Dia de dodói

Crônica publicada no Jornal do Cambuci & Aclimação*
Agosto de 2010
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18 - Fev - 2010

Filha, hoje à tarde o celular tocou enquanto eu dirigia. Quando vi no visor que a ligação era da escolinha, quase tive um infarto. Atendi como uma flecha, o coração aos saltos. Você vai entender esse medo quando tiver seus filhos. A voz do outro lado, de uma das tias, dizia que você estava com febre, 38,5º. Liguei cancelando a perua e mamãe e eu fomos te buscar mais cedo. Você estava prostrada, os olhinhos caídos, meio murcha, quente. Passamos em casa, mas no caminho já fomos combinando: banho para relaxar e reduzir a temperatura, improvisaríamos um jantar rápido, medicaríamos você com um antitérmico e sairíamos por volta das 19h30, sem mais delongas.

Chegamos ao Hospital Nossa Senhora de Lourdes, no Jabaquara, quase uma hora depois. Fomos encaminhados para um dos prédios do complexo onde funciona o Hospital da Criança, que estava lotado de mães, pais e suas proles adoecidas, gripadas, de todas as idades. Ah, esse verão anda cruel com os pequenos! Filas e senhas. Espera. Cadastro preliminar. Espera de novo. Choros. Conversas entre mães. Espera longa. A estrutura é excelente, só que havia muita gente. Enfim, depois de uma hora, a nossa senha piscou no luminoso. Sentamos de frente para o doutor, você no colo da mamãe. O que está acontecendo com a Michele, pergunta ele. Explicamos. Ele pede que a coloquemos na maca. Você, filha, que já conhece esses homens de branco e seus procedimentos, começa a chorar na mesma hora. Seguramos você enquanto o doutor examina seus ouvidos usando aquele iluminador cônico, depois sua garganta, com o famigerado pauzinho de picolé e com a lanterna. Por fim ausculta seu coraçãozinho por todos os lados e determina: vou pedir alguns raio x. Façam e voltem aqui. Seco seu rosto todo lambuzado de choro e ranho com um papel toalha.

Lá vamos nós: senha, espera e raio x. Segura firme, mãe; segura firme pai, senão teremos que refazer, diz a moça, detrás da proteção de chumbo. Mais choro. Chapas prontas, voltamos ao doutor. Sinusite, diagnostica ele. Bloquinho e caneta, receita um antibiótico. Nessa hora gelei. Um contorcionismo de tripas começava a acontecer dentro de mim. Lembrei-me que estávamos com poucos trocados, cartão vencido. O meu salário só cairia na conta dali a dois dias. O pouco que tínhamos era para almoçar e botar combustível no carro para trabalhar, no dia seguinte. Foi então que a mão de Deus pareceu se mover, e o braço do doutor se esticou para traz, abriu uma gaveta e voltou pondo sobre a mesa três caixas de amostras do tal antibiótico.

Terminamos de ouvir as recomendações do médico. Na hora de ir embora você, espontâneamente, com a mão espalmada na boca, mandou beijos para o doutor e disse tchaaaaaau.

Saímos do hospital às 22h30 e fomos para casa, cansados, mas aliviados, por não ser nada de mais com você.


Cesar Cruz
Fevereiro de 2010
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6 comentários:

Léo Santos disse...

Que pai atencioso! Parabéns! Um belo texto de amor!

Um abraço!

Gabriel Fernandes disse...

Sei o que é isso, meu amigo, enfreitei essas situações incontáveis vezes, infinitas madrugadas. Por outro lado, tenho o doloroso dever de informá-lo de que isso é para sempre. Meus filhos já não são crianças, como você sabe, mas as preocupações são as mesmas ou ainda maiores. Depois vêm os netos, aí o bicho pega de vez, ganha outra dimensão, inexplicável. Parabéns. Bem-vindo ao clube.
Abraço,
Gabriel

EMERSON ARAÚJO disse...

Meu caro, César Cruz, o teu blog continua leve, solto e extremamente emocionante. Abraços, agora, maranhenses.

Crônicas do Submundo disse...

Mas que barbaridade meu velho, e eu aqui nessa eterna espera de nove meses! As vezes fico imaginando, se para mim está demorando tanto, como deve ser penoso essa estrada para minha mulher... grande abraço!

Poemas e Cotidiano disse...

Oi Cesar!
Fiquei lendo essa historia e pensando...quantas vezes nao me senti assim! Quando a gente entra no Hospital com nosso filho, pode ser uma simples gripinha, ou seja o que for, nos deixa muito ansiosos. Quantas vezes entramos num Hospital com nossa filha!Nao tenho nem conta! E quantas vezes a Escolinha ligava (ai ai ai lembro bem) e o coracao disparava. Senti o que voce sentiu, ao descrever, meu amigo!
Perdoe-me o silencio, mas andei tao corrida, agora estou "um pouco" de volta, tentando recuperar o tempo perdido, ler os blogues dos amigos.

Beijos
Mary

Unknown disse...

Ai, que aperto no peito que dá quando a gente vê os olhinhos murchos dos nossos filhos..... Tenho certeza que sofremos muito mais do que eles!
Um beijinho especial pra Mi!
Marcela Yeah