- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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O DataCruz registrou: foram 321 ligações, no período de um ano, procurando a tal Maria do Socorro. Quase uma por dia. E não adianta tentar explicar que a dita cuja não mora nem nunca morou aqui em casa, que nossa linha telefônica nunca foi dela, já que foi adquirida virgem, direto na companhia, há mais de cinco anos.
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- Já disse mais de mil vezes que aqui não mora nenhuma Maria do Socorro e
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- O senhor poderia me dizer a que horas posso encontrá-la?
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- Amigo, você não me escutou? Não tem ninguém com esse nome aqui!
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- Sim, claro, senhor... Então o senhor poderia fazer a gentileza de pedir a ela que retorne a ligação para nossa central?
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- Porra, eu to dizendo que...!
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- Senhor, um momento, por favor...
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A técnica do um-momento-por-favor serve para, na base da propaganda cantarolada, rescaldar os nervos incendiados do sujeito, enquanto o atendente se mata de tanto rir lá do outro lado da linha. São vinhetas concebidas cuidadosamente por psicólogos especializados em hipnotizar babacas, como eu.
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“... que bom que você ligou para as Casas Bahia! Temos um prazer enorme em atendê-lo! Não se esqueça que esta é a semana do colchão em todas as nossas lojas! Acabe com suas dores de cabeça e de costas!”
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A musiquinha pra acalmar babacas me acalmou. Aguardei esperançoso, por cinco minutos. Quem sabe agora resolverão a minha dor de cabeça? Quando eu já estava calminho, o rapaz retornou:
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- Senhor, obrigado por aguardar! Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- ... !
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Amigo, você, que está aí a ler esta crônica, poderá pensar: “Mas por que ele não disse isso, ou aquilo...?”. Acredite, tentei de tudo o que você possa sonhar. Senão, vejamos:
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Expliquei, simpaticamente, que se tratava de um engano. Mandei um abraço caloroso e desliguei sorrindo. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Expliquei educadamente, me despedi e desliguei suavemente. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Expliquei secamente, me despedi e desliguei energicamente. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Expliquei raivosamente, não me despedi e bati o telefone. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Expliquei longamente, com todos os detalhes, incluindo o dia em que me mudei aqui para casa, o dia da instalação da minha linha telefônica. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Por fim, expliquei tudinho, docemente, com todo o carinho e amor que Jesus nos ensinou. Terminei me despedindo com um trabalhe-com-Deus-meu-filho-amém. Não funcionou. Voltaram a ligar.
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Até um dia em que o telefone soou como num terrível pesadelo, em plena tarde de domingo, quando fazíamos a merecida sesta familiar. Acordei sobressaltado com o telefone estourando e minha filha esgoelando. Atendi.
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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Saí do corpo. Perdi a esportiva. Enlouqueci de raiva. Foi tudo muito rápido, não deu pra evitar. Acabei mandando o rapazinho, sua digníssima genitora e também a ilustre dona Maria do Socorro Graça Pinto, aquela cortesã desavergonhada, todos para a casa do... Bem, caro leitor, acho que você faz ideia do lugar pra onde mandei essa gente... Claro que depois me deu aquele remorso, mas já estava feito...
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Adiantou? Não.
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Eles são invencíveis. É como uma maldição. Tudo o que você diz, setecentas vezes, se esvai sem deixar vestígios, como fumaça levada pela ventania. A cada nova ligação a coisa recomeça do zero, sempre com um novo atendente. Um pesadelo, amigo! Um pesadelo!
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Pois bem, depois de tê-los mandado todos para a casa daquele circunspecto senhor, os atenciosos senhores da companhia de móveis e badulaques optaram por outra estratégia. Passaram a me ligar usando uma gravação. Uma gravação liga pra você! Interessante, isso. Gravações, como se sabe, não têm mãe pra gente xingar.
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“Boa noite! Se você for Maria do Socorro Graça Pinto, disque um. Se não for, disque dois.”
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Disco dois.
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“Se você conhece Maria do Socorro Graça Pinto, disque um...”
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Meu Deus! A coisa não tem fim!
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Outro dia descobri que a desgraçada da Maria do Socorro (que Deus a ajude se cruzar o meu caminho!) além do telefone residencial, deu a eles também o meu celular!
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Estava, eu, numa reunião com um cliente quando o aparelho vibrou no meu bolso. Discretamente abri e espiei. Mensagem de texto:
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Senhora Maria do Socorro Graça Pinto, favor ligar com urgência para o departamento jurídico das Casas Bahia!
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Do jeito que vai, vou terminar num presídio feminino, preso como transexual-estelionatária!
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Dei-me por vencido. Antes de sofrer um infarto agudo do miocárdio e deixar os atendentes dando risada, resolvi relaxar e partir para o bom humor que, se não resolve o problema, pelo menos diverte a gente e protege o coração.
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- Só mais tarde, querido. Ela está atendendo um cliente lá no quarto.
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- A Maria, aquela ingrata? Pois se você souber do paradeiro dela me avise! Vou dar um tiro nos cornos daquela vaca!
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- Saiu. Foi às Casas Bahia liquidar umas contas atrasadas. Quem fala?
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- Oh, minha Nossa Senhora! Você nã-não s-soube?
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- Eu poderia estar falando com a senhora Maria do Socorro Graça Pinto?
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- Sou eu mesma, pode falar.
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- O quê? Ééé... o senhor?
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- Que foi? Ta me estranhando, malandro? Sou muito mulher, tá ouvindo, rapá? Qué toma porrada?
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Cesar Cruz
Setembro 2009
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14 comentários:
Olá Cesar,
Eu também tenho um encosto deste, que vira volta me liga perguntando por uma fulana de tal.
Sei o que é passar por isso, o que é atender telefone nas horas mais incovenientes. É brabo amigo!
Mas gostei como você desenvolveu o texto. Veja que não sem propósito as ligações, lhe rendeu uma boa crônica.
Um abraço,
Dalinha
pra seu consolo e de muitas marias, vi uma notícia hoje que as casas bahia está facilitando a liquidação de quem tem pendências lá, será a salvação das marias e dos cesars, agora outra coisa, pô? quando vou conseguir ser o primeiro a comentar qualquer crônica sua? tento isso ha meses já...ehehe.. um dia consigo, quem sabe com a perseverança do jurídico das casas bahia, né não?
abraços a todos
xara - ipiranga.
Pombas, meu amigo, eu não conhecia esse deu lado negro. Maria do Socorro? Você poderia ter escolhido um nome melhorzinho para sua personagem de "drag queen". Até aí, perdoo o mau gosto, mas aplicar o golpe da drag para não pagar as prestações das Casas Bahia, aí é demais. Pior que seus leitores, desconhecendo esse seu lado tenebroso, ingenuamente acreditam que os vilões são os atendentes-cobradores da loja. Você é terrível!
Não vou dar um abraço... Vai que some minha carteira... HA HA HA!
Gabriel
Oi, César,
Adorei este seu causo. Realmente, isso acontece, e como. E as casas bahia ( com mimnusculo, pois tenho ganas do marketing agresivo que eles fazem e de tudo o mais), ganham disparado. Junto com a Editora Três.
Independente disso, gosto muito de tudo (algumas raras exceções de causos muito tristes) porém todos com um jeito gostoso de escrever. E como você escreve "deslizando" suavemente por regras, acentos, concordâncias,...
Somos seus fãs de carteirinha, e sem sermos coruja, hein?
Passei seu blog para uns amigos também. E um primo do rio, que também resolveu ter um. incentivado por uma filha. É o blog do camillo, http://blogdocamillo.blogspot.com/ Outro estilo, sem nenhuma pretensão e bem dirigido a pessoas como essa vetusta e veneranda tia. Mas interessante. Recordaçòes e análises políticas.
Continuo esperando sua visita, com Vanessa e Michele.
Beijos aos três.
CArolie
HAHAHAHAHAHA!
Muito engraçado.. ok ok.. sei que é engraçado porque não sou eu que passei por isso!
Mas sabe que de vez em quando (ainda bem que não com tanta frequencia) alguém liga aqui em casa querendo saber se é da Ultragaz? E eu me pergunto: será que sou tão acima do peso?
Beijos
Cesar,
ZEN PACIÊNCIA não é apenas uma boa crônica como é também um consolo para os viventes que sofreram e sofrem com esses vândalos da telefonia. Como essa praga veio pra ficar, acho que a solução é criarmos um grupo para expor as neuroses que temos por culpa desses degenerados, nos moldes dos AAA.
Muitas vezes eu também já perdi a paciência com esses vendedores, a ponto de esgotar todos os palavrões que conheço. Agora, com tua crônica, sabemos que, infelizmente, estamos todos no mesmo barco. Aliás, já estou vendo no AURÉLIO novos palavrões para tentar espantar esses intrusos.
Um abraço.
Sim, isso acontece todo dia, o dia todo... E aos domingos!
Você já recebeu telefonemas de bancos aos domingos? Você já recebeu cobranças da tua empregada, que dá o teu telefone como referência pra todas as casas da cidade? Ah, César...então não sabes o que estás perdendo!E jamais vais ter folga.Podes crer.
Adorei, como sempre... aqui a gente vem pra desopilar!
Bjs
Tais luso
Socorro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
É terrível.Sempre digo que não estou e nem sei quando volto para bancos ,telemarketing de jornais e revistas.
É um abuso.
Você escreve com gosto e dá gosto de ler.
Cris
aqui em Portugal está a acontecer o mesmo... somos chateados às horas mais inconvenientes
xi
maria de são pedro
realmente, paciência tem limite!
e telefone testa toda a que a gente tem, né?
muito bacana!
;-)
Demais!! Ri muito...
Caro Cruz
Ri pra car... Bom voce faz idéia de como foi que eu ri né?
Abç Rodrigo
Oi, Cesar!
Como é bom te ler e dar umas belas risadas. "Do jeito que vai, vou terminar num presídio feminino, preso como transexual-estelionatária!" foi o auge. :)
E obrigada pelo elogio ao "À VIDA", é o melhor que se pode receber.
Um beijo.
HAHAHAHAHA!!!
Cara, muito bom. Rachei de rir.
Olha, eu ia te falar pra dar um fim no telefone residencial, mas, não adiantaria, já que "eles" também descobriram seu celular. Realmente, a coisa não tem fim! rs!
Abraço!
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