éu preto. Fiz sinal pro táxi. Oxalá!, quase eu gritei de alegria
quando ele parou, porque eu já estava tomando aqueles pingões grossos na
careca. Pulei pra dentro do carro a tempo de vê-los (os pingões) desabarem
todos lá do céu, de uma só vez.
— Segue pra onde? — foi a pergunta do taxista, que eu mais intuí do que
propriamente ouvi, por conta do barulhão da chuva na lataria.
— Metrô Belém! — gritei — É o mais perto, né?
Ele não respondeu, porque acho que também não ouviu. Se nem eu com 42
anos estava conseguindo ouvir minha própria voz, que dirá ele, que parecia bem
velhinho.
Seguimos pelas ruas do bairro do Belenzinho, já empoçadas àquela altura. Fui observando
pela janela os transeuntes com seus guarda-chuvas se aglomerando nas
calçadas, duas moças aos gritinhos que, com cadernos na cabeça, buscavam
refúgio sob uma marquise, e os camelôs correndo pra desmontar tudo.
Enquanto meus
pensamentos vagavam, pelos meus ouvidos parecia ir entrando uma espécie de reza sonolenta, numa vozinha abafada
pelo barulho da chuva; certamente uma missa na rádio do táxi. Espiei no painel e o rádio
estava desligado. Não era rádio coisa nenhuma! Era o velhinho taxista, que recitava aquela ladainha e me espiava pelo
retrovisor, esperando que eu desse algum tipo de sinal. Apurei
os ouvidos para ver se entendia alguma coisa do que ele dizia.
Lá fora já não se enxergava um palmo
à frente do carro. E os trovões rachando sobre nossas cabeças. Enquanto o táxi
avançava passo lento, fui pescando alguns fragmentos das histórias que contava o homem, em seu uníssono monocórdio e de baixo volume. Para fazê-lo feliz, mesmo sem conseguir ouvir quase nada, eu ia vez por outra dizendo “Oh, é verdade!”, ou “Poxa, que coisa, hein?”.
Algumas passagens eu conseguia compreender, como a do pai dele, que na época da Segunda Guerra dirigira bondes ali pelo bairro, foi motorneiro; da mãe, que trabalhou a vida toda na extinta firma Moinhos Santista, na Marquês de Abrantes; do irmão, dois anos mais velho que ele, que quando eles eram meninos de calças curtas foi atropelado por um bonde e morreu na sua frente.
Algumas passagens eu conseguia compreender, como a do pai dele, que na época da Segunda Guerra dirigira bondes ali pelo bairro, foi motorneiro; da mãe, que trabalhou a vida toda na extinta firma Moinhos Santista, na Marquês de Abrantes; do irmão, dois anos mais velho que ele, que quando eles eram meninos de calças curtas foi atropelado por um bonde e morreu na sua frente.
— Não era o bonde do seu pai, né? — perguntei de um súbito,
repentinamente chocado.
— Não, com a graça de Deus... — ele disse.
E o trânsito ia fechado diante de nós, e o que deveria ser uma corrida
de 5 minutos já levava quinze. Não havia o que fazer. Impossível saltar na chuvarada a procurar uma estação que eu nem sabia onde ficava.
E na minha distração já ia avançado um relato sobre elevadores, e pelo que consegui escutar, desde mil novecentos e sessenta e alguma coisa ele não entrava em um, porque sei lá quem morreu num “despencamento horroroso” de um elevador no centro da cidade, e do corpo só sobrou a cabeça em cima dos sapatos...
E na minha distração já ia avançado um relato sobre elevadores, e pelo que consegui escutar, desde mil novecentos e sessenta e alguma coisa ele não entrava em um, porque sei lá quem morreu num “despencamento horroroso” de um elevador no centro da cidade, e do corpo só sobrou a cabeça em cima dos sapatos...
E tome história!
Na calçada uma confusão enorme causada pela tempestade que arrastou tudo, e dentro do táxi uma
profusão de causos que se sucediam loucamente. Agora ele contava o drama de um câncer que tinha vencido “com a força do trabalho”, porque o
homem não pode ficar ocioso nem na hora da doença e...
Trovão! Cabrum!
— Porque a minha senhora, que...
Catabrum! Chuaaaá!
O final dessa frase se misturou a todos aqueles barulhos, e me sucedeu uma aflição, porque desconfiei que houvesse
acontecido alguma coisa com a senhora dele.
— O quê? —
perguntei; mas ele não parava nem por Deus de recitar suas histórias; nem pra ouvir os outros, nem pra esfregar a flanela no para-brisa que ia espalhando o embaçado do vidro. Por fim eu fiquei sem saber se o complemento da
frase seria:
“Porque a minha senhora, que hoje é acamada,...”; ou:
“Porque a minha senhora, que não gosta que eu
conte histórias,...”; talvez:
“Porque a minha
senhora, que acha essas chuvas um perigo,...”;
Ou um terrível:
“Porque a minha senhora, que Deus a tenha,...”.
Sei que àquela altura o táxi já estava encostado no meio fio. Paguei a corrida e chapinhei na enxurrada até a segurança da cobertura da estação, mas ainda a tempo de ouvi-lo enfim
se apresentar:
— Luiz Fernando, seu
empregado!
Cesar Cruz
Jan 2013
7 comentários:
hum! Ainda temos (irmãos) o privilégio de papai estar vivo e contar suas inúmeras, infindáveis, infinitas estórias deste tipo, misturado com o tempero de seu bom humor fino e elegante. Ah! meu amigo que coisa mais gostosa... ficaríamos ali horas incalculáveis a lhe ouvir sem desanimo e canseira nenhuma, então, sempre que podemos nos aproveitamos ao máximo desses minutos impagáveis.
Abraços - xara
ipiranga - sp-sp
Fala Cesinha,
Muito bom! Enquanto lia lembrei de um causo que se passou comigo na Cidade Maravilhosa no início dos anos 90. Peguei o taxi em frente ao aeroporto Santos Dumont sob uma chuva torrencial e falei meu destino. Devido ao barulho dos pingos na lataria do carro (semelhante ao seu causo), o taxista entendeu outro...ainda bem que ele relevou e não cobrou corrida extra...rs
Abração!
Marcelo, desculpe, não pude evitar a piada, mas acontecer isso hoje no Rio, de não cobrar viagem extra, seria praticamente um milagre...
xara
Cesinha
Uma queda de elevador que achata o cara e só deixa a cabeça em cima dos sapatos é ótimo. Esse velhinho taxista é um artista, contrata o homem pra te inspirar nas metáforas!
abç
HL
Hahaha, boa xara! Concordo com você quando diz "hoje", mas o fato ocorreu há 22 anos.
Abs
Oi Cesar
Engraçado a quantidade de historias impressionantes que ouvimos assim, numa corrida de táxi ou na fila do banco, em qualquer parte, pena que a chuva atrapalhou essa aí
Abraço
“A VITÓRIA PERTENCE AO MAIS PERSEVERANTE..
“O SUCESSO É A SOMA DE PEQUENOS ESFORÇOS”...
Parabenizo e homenageio por meio deste o ESCRITOR CESAR CRUZ e toda a equipe pelo lançamento do livro “O HOMEM SUPRIMIDO”. Parabéns pelo EXCELENTE TRABALHO, DETERMINAÇÃO E PROFISSIONALISMO, realizado neste belíssimo trabalho e um brinde pelo SUCESSO! O potencial de trabalho de vocês é de grande valor para a comunicação brasileira. Recebam esta singela homenagem com meus sinceros votos de muitas realizações e planos futuros. Desejo nestas poucas palavras votos de muita SABEDORIA, CONHECIMENTO, ENTENDIMENTO e principalmente DISCERNIMENTO em todos os seus caminhos. Acabei de depositar na conta de vocês a importância de muitos DIAS, SEMANAS, MESES E ANOS DE FELICIDADE E PROSPERIDADE, SAÚDE, PAZ, AMOR e que Deus estenda às mãos sobre vocês e toda sua família e acrescente 100 por cento de juros em cima de tudo isso.
“A MAIOR RECOMPENSA PELO TRABALHO NÃO É O QUE A PESSOA GANHA, MAS O QUE ELA TORNA- SE ATRAVÉS DELE.”
DESEJO SUCESSO A TODOS!
PAULINHO Solução
www.paulinhosolucao.blogspot.com
paulinhosolucao@gmail.com
pssolucao@hotmail.com
Salto/SP
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