoso AMO (Associação dos Maridos Oprimidos).rsrsrs
Bom, para terminar, querido amigo César, continue assim e apareça em casa mais vezes... a minha louça, agradece. rsrsr
Um abração,
Bianca
Cesinha, a verdade é que uma vez virginiano, sempre virginiano!
Vixe, Sandrão se ferrou pois eu acabei de ler e vou imprimir para ele ler também!!! Quem sabe assim a criatura aprende!
Saudades de você e das meninas, beijo em todos
Glau
Hum adorei rsrsrrs , fiquei imaginando a cena e o rosto surpreso dos gringos kkkkkkk muito engraçado
imagine outras manias, as vezes inconfessáveis?
e o pior, das mesmas características que a sua, incontroláveis...
abraços
xara - ipiranga - sp-sp
Seguindo e retribuindo a visita no meu Blog Grande Mestre! abss
Eu já ia falar que isso pode ser TOC em vez de garçonismo, mas vi que alguém disse que "uma vez virginiano... " Você também é? hahahha! Eu não trabalhei de garçon, mas tenho uns habitos parecidos com esse seu. Em família me chamam de Maria do Rosário, referindo-se a uma tia que tenho com essa saudável(?) mania de ficar esperando todos terminarem para recolher a mesa de imediato e levar para a pia, limpar, lavar, varrer... hahahaha! Abração, César! Paz e bem.
kkkkkkk Ô, Cesar, que você faça tudo: tire a mesa, lave, enxugue e guarde até aplaudo!!! Está aí o homem moderno. Agora fazer isso num restaurante... Vou mandar lhe internar; e em camisa de força! kkkkkk
Um beijo
Tais Luso
Muito bom esse seu causo, Cesar.
Está tão engraçado e também insólito esse causo que fico a pensar se é uma descrição de um fato real ou se é criação do cronista.
Mas, sendo uma coisa ou outra, está muito bom.
Grande abraço,
Pedro.
Fico imaginando a cara do Vagner nesta situação inusitada....kkkk...só vc mesmo César....
Beth
Postar um comentário