Pelo meu direito de me indignar

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Dizem que o grau de evolução de uma pessoa é medido pela relevância das coisas que a aborrecem. De acordo com este indicador acho que hoje sou, quase, um homem civilizado.

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De fato, quem me conhece há tempos sabe que já fui um sujeito bastante irado, irritado, mas venho melhorando muito, aprendendo com a vida. Hoje em dia poucas coisas me deixam realmente fora de mim, furioso, a ponto de querer esbravejar ou distribuir pancadas. Diria pouquíssimas coisas mesmo...

Mas ainda restam algumas, infelizmente. Uma delas é a crueldade humana contra o indefeso. Em especial as crianças, os velhos e os animais.

Semanas atrás, um covarde, um ser humano desprezível (para dizer o mínimo), tarde da noite, atirou sua filha de 5 anos pela janela do apartamento. Não sei se sou capaz de explicar o ódio monstruosos que surgiu no meu coração ao ver a cara cínica do sujeito, naquela cena em que ele aparece lado a lado com o policial militar, conversando, na frente do prédio, logo após o ocorrido. A cena foi filmada à distância, não dá para saber o que eles falam, mas ambos olham para cima, comentam algo e o pai aponta possivelmente algum detalhe na janela do seu apartamento.

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Não ouvi ninguém comentar o que vou comentar agora, mas aquela cena, de não mais do que 10 segundos, me deu, no exato instante em que a vi na televisão, a certeza de que ele, o pai, era o culpado. Para mim estava sacramentado. Pronto, acabado. Por mim poderiam jogar o maldito na cadeia naquele instante. O que? Alguma coisa de errada com a cena?.Qual o problema de dois homens adultos, discutirem detalhes sobre um crime? Nenhum, nenhum problema. A não ser, é claro, se um destes homens for o pai da menina que acabou de espatifar no chão.

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Amigos, ele não soube nem disfarçar. Pensem: se sua filha fosse atirada pela janela do apartamento, você pularia lá de cima para segura-lá no ar, certo? Ou desceria pelas escadarias aos saltos, fraturando os joelhos e os pés, e se jogaria sobre o corpinho inerte de sua filha e a abraçaria, e a sacudiria, e berraria de dor e tristeza a ponto de ouvirem meus gritos a quarteirões de distância. Ficaria com a face deformada e inchada como uma máscara monstruosa de dor e desalento, enlouqueceria e arrancaria os cabelos, por fim desmaiaria ali mesmo. Correto? Sim, qualquer pai concorda, mas não ele...

Veja que interessante: ele ficou lá, com aquela expressão inócua no rosto, parecia que estava apontando um fato corriqueiro. Talvez uma estrela no céu, ou um balão que poderia cair, ou um avião ou até, quem sabe, uma falta pra cartão... Ficou ali, levando aquele papinho maroto de pé de ouvido com o policial, enquanto sua filha, possivelmente ainda quente, poderia estar viva, lá no chão, so-zi-nha. Percebeu o absurdo? Esta cena, que foi repetida na TV centenas de vezes, é de uma naturalidade bizarra. É a pior e mais chocante de todas as cenas (filmadas é claro) do caso.

Na falta de áudio, fico imaginando que ele dizia algo assim ao guarda: "moro lá, ó, naquele apartamento da tela rasgada, ta vendo?... Pois é rapa, alguém entrou lá e jogou minha filha, vê se pode isso. Onde estamos?".

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Que que é isso... Quem em sã consciência pôde, por um instante, crer que tenha sido outra pessoa que não ele? Quem? Que pai reagiria assim!?

Sou um indignado mesmo. E não quero nunca perder a minha capacidade de indignação. Hoje recebi um e-mail destes spams que recebemos sempre. Costumo deletar sem ler, mas este tinha algo que me atraiu, abri, li e conferi, duas vezes para ver mesmo se era verdade. Era.

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Vocês acreditam que existe um cara, que se auto-intitula artista, chamado Guillermo Vargas Habacuc, que fez uma exposição de arte onde a "obra de arte" foi um cão de rua, faminto, que ele recolheu, acorrentou a um canto e deixou à mingua até a morte sem água e alimento? Crêem nisso? Crêem que pode um ser humano ter feito isso? Crêem que tal exposição pôde ter sido visitada por gente? Por apreciadores de arte? Crêem que parece que o sucesso foi tanto que haverá outras?

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Agora o cúmulo: alguém aí acredita que não houve UM ÚNICO homem-de-verdade capaz de ter a hombridade de arrancar o pobre cão dali, com as próprias mãos, e sair pela porta levando-o, bem firme embaixo de um braço, com o cuidado de deixar o outro livre, claro, para derrubar com violentos murros  qualquer um que se atrevesse a impedi-lo? Acreditam? Acreditam que, em sei lá quantos dias que durou o suplício do animal, não houve UM HOMEM prá fazer isso?! Pois acreditem. Não houve.

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Não sei mais nenhum detalhe, fiquei cego pelo ódio, minhas mãos coçam por vingança e preciso ir deitar e orar ao bondoso Deus para que tire este sentimento do meu coração.

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Quem quiser ver a história toda, entre no Google busque pelo nome do lixo humano que fez isso. Lá vocês verão várias fotos do ingênuo animal antes de morrer, artisticamente, de sede e fome, enquanto bebidas e canapés eram servidos a seres humanos desprezíveis que riam e conversavam. . Quanto a mim, que ninguém se atreva a me pedir para que eu abandone o meu direito de me indignar, pois saibam que estou com ele fortemente protegido sob um braço, mas com o outro livre.

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Cesar Cruz

Maio 2008

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