A sirigaita


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Crônica publicada na Gazeta do Ipiranga*
Novembro de 2009.
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Sirigaita - 1. Mulher pretensiosa, que se saracoiteia muito.
2. Mulher buliçosa, estouvada, ladina.
3. Menina excessivamente desembaraçada. Variação: serigaita.
Fonte: Dicionário Michaelis.
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Tratava-se mesmo de uma beldade, a mocinha da loja de roupas. Sua tez acetinada não apresentava nenhuma mancha, nem uma espinha sequer parecia um dia ter se atrevido naquele rosto angelical. Absolutamente sadia, marcava as coxas perfeitas e grossas com calças justíssimas.
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Havia dias em que preferia os vestidos, o que não era menos grave, pois seus glúteos perturbadoramente destacados e sua cintura sensacionalmente fina faziam daquele corpo de contornos perfeitamente simétricos, um verdadeiro chassi de Fórmula 1, como dizia, chulamente, a rapaziada do bairro, a boca pequena. Isso para não falar dos seios... Oh, amigos, aqueles seios hirtos, absolutamente redondos e sólidos eram de desvirtuar até o padre! Melhor nem tentar explicá-los aqui nesta crônica, visto que este é um jornal familiar.
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Os solteiros, livres, desimpedidos e sem fiscalização, lançavam mão das mais arrojadas cantadas: “Êeeeeee, isso lá em casa!” ou “Oi, benzinho, dá uma risadinha aqui pra mim, pára com essa seriedade toda!”
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A verdade é que nada daquilo adiantava, a mocinha era mesmo seriíssima. Diziam inclusive que tinha um namorado, grande e forte! Um negrão daqueles, que no fim do expediente aparecia não se sabia de onde, agarrava a mocinha pela cintura e sumia com ela pro fundo da loja. “Devem sair pela porta detrás para não chamar a atenção da gente!” – suspeitavam alguns dos rapazes que marcavam ponto na padaria em frente.
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Os homens casados que passavam por ali, eram, invariavelmente, vítimas de beliscões e sopapos de suas devidas mulheres que, por mais que o coitado fingisse não ver a menina, baixasse a cabeça ou olhasse para o outro lado, acabava debaixo de pancadas, já que as senhoras andavam com a fúria a flor da pele, dada a formosura sobre-humana da jovem.
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Algumas mães de família chegaram ao cúmulo de tirar satisfações com o dono da loja. O homem explicava que não podia fazer nada, já que era para aquilo mesmo que a mocinha fora posta no posto, para mostrar. Além do mais, a moça poderia ser acusada de quê? De beleza extremada? “Ora, convenhamos, minha senhora! – irritava-se – Posso apostar a minha vida que ela nunca deu nenhuma espiada pra homem da vizinhança!”
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E assim os dias iam se sucedendo defronte àquele polêmico estabelecimento e a sua voluptuosa demonstradora.
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Certo dia, vindo de outro bairro (e, portanto, desavisado), seu Antônio, que passava com dona Mafalda em frente à vitrine, sem conseguir se controlar, pregou um par de olhos babões na esplêndida silhueta da mocinha. Para sua desgraça, dona Mafalda pegou-o no pulo e, sem lhe dar tempo para reação, sentou-lhe uma bolsada dolorida no pé do ouvido.
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- Ai, Mafalda! Ficou doida mulher?! – gritou o pobre diabo, já se encolhendo todo.
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- Doido ficou você, desgraçado! Te peguei c’os zóião colado naquela sirigaita desavergonhada ali!
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- Quem? Como?
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Dona Mafalda, gordona da mão pesada que era, e que já estava por aqui com o Antônio (que andara se engraçando com uma vizinha), continuou batendo no homem e berrando, em plena calçada, pra todo mundo ver, que era pra servir de exemplo.
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- Tome, safado! E não se faça de desentendido! Até calou de tanta besteira que pensou, né?
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- Qué isso, Mafalda, não tem sirigaita nenhuma, não; aquilo é só um manequim!
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- Manequim, artista da tevê, não me interessa! É tudo umas cachorra que querem é roubar o homem da gente!
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E dá-lhe pancada no pobre do seu Antônio.
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Cesar Cruz
setembro 2009
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*Créditos dos parceiros neste blogue
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8 comentários:

Anônimo disse...

esses dias lá na loja, passou um menino de uns 8 anos no máximo, olhou para a leticia (a manequim de lá) e falou bem perto dela "gostooossaaaa...
o pior não é isso, o pior é quando uns manequins (vivinha da silva) vão e resolve provar e perguntar como ficou a roupa nelas, ai se eu não fosse sério que nem a sirigaita...

xara
ipirganga

Alexandre Lirio disse...

Cara se eu te contar que a minha mulher já implicou com aqueles manequins de calça jeans e bunda arrebitada voce não crê! Perfeito esse causo!!!!!
A mocinha ali em cima eu achei no começo que era uma mulher de verdade!!!!! Só quando abri a foto que me liguei!!!! KKKKKKK!!!!

Alexandre
do Cambuça

Anônimo disse...

Opa, dá o telefone dessa boneca pra mim? Tá sem sutiã a danadinha...

abç, Henrique

Tais Luso de Carvalho disse...

rsr, e como existem sirigaitas! E como existem as Mafaldas e os Antônios...

Mas tudo isso alegra a vida de quem vê, não de quem vive a situação. Para quem vive é um estresse que não tem fim.
Agora... é dose uma sirigaita se insinuando...
Muito bom.
Bj, Tais Luso

Anônimo disse...

Sensacional. Muito divertido. Tânia da Al. Itu.

Dalinha Catunda disse...

Olá Cesar,
Engenhoso, você foi levando o conto num suspense, até o desfecho cômico. É isto que faz um texto atraente.
No final das contas, tantas brigas por tão pouco.
Um abraço,
Dalinha

Pedro Luso de Carvalho disse...

Cesar,

Esse teu divertido conto fez-me lembrar de um escritor de Curitiba, Roberto Gomes, que tem esse dom de escrever histórias com esse tipo de malícia. Um dos livros de contos dele é "Exercício de Solidão". Outro, é um livro de crônicas, "Alma de Bicho".

Podes ver que essa lembrança dos livros do Roberto Gomes, contém embutido um elogio ao teu "A Serigaita".

Um abraço,
Pedro.

Anônimo disse...

Senhor Cruz,

A mocinha é mesmo uma beleza. Que corpo! Me dá o endereço da loja que vou me candidatar ao cargo de de desmontador de vitrine. Pelo jeito só assim para pegá-la pela cintura e ir pro escurinho. rs

Wagner