A idade do vexame


Crônica publicada no Jornal do Cambuci e Aclimação*
Fevereiro de 2010.
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Comecei este ano pensando muito nessa coisa de idade. Talvez por ser este o ano em que completarei meus primeiros quarenta. Meia vida já se passou!

É aos quarenta que a gente se dá conta de que o tempo passa realmente rápido e que a velhice está logo ali, a meros vinte anos de distância. O quê, minha senhora? Seria melhor eu usar a expressão “terceira idade”? Ah, não... Me recuso a usar um eufemismo tão covarde. Mais honesto seria dizer a “última idade”, ou alguém aí conhece gente que passou pra quarta idade? Bom, o consolo é que pegarei ônibus de graça, fila de velhinho no banco, pensão do Estado... Oh, quantas maravilhas!

            Quando eu era menino havia um filme chamado “2001, Uma Odisséia no Espaço”. Depois veio a continuação: “2010, O Ano em que Faremos Contato”. Segundo eles, coisas inimagináveis aconteceriam naqueles longínquos futuros de 2001 e 2010. Tudo muito distantes para um menino pequeno vivendo nos anos setenta, como eu.

Agora sabemos que o Renato Russo tinha razão: O futuro não é mais como era antigamente. Veja você que 2001 já passou faz tempo e estamos aqui, eu e você, em pleno 2010 (ano em que faremos contato, lembre-se) com essas caras de idiota. A propósito, faremos contato com quem? Você já pensou nisso?

Verdadeiramente não há nada de futurista neste nosso 2010, muito pelo contrário, estamos é voltando para a Idade Média: guerras, pestes, fome, miséria, enchentes, chacinas...

            Mas como eu ia dizendo, os quarenta é uma idade esquisita. Não se é nem velho nem moço. Já reparou nisso? O quarentão sabe que é velho na opinião dos jovens, porém é jovem no conceito dos velhos. E de nada resolve meter um piercing no nariz, uma tatuagem gigante no braço (como fiz eu), um rabo de cavalo... És tiozinho, meu amigo, lamento... Assuma aí que é melhor.

Pior é que perante os mais velhos você nem pode se queixar em paz da sua pequena desgraça, já que sempre tem um mais anoso que você que vai te repreender: "Tá reclamando de barriga cheia, rapaz!".

            A cabeça do homem de quatro décadas vive em crise, cheia de minhocas com o fato de estar se afastando do viço da juventude. Tenho um amigo, o Léo, também quarentão, que não se conforma com o escoar dos anos. Luta para manter viva sua antiga fama: escalador de montanhas e desbravador de cavernas selvagens. Coisas que ele fazia quando tinha vinte, vinte e cinco, sempre acompanhado de farto e saltitante mulherio.

Hoje, coitado, 20 anos depois, só o que restou dele foi uma versão pai-de-família-desajeitado, discretamente barrigudinho e de cabelos compridos e grisalhos. Uma espécie de Erasmo Carlos. Um Erasmão sem canção.

            O amigo George é outro, um pobre iludido. Agora deu para tingir o cavanhaque de preto-petróleo. Até que o resultado fica convincente, já que ele faz com um especialista em cavanhaques num salão caríssimo. Pior é quando o cara é duro, aí é coisa feia de se ver... Conheci um que tingia a cabeleira prateada em casa, com tintura de supermercado (R$10,90 a caixa), com a ajuda da mulher, sentado só de cuecas e toalha nos ombros, numa banqueta no quintal, domingão, a criançada chutando bola em volta... Coisa triste. Depois ele desfilava aquela carapinha extravagantemente acaju, rígida, crendo fielmente que estava tudo muito, muito natural.

            E quanto a mim, imagino que você possa estar se perguntando. Bem, também que entregar que passo lá pela minha cota de vexames. Por exemplo: aderi ao tira-rugas. Tiram sarro de mim por isso, mas fazer o quê? Toda a noite, depois do banho, antes de dormir, faço o ritual dos movimentos circulares ao redor dos olhos, nas bochechas e no pescoço. Sim, sim. E são dois cremes diferentes! Tudo para recuperar a cútis dos vinte. Também deixei de usar cabelo (bem, talvez tenha sido o contrário...); quem não tem cabelo não fica grisalho! Além disso, ser careca dá um ar de rebeldia skinhead que me satisfaz.

Mas a providência mais ridícula do quarentão é a de mentir a idade. Um artifício que as mulheres usam mais do que nós. Verdade tem que ser dita. Mas isso não alivia o nosso lado, já que muitas vezes nos valemos da técnica inversa. Não conhece? Eu ensino.

Consiste em induzir a outra pessoa a mentir pela gente. Claro, porque nós os homens-meia-vida somos malandros e vividos! “Que idade você acha que eu tenho?”, perguntamos às mocinhas — especialmente às mocinhas. A pobre mocinha, de dezenove anos (quando muito), se sentindo obrigada a ser gentil com aquele senhor sorridente parado na sua frente, calcula mentalmente a idade que acha ser a real, depois subtrai uns 12, 15 anos por conta da bondade de Deus, e manda: “Trinta e quatro”. E o infeliz sai todo alegre, carregando aquela ilusão. Ridículo.

            Pois bem. Ridículo por ridículo, criei uma técnica inédita que vou pôr em prática agora em 2010, o ano em que faremos contato. Os quarentões que me leem, que por favor não me copiem. Pretendo que este seja um ridículo exclusivo, só meu. Vou patentear. Passo vexame, mas passo com personalidade!

Funcionará assim: Quando eu estiver conversando com uma dessas mocinhas de dezenove anos, e surgir o assunto da idade, direi, na maior seriedade: “Tenho sessenta e dois anos”. A mocinha achará incrível, dirá que pareço muito, muito mais novo, e dirá isso com um legítimo espanto, seguido de comentários deliciosamente elogiosos e espontâneos sobre a minha pele, o tônus dos meus músculos, o brilho jovial dos meus olhos etc. E eu, cá do meu lado, me encherei de inconfessável e puro orgulho, e pensarei “Tá vendo, Cesar, como foi bom ter feito exercícios, não fumado, comido rabanete, almeirão e tofu?”.

Então, repleto de mim mesmo, estufarei o peito e sorrirei satisfeitíssimo, a tempo de ouvir a mocinha completar:

— Puxa, parabéns mesmo! Eu daria ao senhor, no máximo, no máximo... uns 53.

Cesar Cruz
Janeiro 2010
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*crédito dos parceiros neste blogue.


16 comentários:

Cris França disse...

Cruz eu amei esse texto, é bem isso mesmo.

ri muito por aqui e tava mesmo precisando.

beijos

Anônimo disse...

Muito, muito bom mesmo, Cesar! Acabei de te ler aqui no jornal do bairro, a das baratas no verão. Ótima também, mas essa aqui é impagável! Publica lá!

bjins
Darci
Cambuci

George Saguia disse...

Caro amigo alvo e calvo,

Li seu texto e me senti honrado por ter meu nome mencionado em tão bela construção.

Porém, para que o conteúdo deste não se distancie (muito) da realidade, sinto-me no fraterno dever de apresentar informações que certamente o deixarão com mais credibilidade:

1- "Quarentão" é uma forma equivocada de se referir a minha pessoa. Tenho "trinta e uns". Parei de contar aos 38 e não acredito que o exercício aritmético anual seja saudável para a sanidade humana.

2- Não "pinto o queixo". Apenas reponho a melanina que insiste em fugir de alguns pelos. Neste momento cabe ressaltar que são apenas ALGUNS POUCOS pelos que recebem o carinho tinto.

3- Não é "preto-petróleo" mas sim "Nuit Noire" (Noite Escura - em Francês).

4- O Jean-Louie não é "especialista em cavanhaques", ele é um dos mais conceituados "Hair Stylist" da Europa que gentilmente vem a cada 15 dias de Paris até minha casa para cuidar de meus cabelos.

5- Não é "caríssimo". Quanto vale ter o mais belo cavanhaque do hemisfério sul? Pois é, não tem preço.

6- Meu nickname eh "G" (escrito assim sem o "ê"). Assim fica moderno, jovial, praticamente adolescente. Quando se fizer menção dele, devem ser evitados verbetes com carga pejorativa como "vulgo" ou “alcunha”. Caso seja inevitável por questões de estilo de literatura, ficarei feliz se puder utilizar a expressão americana "AKA" ("As Known As) pois mesmo sendo uma referencia beirando o "gangsta", pelo menos é mais jovem e internacionalmente conhecido.

Um abraço do jovem e belo amigo

G
(Viu como é mais jovial sem o "ê"?)

Anônimo disse...

Fazer 40 é estranho mesmo.
Não fica chateado não, mas vim conhecer seu blog por causa desta bonequinha que agora eu sei que se chama Michele. Que fofura meu Deus!
Vou estar sempre por aqui agora.
Bjs.

Julio disse...

Amigo colunista

Te entendo perfeitamente. São vários os problemas de se ter quatro décadas. Mas acho que a pior de todas realmente é essa de passar a ser chamado de senhor pelas mocinhas! Aa como dói sermos considerados velhos pelas mocinhas!!!!

abraços e parabéns pelas divertidas cronicas que encontrei aqui!

abraços do
Julio Mosquera
aqui da Aclimação
leitor do jornal que vc escreve

Regina Cláudia disse...

oi cesar!!

adorei a idade do vexame, ahuauhauhhua!
eu tenho 22 anos, e já me sinto velha, ahuauhuhauhauha parece que tenho 50!!!!

bjs
Regina

Karen disse...

ADOREI.....

UM MILHIÃO DE BEIJOSSSSS

PRIMA

Unknown disse...

Fala Cesão!
Muito bom este causo, realmente descreveu bem nossa situação, logo logo estarei ai tambem!rs
abraço

ROBERTA disse...

CESAR CRUZ

MUITO BOA SUA CRONICA. DOBREI DE TANTO RIR. É ASSIM MESMO QUE ACONTECE COM A GENTE, MENTIMOS A IDADE AO CONTRÁRIO!! ÓTIMA OBSERVAÇÃO!!

EXCELENTE O COMENTÁRIO DO SEU AMIGO G.!

VOLTAREI AQUI. O CLIMA É ÓTIMO!

ROBERTA
SP
(TE LI NO JORNAL!)

Milton Cruz disse...

obrigado por lembrar do primo 1000ton.
também chamado e conhecido nos sites de relacionamento como TIO 1000 TON.


abraço,

tio Cesar

katine walmrath disse...

oi, cesar.
este texto está maravilhoso.
muito divertido mesmo.
e os comentários dos teus amigos complementam o clima.
parabéns!

Anônimo disse...

Então Cruz,

Vc é um cara moderno antenado, e jovial né?(deveria começar mudando o vocabulário...jovial só velho fala.)
Quanto à aparência, esqueça, quando vc era jovem já não era grande coisa....faz um tipo intelectual (que transcende o invólucro físico.) Xiii me entreguei... invólucro físico tbm é coisa de velho... e eu só tenho 37... Escuta, vc pode me emprestar o creminho anti-rugas???

Baxo

Alessandro Franco disse...

Opa!! dei boa risadas aqui, César
..."a mocinha vendo aquele senhor sorridente à sua frente, acaba calculando a idade que acha ser a real, depois subtrai uns 10 anos a título de misericórdia" kkkkkkkk
Curti muito.
Alessandro(Goiânia-Go)

Gláucia (enviado por e-mail) disse...

Ta que não sou mocinha, mas não te dava nem 35 anos!!!!!!!!!!
Jurava que eu era mais velha que vc, e hoje fico felizinha de saber que ainda não estou na meia idade, embora falte beeemmmmm pouco!!!!!
Beijos na Van e na minha favorita!
Glau

Jackie Kauffman Florianopolis-SC disse...

Adorei Cesar. Esse negócio de idade é inquietante.
Well, adoro teus comentários, vem sempre recheados de poesia. Obrigada.

Falando em idade lembrei de Mario Quintana:" Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...) "

Um bj

Tais Luso de Carvalho disse...

hehehe... Muito boa, Cesar.

Tem uma citação (de Jules Renard) que diz que 'a velhice chega quando se começa a dizer: nunca me senti tão jovem!' Não tenho dito, mas tenho pensado, rsrs.

Gostei de mais crônicas na página; esta eu não conhecia.

bjs
tais luso