Edição 2598 - julho de 2009.
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Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Edição 1137 - julho de 2009.
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Andei pensando a respeito das pessoas que passam pela vida da gente e somem. Entre elas há as que permanecem anos em nossa companhia, e as que ficam apenas poucos minutos. Há também as que convivemos superficialmente, ainda que tal convívio perdure por décadas.
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Morei num prédio desde muito novo até os 16 anos de idade. Ali fiz amigos que mantenho até hoje. Garanto que nenhum de nós se esquecerá do Raimundo, o porteiro do prédio. A nossa relação com ele, obviamente, era superficial, pois éramos meninos bagunceiros e ele, homem feito em horário de trabalho. Mas... Estará vivo o Raimundo? Morando onde? Envelhecido em demasia? Em minha mente mantenho a fotografia de um Raimundo de 30 anos atrás... Vai saber como estará hoje.
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Há ainda os encontros que são rápidos, mas marcantes...
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Seu nome era Alessandra. Alessandra Lessa. Na escola tem dessa coisa de a gente saber o nome inteiro dos amiguinhos. A Alessandra Lessa era sobrinha do escritor Orígenes Lessa. Uma minicelebridade daquela turminha da 2ª série primária do Colégio Dante Alighieri. Entre as leituras obrigatórias, tivemos de ler um livro infantil escrito pelo tio famoso da Alessandra. Claro que com toda a fama e beleza de que dispunha, ela nem me olhava... mas eu nunca me esqueci dos seus penetrantes olhos azuis e dos seus cabelos loiros e cacheados como os de um anjo.
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Por onde andará a Alessandra? Pelas contas soma hoje 37 primaveras. Terá se casado? Teve filhos? Engordou e enfeou? Nunca saberei.
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Eu e o Gil ficamos amigos quando eu, aos 20 anos, fui trabalhar de garçom no Restaurante Alcaparra, na Avenida Pompéia, aqui em São Paulo. Isso foi em 1990, após a morte do meu pai. Ele já era garçom lá havia uns 2 anos. Experiente. Alguns anos mais velho do que eu. Foi o Gil quem me ensinou o ofício de carregar bandejas e servir pessoas. Se hoje sou capaz de subir escadas e desviar de verdadeiros tumultos equilibrando duas bandejas cheias de pratos, copos e talheres, sem deixar nada ir ao chão, devo ao Gil, o bom e erudito baiano de Vitória da Conquista que, além de me ensinar a arte de servir mesas, me ensinou a ler Jung. Tenho até hoje o livro “Introdução à Psicologia Jungiana”, presente que ele meu deu, 18 anos atrás.
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E onde, diabos, estará o Gil Baiano?! Um amigo em comum ouviu dizer que ele teria se casado com uma coroa ricaça, italiana, e se mandado pra Nápoles. Só Deus sabe...
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E o Silvio César Cavalcante Mirandez? Passamos anos da adolescência juntos, prá lá e prá cá. Éramos parte de uma turma grande. A maior parte daquela galera está por aí, se achando vez por outra, mas o Silvinho, simplesmente sumiu. De 1990 a 1993, namoramos meninas que coincidentemente tinham o mesmo nome: Flávia. Dizíamos coisas assim: “Vamos pegar as Flávias e sair hoje?”, ou “Silvinho, pega a sua Flávia que eu pego a minha, e vamos rodar de moto!”.
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Anos de amizade e, de repente, por contingências da vida, as pessoas se afastam, se perdem.
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E o seu Monteiro? E a doutora Geni, advogada amiga da minha mãe? E o Fernando, que estudou comigo na 8ª série? E o Júlio e a Sônia? E o Dentinho, amigo de infância? E a Carla e a Karina? E o Arquimedes dono daquela adega, lá em Taboão da Serra? E o Roque, lá do prédio, e o Sergião, dono da academia de musculação? Onde se meteram todos eles?
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Peraí!, alguém não disse que o mundo era pequeno? Sempre dizemos isso, não é verdade? Pois bem, por que então não topamos com os nossos sumidos por aí? Não tenho a resposta...
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Cadê o Chico? Cadê o Índio? Cadê a Claudinha, que namorava o Dirceu? Onde estarão todos os meus alunos de karatê? Lembrei-me do Marquinhos, que aos 5 anos era doido pelo sensei Cesar. A mãe dizia: "Professor, ele só fala de você! Até a tia da escolinha perguntou quem é o tal Cesar!".
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Hoje, aquelas crianças todas são adultos. Estarão casados? Com filhos? Se lembrarão daquele tempo? Terão uma foto com este professor no fundo duma gaveta?
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Sempre trocávamos um dedo de prosa enquanto ele abastecia o meu Chevette verde. O Lima era mesmo um boa-praça. Trabalhava das 22h às 6h naquele posto. O posto ainda existe, fica numa esquina da Avenida Alvarenga, quase no início da Raposo Tavares. Três vezes por semana, por volta das 23h, eu parava lá para abastecer meu carro, vindo das minhas aulas noturnas.
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Num dia de frio, daqueles em que as mãos da gente vão sozinhas para o bolso da jaqueta e os cotovelos se esticam, lá estávamos nós, soltando fumaça pela boca e papeando, em pé ao lado do carro, enquanto aguardávamos a bomba travar avisando o final do abastecimento. De repente o Lima sacou da carteira uma foto, esticou em minha direção e disse: "Minha filhinha". Era uma garotinha de uns três anos, linda e usando cabelo maria-chiquinha. Lembro de ter dito: "Xi, Lima, tá danado, meu amigo! Vai ter trabalho com essa coisa linda aí!". Ele riu. Hoje a coisa linda pode estar casada e até já ter dado netos para o Lima.
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Onde estarão eles todos?! Será que acontece de passarmos perto de uma dessas pessoas sem nos apercebermos? Será que já parei num semáforo e, dois carros atrás do meu, havia um amigo que eu adoraria reencontrar sentado ao volante, mas eu não tive como adivinhar? Então, no instante seguinte, cada um de nós foi para o seu lado da vida, desperdiçando, assim, talvez definitivamente, a possibilidade de um reencontro. Quem poderá saber?
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Posso ter pulado para dentro da composição, no tumulto diurno do Metrô, sem ver que, pela porta imediatamente ao lado da minha, saía o meu velho e sumido amigo de tantas histórias juntos. Nunca saberei se isso, ou algo do tipo, ocorreu um dia.
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Tomara que haja alguém por aí com saudades de mim! Afinal, quanta gente não conheci nesta vida! E este mundão é tão grande e povoado que, neste exato instante, alguém pode muito bem estar pensando: “por onde andará o Cesar, aquele baixinho cabeludo gente-fina?”
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Cesar Cruz
Abril 2009
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foto da esquerda - Silvinho e Cesar - 1994.
foto da direita - Marquinhos, 5 anos. Cesar, 23 anos - 1993.
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* créditos dos parceiros no rodapé do blogue.
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11 comentários:
Pois é Cesinha, realmente tem gente que faz a diferença em nossas vidas...
São pessoas especiais, não somente pelo que fizeram ou pelo que são, mas principalmente pelo que significaram... daí a beleza da coisa! Se tornam uma referência na nossa caminhada, muitas vezes sem nem saber da importância que tiveram.
É gente que, com uma história, uma palavra, um gesto, ou um olhar nos ajudam a nos completarmos... a nos aperfeiçoarmos.
Com isso não afirmo que nos tornamos completos ou perfeitos a partir do relacionamento com o outro, mas que nos tornamos menos incompletos e menos imperfeitos por que temos quem, de alguma forma, nos inspire.
“Por onde andará” quem já andou comigo? A quem andará inspirando?
Vamos nos aproveitar enquanto caminhamos juntos.
Um abraço
do amigo
G
é Cesar, muitos vão, muitos vem, veja nós dois, espero ser um dos muitos que ainda virão. Também já pensei bastante a respeito deste assunto, alguns até mesmo se vão estando aqui, ao nosso lado, mas tenha certeza daqueles que realmente tiveram uma forte ligação conosco, ficam, mesmo que já sem nome em nossa memória, em algum cantinho do cérebro como a nos dizer: olá! eu não morri... sou imortal. Abraços!
xara
ipiranga
Eu amei por demais tudo isso, me fez viajar pra meu passado, pra amigos que tive e nunca mais vi, pessoas que passaram por minha vida e que tenho tanta vontade de ver, de saber deles.
Adorei o jeito que você falou de tudo.
Abraços
Dentre os amigos que vem e vão, só sei de uma coisa: EU ESTOU AQUI! E olha que quase nos perdemos, hein? Mas se eu realmente tivesse te perdido de vista, teria que dar um jeito de te achar, nem que fosse preciso entrar de vagão em vagão do metrô perguntando: "Você conhece o Cesinha?, E você, conhece o Cesinha?"
É isso aí meu amigo, o mundo jamais seria grande o bastante pra me separar de uma pessoa tão importante pra mim.
Beijos!!!
Marcela - Ié.
Olá!!! Bem vindo ao Filosofia de Pára-choque! Que bom que gostou do Blog! O texto da Pandora é um dos meus preferidos (modéstia à parte). Volte sempre, viu? Passearei por aqui tb!!!
Bjs!!!
Cara! que crônica deliciosa! Simplesmente amei! Quem já não pensou em seus sumidos? Acho que todo mundo, né? Mas certas coisas só quem tem o dom da letra consegue materiazilar de forma tão sutil. Lindo, lindo! Voltarei a te visitar com prazer.
bjocas
Andressa Goyart
Liberdade
que lindo César! Me emocionou! Eu penso muito também nos meus sumidos. Já tive a sorte de achar um no meio da rua. Mas só uma vez! Coisa rara. Desproporcional ao número de sumidos que cada um de nós acumula, né?
Beijos! Fátima, aqui da Liberdade.
César, eu também as vezes me pergunto sobre as pessoas que passaram pela minha vida. Curioso pensar que o tempo passou para elas também e que aquela imagem que temos na cabeça, como uma fotografia, continua exatamente igual. Ficam as lembranças, os momentos, sempre no coração. Abraços.
http://quasepoema.zip.net
Nossa Celso! Identifiquei-me demais com seu post! Eu vivo assim, pensando: "onde estara o fulano?" E as vezes eu os encontro em pesquisa no Google (risos), e me comunico.
Meu marido sempre vive falando: "Vive o presente!"... mas eu acho que o PASSADO e todos aqueles que passaram por nos, deixaram um legado de vida...algo que sentimos falta, e que juntamos dentro de nos pedacinhos, como um quebra-cabecas.
Um beijo meu amigo, boa semana
MARY
PS: Cesar, desculpe trocar seu nome! Quando entrei aqui hoje, vi essa nova foto sua, e pensei: "Nossa, ele eh tao parecido com o Celso!" Um amigo meu de longa data! Entao ao escrever, coloquei CELSO.
Por favor, mude para "CESAR"...risos.
Beijos
MARY
Eu também morro de curiosidade de achar alguns caras que marcaram a minha adolescência.
Gostei muito.
Ricardo
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