Gosto dessa gente...


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publicado no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Agosto de 2008.
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publicado no livro A IDADE do VEXAME & Outras Histórias
PONTES 2011
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Gosto dessa gente que vende coisas na rua.
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Ainda que eu não concorde com a atividade de "vender coisas na rua", me identifico com essas pessoas. São vendedores como eu. Gente que está aí, batalhando o pão suado de cada dia. Literalmente de cada dia!, pois ao contrário do que a maioria imagina, essa gente que vende coisas na rua, normalmente compra a "mistura" para o jantar da família assim que a noite cai e o saldo do dia é contabilizado. Vendeu pouco não tem mistura. E muitas vezes não se tem nem para o feijão...
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Estou consciente de que eles não estão ali, vendendo coisas na rua, porque gostam ou preferem como muitos insistem em afirmar, mas porque a vida e a injustiça social deste triste país, assim lhes impõem.
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E como a necessidade os faz criativos! Há algum tempo, os vendedores de coisas na rua inventaram aquelas balas ensacadinhas que são colocadas no retrovisor dos carros no semáforo; idéia esplêndida! Resolve dois problemas, primeiro: não obrigam o motorista a interagir abrindo o vidro e, segundo: ainda ganham em número de carros abordados e saúde, correndo ida e volta a tempo de pôr e recolher a mercadoria. É bem verdade que, graças à enorme poluição do ar, respirada diretamente da boca dos escapamentos dos caminhões, uma pequeno câncer pode surgir, mas besteira! Nada que os vendedores de coisas na rua não possam contornar com seu otimismo tipicamente brasileiro e com a ajuda tão valiosa do SUS.
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Trabalho ao lado do Metrô Vila Mariana e ontem, no fim da tarde, ao passar em frente à estação fui surpreendido por uma dessas idéias brilhante. O criativo vendedor de coisas na rua, vendo-me parado de boca aberta em frente ao seu carrinho, adiantou-se: "vamo lá dotô, vamo toma um suquinho natural feito na horinha?".
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Uma plaqueta ao lado explicava: suco saldavel de laranja natural - pq 0,50 e gd 1 real.
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Estufei o peito orgulhoso – afinal, acabara de virar doutor! Título que definitivamente não detenho - e pedi um pequeno. O homem pegou duas laranjas da pilha, cortou-as e apertou-as sobre o pequeno espremedor elétrico, ligado em um gerador portátil ao lado.
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Enquanto preparava minha encomenda, ia reforçando seu marketing explicando-me que o suco natural espremido na hora "é melhor pro doutor do que esses aí que a turma vende nessas garrafinha".
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Parti instruído, envaidecido e bebendo o meu suco natural de laranja, fresquinho, espremido na hora.
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Fui caminhando e pensando que, por mais que argumentem, não me convencerão facilmente que um pai de família prefere ganhar a vida com uma atividade incerta e precária como aquela, a trabalhar em uma empresa, ter registro em carteira, receber benefícios e ter um mínimo de segurança.
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Só aceitarei tal argumento, no dia em que me explicarem por que cargas d’água, na Suécia, não tem gente sueca vendendo coisas na rua.
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Cesar Cruz
Julho 2008
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* créditos dos parceiros no rodapé deste blog.
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24 comentários:

Anônimo disse...

É mesmo cesar. é fácil a gente olhar essa gente sofrida que vende coisas na rua e dizer que eles deveriam sair dali, arrumar um emprego e parar de nos importunar.
como voce diz: na suécia nao há suecos nas ruas vendendo nada e nem pedindo nada pra ninguem! mas se esse pais fosse justo...
abraços
Waldemar
9.7.08

Anônimo disse...

Gostaria de ver os nossos adoráveis políticos ,esses seres bizarros, que se esquecem do povo depois de eleitos, terem que trabalhar só um pouquinho no lugar de um desses batalhadores de verdade.
abss
PJ
9.7.08

Anônimo disse...

oi
sobrinho
gostei!

bjs Tia Therezinha
9.7.08

Anônimo disse...

Ishhhh!! Aí uma bôa pergunta, meu caro... Vamos deixar o povo trabalhar e parar de filosofia vazia. Quem não passa por isso não sabe o que é ter q ser camelô, ambulante, faz tudo! É isso ai!
tudo de bom
Carlos Zari
31.7.08

Anônimo disse...

Oi, meu caro.

Agora vou provocá-lo para valer. Vale como tema para discussão:

A coisa está toda errada, a ponto de achar-se que é justo e digno alguém ocupar ruas e praças oferecendo todo tipo de mercadorias como uma forma de sobrevivência. Não tenho por que gostar dessa gente que enfeia minha cidade, atrapalha minha locomoção, dá ensejo a que marginais, disfarçados de camelôs, proliferem na cidade vendendo produtos oriundos de roubo, falsificação e contrabando, além de armas e drogas e serve de massa de manobra para políticos e ONG’s inescrupulosos.

Você fala em pai de família. Pai pressupõe condições iniciais mínimas. O cara para ser pai de família teria de dispor de recursos próprios para isso, a começar pela educação. O indivíduo tem de aprender que ele é o único responsável por si mesmo, que ele deve responder por seus atos, que a sociedade não lhe deve nada, que não existem direitos econômicos inatos. O cara não pode ser tratado como intelectual e civilmente “menor”. A assistência social deveria ser excepcional e provisória, não um meio de vida.

Se um cara não consegue sequer se sustentar, como pode constituir uma família? Você fala de uma sociedade injusta ou de um país injusto. Injusto é que eu tenha apenas o número de filhos que seja capaz de criar e educar às minhas custas e me veja obrigado a entregar a maior parte da minha renda para manter famílias de pais irresponsáveis que fazem filhos irrefletidamente. Injusto é um cara pendurar precariamente um barraco num morro pondo em risco a vida de seus filhos. Injusto é gerar-se filhos para a ignomínia, a miséria e a desesperança.

Claro que não tem mendigos ou ambulantes na Suécia. Lá não se produzem crianças irresponsavelmente. Não há famílias, ou melhor, casais com doze, dezoito ou mais filhos. Não há assistência social que conserte isso. Mesmo se toda nossa renda, da classe média, e até da classe de pessoas ricas, fosse desviada para essa população, a miséria não seria reduzida, pelo contrário, aumentaria: seríamos todos pobres.

A Suécia é um país capitalista e o que se vê nas ruas de Estocolmo ou de outra cidade sueca qualquer são os reflexos dessa condição. Nós não somos um país capitalista. Parte vive um arremedo de capitalismo, sujeitos a um governo assistencialista e a tributos medievais: os bairros ricos e de classe média alta nas grandes cidades. A outra parte vive na idade média, com condições sanitárias semelhantes, com comportamento semelhante, com idéias semelhantes, com crenças semelhantes. Daí a miséria. São os filhos da gleba.

A solução não é deixar que essa horda de miseráveis ocupe as cidades e as transformem em mercados indianos, chineses ou egípcios, que as transformem em imensas favelas, que as destruam.

Não há boa vontade, não há esmola, não há suco de laranja que mude isso. As pessoas devem ser convencidas de que o mundo mudou, de que mais filhos significa mais miséria. Famílias numerosas são insustentáveis, são contrárias ao modelo capitalista de produção e ao número de pessoas que atualmente ocupam o planeta. O rico quando se casa com outro rico, concentra a riqueza. O pobre quando se casa com outro pobre, multiplica a miséria. Esta é a lógica, o resto é filosofia.

Abraços
Gabriel
7.8.08

CESAR CRUZ disse...

Amigo Gabriel,

Não acho que seja justo ou digno uma pessoa trabalhar na rua, só acho que na maioria das vezes, tal pessoa não teve lá muita escolha... Claro, eu que nasci num berço bacana, com condições mínimas, tenho muitas vezes dificuldade de compreender a vida de quem nasceu na miséria, num lar de violência, de analfabetismo, sem higiene, saneamento, educação... "Só sabe quem passa", como diz o adágio popular... Reitero que "gosto dessa gente...", porém não concordo com a atividade de vender coisas na rua. Nesse ponto concordamos. Vender coisas na rua é horrível! E sei bem por que na Suécia não tem gente vendendo coisas na rua... Isso é um problema histórico do Brasil e de países subdesenvolvidos, que durante décadas (ou séculos) não ofereceram condições mínimas para o desenvolvimento humano.
Aqui no Brasil a mulher faz filhos e joga no córrego. O pai de família sobe um barraco sobre uma palafita e assim vive... Gente que age irrefletidamente, como vc diz... Mas por quê? Porque não tiveram chance de nada, nem de aprender o mais elementar! E ainda que saibam o que é certo ou errado, o que fazer se só há aquela saída?
País triste esse nosso, Gabriel...

Aqui o $ que deveria ir para o povo vai prum paraíso fiscal qualquer, enriquecer a conta de algum dos marginais do poder, que aliás, nunca veremos na rua vendendo nada, a não ser sua cara de pau em época de eleição.

Abç
Cesar
7.8.08

Anônimo disse...

Cesar,
acho que o ser humano é muito mais do que o que vemos por aí. Alguns não tiveram oportunidade, concordo, mas muitos preferiram não aproveitar as oportunidades. Conheço muitos professores de escolas públicas, inclusive minha filha. Educação não significa nada para a quase totalidade dos alunos. O governo joga nosso dinheiro no lixo, mantendo escolas que formam analfabetos funcionais e marginais. Ao governo só interessam as estatísticas falaciosas, aos alunos, a merenda escolar, a bolsa escola, o uniforme e o material escolar que vendem ou trocam por droga. Essa é a realidade.
Gostaria que fosse diferente. Gostaria que os pais mandassem os filhos para as escolas por valorizarem a educação, não pela comida ou pelo dinheiro. É triste, realmente, é muito triste.

Grande abraço,
Gabriel
7.8.08

CESAR CRUZ disse...

Gabriel,

De fato, muitos não abraçam a oportunidade; mas por que será isso? Eu me arrisco a dizer que é por total falta de base. Que base? Base escolar, base cultural...base, fundamento! A pessoa que não teve acesso a essas "bases", não consegue muitas vezes nem ao menos compreender o valor exato das oportunidades. Fica imersa em um mundo onde a cultura e as regras de como proceder e o que fazer da vida, são oriundas do gueto em que nasceram; daquela favela, daquele submundo. Com isso não quero dizer que não é possível reverter esse quadro, sair dessa lama, emergir, mudar! Sim, acho que é possível. E sei que o mundo e o Brasil estão repletos de histórias assim, mas nem todos tem essa força, essa gana... Para a maioria, não ter cedido ao assédio da criminalidade e ter acabado vendendo mentex no farol, dignamente, já é uma vitória.

Abraços
Cesar
7.8.08

Anônimo disse...

César
Cuidado com os coliformes fecais nesse suquinho de metrô! rere!
Apesar que os sucos das padarias da vida são bem nojentinhos. acho que piores do que o da estação. Cara! Acho que vou pra suécia!rerere!
abz, Fábio
8.8.08

Anônimo disse...

Oi Cé, meu querido Amigo!

Só consegui ler agora, mas amei esse causo!
Poxa que legal ver a vida com estes olhos observadores. Eu, por exemplo, tomaria meu suco e nada mais, não me deteria a tantos detalhes tão especiais.

Um beijo e parabéns!

Sil
9.8.08

Anônimo disse...

Prezados César e Gabriel,

Vcs estão se esquecendo do básico... o ser humano não deixa de ser um animal...., se há a possibilidade, todas serão utilizadas, há gente de bem, e gente sem valor vendendo suco, o corpo, a alma...
Na Suécia, há a seleção natural, neve que faz com que o analfabeto morra na primeira geada de novembro.
Em todos os países onde há a possibilidade de sub-existência, (países tropicais e meridionais), há de tudo, assistencialistas, capitalistas, político sujo, político digno. Inclusive nos EUA, existe mendigagem, roubalheira, e é um país de 1o mundo. É a raça humana e suas vertentes que fazem as diferenças, elas sempre existirão, cabe a nós tentar não formar parte do joio e sim do trigo.

Abç

Baxo
11.8.08

Anônimo disse...

Esse eu já tinha lido. Achei perfeito sair publicado justamente porque incita o debate.

beijos,

Martha
12.8.08

Anônimo disse...

Colunista,

Quero te dizer que o fato de voce ter afirmado que gosta das pessoas que vendem porcarias na rua, transforma seu artigo numa apologia a esta imundície urbana. Voce tem que tomar cuidado com o que escreve, amigo.
12.8.08

CESAR CRUZ disse...

Caro comentarista anônimo,

Uma pena você ter esquecido de se identificar... Eu sempre prefiro me dirigir às pessoas pelo nome.
Creio que você não tenha entendido a crônica. No segundo parágrafo, grafei o seguinte: "Ainda que eu não concorde com a atividade de 'vender coisas na rua', me identifico com essas pessoas.".

Então é isso... reitero a afirmação. E completo: gosto sim dessa gente. E gosto muito.

Ah, importante: você tem que tomar cuidado com seus comentários, pode estar sendo reacionário e sectário, mesmo sem se aperceber.

De qualquer forma agradeço a participação.

Saudações
Cesar Cruz
12.8.08

Anônimo disse...

Meu prezado Baxo,

Perfeito, assino emBAXO.

Você tem razão, meu caro, não é fácil não se deixar ser levado pela manada. Por meu lado, não admito ser patrulhado principalmente pelos que se dizem de Esquerda (seres indefinidos incapazes de explicar de maneira minimamente lógica o que é ser de Esquerda) e querem nos impingir regras de comportamento. Não quero fazer parte do joio, o que não é fácil.

É muito cômodo não assumir responsabilidades e depois atribuir ao sistema (o que quer que seja isso), à sociedade e ao cazzo a responsabilidade por nossos fracassos e misérias.

Realmente somos animais, condição que muitas vezes esquecemos. Ninguém é responsável por ninguém e a vida continua a ser uma luta pela sobrevivência. Os melhores, ou os piores e mais espertos, se dão bem, o resto fica de mão estendida, ou de pires na mão, esperando as migalhas, as esmola de um Estado previdenciário, perdulário e corrupto, o que às vezes é muito vantajoso.

Não admito que me atribuam um passivo de miseráveis a quem devo socorrer, alimentar, proteger ou carregar nas costas. Não dou a ninguém o direito de me impor responsabilidades inatas que não desejo assumir e nem tenho obrigação moral, ética e o escambau.

Quando alguém rompe as regras básicas da convivência civilizada, atribuindo-se o direito de enfear e emporcalhar as cidades, de privatizar espaços públicos, de desrespeitar o direito de propriedade para satisfazer suas necessidades pessoais, a primeira vítima é a própria dignidade. Se essa gente é vítima, é vítima da própria irracionalidade, imprevidência e acomodação.

Não há como ajudá-los, sem que contribuamos para perpetuar e agravar a miséria. Não se ensina nada a ninguém. O aprendizado é conseqüência de uma manifestação de vontade: o indivíduo tem de desejar aprender. Não se aprende só nas escolas, aprende-se no trabalho, nos relacionamentos pessoais (patrão-empregado, por exemplo), aprende-se por observação, desde que se deseje.

O César é um cara bonzinho, sensível e deve ser até religioso: ninguém é perfeito. Ele que continue a tomar seus suquinhos, a pagar as prestações de seu cantinho no céu, e a curtir diarréias homéricas. O inferno é grátis. Vou me dar bem lá emBAXO.

Abraços,

Gabriel
12.8.08

Anônimo disse...

César, Parabéns por sua sensibilidade!
Vilma, Vila Monumento
15.8.08

Anônimo disse...

AS PESSOAS DA RUA Vs AS PESSOAS DO AQUARIO

César, boa tarde.
Sou Maria do Socorro e tenho 63 anos. Sou aposentada e moro no brooklin, em são paulo. Minha filha mora na rua Lavapés onde residi por uma vida, antes de meu marido morrer em 87. Ela recebe o jornal e me traz aqui em casa. Li seu artigo. César, querido, li seu artigo há pouco e quero oferecer-lhe meus cumprimentos. É exatamente isso. Este é um país miserávelmente desgraçado e injusto. O povo come o pão que o diabo amassou, enquanto isso as pessoas das classes A e B em seus áquarios artificiais e com ar refrigerado, fazem considerações e estatísticas baseadas em conceitos americanos. Vá eles precisarem amanhã de um SUS! Vá eles precisarem amanhã ganhar a vida de uma forma qualquer! O mundo da muitas voltas e sei que qualquer um sairia na rua pra vender coisas se não tivesse como sustentar sua família.
A maioria desses depoimentos reflete nada mais do que a visão pequena de quem não conhece a realidade dessa vida, mas se arvora de ser possuidor de conceitos academicos refinados e eruditos. Não se mata fome com estatisticas e conceitos. O governo militar e os governos incompetentes e corruptos que o sucederam, provocaram e provocam uma exclusão da ordem de milhões de pessoas. A culpa não é dessas pessoas, voce esta certo! Eu também gosto deles. São meras vítimas, e voce disse muito bem em uma resposta a um comentário quando afirmou que lhes faltou oportunidade até mesmo para discernir. Perfeito. Só que as pessoas diplomadas e eruditas, enfiadas em seus aquários, simplesmente não conseguem enxergar isso. Não adianta lutar meu querido, essa é a opinião egoísta da maioria das pessoas que voce e eu conhecemos.
Parabens pelo artigo, algo de bom, enfim, nesses jornalzinho do meu Cambuci.
um beijo para voce e sua família.

Maria do Socorro
15.8.08

Anônimo disse...

César, faça a seguinte pergunta às pessoas:
Você sabe o que é não ter e ter que ter pra dar?
Indague apenas isso. A partir da resposta saberá quem apoiará ou quem rejeitará seu artigo.
Nilton
16.8.08

Anônimo disse...

Meu caro César,

O debate foi para uma direção que eu sabia que iria, para o lado passional, para o lado pessoal. É muito mais fácil reagir emocionalmente do que adotar uma postura racional e justa.

Eu entendo sua postura e a respeito e sei que você, racionalmente, concorda com algumas de minhas argumentações.

As pessoas tendem a raciocinar dualística ou maniqueisticamente: o certo e o errado, o bem e o mal, o rico e o pobre. Imaginam que o sucesso de alguém é sempre conseguido sobre o fracasso de outros. Neste país, ter sucesso, estar bem de vida, é pecado, é crime, significa viver num aquário. Algumas pessoas buscam nos outros culpados pelos seus fracassos. Nunca fazem uma análise crítica sincera de suas atitudes perante a vida. A inveja é um sentimento destrutivo. Raciocinando logicamente, parece que o ideal, para elas, seria que todas as pessoas fossem pobres, vivessem miseravelmente, aí elas seriam felizes. Falta-lhes, no mínimo, uma perspectiva histórica.

Acreditam que quem tem uma condição de vida melhor tem obrigação de ajudar os que estão em situação de pobreza. Não sei de onde tiraram essa idéia. Ninguém é responsável por ninguém. Somos seres individuais, somos indivíduos que, por necessidade de sobrevivência, vivem, gregariamente, em grandes sociedades.

Quem tem um pouco mais de conforto, como eu, esforçou-se para isso, sacrificou parte de sua infância e juventude estudando e trabalhando arduamente. Nada caiu do céu, nada veio do Governo, nunca esperei nada dos outros, nunca estendi minhas mãos. Simplesmente escolhi estudar como louco: decidi que não seria pobre a vida inteira.

Os que vivem num aquário, certamente têm mais da metade de sua renda confiscada pelo Governo em forma de impostos escochantes que, teoricamente, deveriam ser usados, em grande parte, em programas sociais. Eis a nossa contribuição.

Os pobres não são irracionais ou menos inteligentes. As oportunidades de evoluir estão presentes, basta querer, basta ter disposição. Conheci várias pessoas pobres, quase miseráveis, que não encaravam sua situação com fatalidade, foram à luta e se deram.

“Embora a Peste (Negra) que se abateu sobre inúmeras cidades ao longo de nossa história esteja erradicada em nossos dias, muitas outras pestes nos rondam: a ignorância, a irresponsabilidade, a miséria, o desrespeito às leis, a criminalidade, a corrupção, a preguiça, a injustiça...”.

“Quando os ratos começaram a surgir nas ruas das cidades e a espalhar seu sangue pútrido antes de morrerem, os habitantes dessas cidades espantaram-se e a tudo assistiram incrédulos. A seguir, quando a peste atacou, recusaram-se a aceitar a verdade, afirmando que era um mal já completamente erradicado. Enquanto até mesmo as autoridades tentavam desvencilhar-se das evidências, a Peste se infiltrava e iniciava sua inexorável matança. À medida que os números de mortos se somavam, aos poucos as pessoas se conscientizavam da situação trágica”.

“É exatamente o que nos acontece diariamente, não precisamos nem mesmo nos reportar a algum acontecimento trágico. Mesmo em qualquer vicissitude de menores proporções, nunca acreditamos que aquilo esteja acontecendo. O homem deseja para si tudo de bom e quando o ruim acontece, a primeira reação é a recusa, a fuga da realidade. Porém, é preciso aceitar o lado ruim, pois só assim o homem começa a se adaptar e a reagir, acionando seus instintos e suas forças de sobrevivência”.

“O escritor é uma das sentinelas dos acontecimentos e tem a ingrata e difícil tarefa de permanentemente alertar para o que está na iminência de ocorrer”. (excerto de A Peste de Albert Camus).

A situação de nossas cidade é insustentável, basta projetá-la para os próximos anos. É muito cômodo enfiar a cabeça num buraco, jogar a culpa nos outros e acreditar que tudo vai passar, tudo vai se resolver sozinho, basta agirmos com caridade.

Abraço fraterno,

Gabriel
19.8.08

CESAR CRUZ disse...

Gabriel, concordo com muito do que vc escreveu. Diria com uns 90%.
Na verdade, este espaço de debate é aberto. Eu libero todo e qualquer comentário que venha, mesmo que seja "pegando pesado", como fez o senhor anônimo. Claro que algumas vezes me dou ao direito de responder.
Bom, o bem da verdade é que só pretendi dizer que gosto daquelas pessoas! E que eles, dentro das possibilidades mínimas que tiveram, estão suando o pãozinho do dia! Só isso. Pra fechar: 1) tb não gosto de sujeira na rua. 2) Também preferiria que o governo fizesse sua parte, como faz, por exemplo, na Suécia. 3) Tb sou contra o assistencialismo gratuito. Acho que deve sim haver ajuda imediata, mas quem recebe a ajuda imediata, deveria ser "obrigado" a entrar em cursos de capacitação (oferecidos pelo estado) e programas afim, para que em breve, não precise mais da esmola.

Abs, Cesar
19.8.08

Anônimo disse...

Meu caro,
O assistencialismo é uma praga. Nos países ditos civilizados, o salário
desemprego é pago ao desempregado desde que ele se disponha a procurar
emprego todos os dias e/ou a participar de cursos de reciclagem e
aperfeiçoamento profissional. As agências governamentais que pagam o
salário-desemprego indicam os lugares onde existem vagas e o desempregado é
obrigado a se apresentar para entrevistas. Aqui em nosso país,
salário-desemprego virou esmola e o que produz é um exército de vagabundos,
sanguessugas e aproveitadores, na sua maioria.
A esmola vicia e desmoraliza o homem e o condena à indigência moral
permanente.
Não sou contra a ajuda governamental, desde que temporária e sob condições
rígidas. A ajuda deve representar uma mão forte que tira o necessitado de
sua condição de exclusão e penúria. A esmola pura e simples, qualquer que
seja o nome que lhe dê, é a pior das atitudes que se possa adotar.
Abraço, Gabriel.
19.8.08

CESAR CRUZ disse...

Concordo 100%!

Anônimo disse...

Prezado Gabriel,

Talvez não volte a ler meu comentário, pois já faz vários meses que esta crônica foi postada e a discussão encerrada.
Faço-lhe algumas perguntas.
1) Ralou de estudar em colégio público ou particular?
2) Quando diz que perdeu a juventude trabalhando duro, explique-me como foi o seu 1o emprego? e de que forma o conseguiu?

Verá que nesta vida por mais que não te satisfaça o pensamento econômico, de assistencialismo, quem não usufrui ,paga e vice-versa.
O governo não é máquina comercial, e sim administrativa. Se não faz com o meu $$ nem o seu $$ (que somos pessoas que por méritos próprios, sem ter ferido, subjugado ou lesado a qualquer outro cidadão, conseguimos o conforto, pelo qual trabalhamos e merecemos), como formar as escolas públicas????
Eu concordo com seus argumentos, não creio em esmola (nem como forma de ajuda, a esmola mantém o indivíduo na ignorância, permite a acomodação e mantém o ciclo vicioso). Apenas te convido a refletir, se suas suposições não são utópicas. Faça como quiser , pense na solução que imaginar, continuo afirmando que não há saída, exatamente porque quem não consegue crescer e sair da miséria (seja por falta de vontade, caráter, por ignorância, por indolência, por qualquer motivo, desde o mais justificável ao mais condenável) em países de condições de subexistência favorável como o nosso e diversos outros, haverá de tudo.
Tudo o que pode haver, haverá( onde não há, é porque não pode, simplesmente não pode..e Darwin já havia explicado isso a muito tempo atrás). Portanto reitero ..seja trigo e transforme o máximo de joio em trigo que puder e quiser e merecer, pois é só o que realmente e praticamente nos cabe, o resto é falácia.

Baxo (meu apelido foi voluntariamente alterado para uma forma errada da escrita, apenas para melhor identificação do indivíduo, não pense que sou um ignorante e inculto qualquer....sou um ignorante e inculto "ÚNICO")

Tais Luso de Carvalho disse...

Cesar:

Muito boa essa tua abordagem. O que fazer? De um lado não tiro a razão dos temerosos, dos que têm medo de assaltos nos semáforos ou em abordagens na rua simulando pedidos de informações. Por outro lado, se essa gente de rua não têm oportunidade, como vão viver? O Estado garante alguma coisa? Não: ao contrário.

Recebemos instruções para não comprarmos, dar e nem abrir os vidros do carro. E agora?

Acho o seguinte: vivemos num país que sequer garante um sistema de saúde digno; que sequer oferece segurança e educação. Então que deixe o povo vender, trabalhar para sobreviver.

Não somos um país de primeiro mundo, então não cabem comparações. Nem todos sabem, e nós também não, o que venha a ser a miséria total, não ter o que comer, não ter onde dormir. Então que vendam sucos, balas, flores e frutas, antes de assaltarem e matarem.

E o Estado que faça algo por essa gente, já que diz que ao darmos, estimulamos a cada vez pedirem mais. Estamos todos cansados disso.

Temos medo? Eles têm fome! Enquanto isso, lá no centrão, os representantes ficam aprontando. E com tudo isso pra resolver. E lá, eles têm casa, comida, roupa lavada, aprontam e ainda ficam soltos...

Bjs
Tais luso