Conto ou crônica?

Às vésperas do lançamento de O Homem Suprimido, ao comentar com leitores e amigos que o livro será exclusivamente de contos, e não de crônicas, percebo, pelo ar interrogativo que assumem, ou nas entrelinhas das coisas que dizem ou indagam, a tão generalizada confusão entre o que é conto e o que é crônica. Não é a primeira vez que escrevo sobre isso, mas tentarei abordar, desta vez, o assunto de outra maneira.
Vamos ver se sou capaz de ajudar o meu leitor a jogar luz sobre essa escuridão.
É de fato tênue a linha que separa uma forma da outra. São modalidades de textos que se confundem, se misturam, mimetizam-se. Simplificando ao extremo, poderíamos dizer que conto é invenção e crônica é a descrição de um fato real; porém, isso por si só não basta. Há inúmeras variáveis em ambas as formas que derrubariam rapidamente essa classificação simplista. São importantes elementos, objetivos e subjetivos, que nos ajudam a diferenciá-los com mais propriedade, senão, vejamos:

A crônica se caracteriza por comentar, relatar, documentar, observar e analisar. Pode ser baseada em fatos cotidianos, em análises político-sociais, comportamentais ou em reflexões pessoais. Algumas vezes, recria uma realidade, enfeitando-a, dando a ela outros ares, outras cores; é aí que, tateando o terreno da ficção, se confunde com o conto. Já quando opina, cartesianamente, a crônica se parece muito com o artigo. A crônica é assim: um animal mutante, híbrido, de difícil classificação e domesticação. Por seu caráter fundamental de documentário, e por ter nascido no jornal, a crônica é, em tese, uma obra mais ligada ao jornalismo do que à literatura. Seja humorada, reflexiva, indignada, melancólica, dramática, mordaz ou passional, a crônica é quase sempre narrada em primeira pessoa, onde o narrador é o próprio autor e, algumas vezes, também personagem do fato. Por vezes a crônica se revela intimista, fazendo com que o leitor se sinta próximo do autor, que parece lhe confidenciar tête à tête, ao pé do ouvido, coisas e impressões muito pessoais. Para mim, o cronista é, no fundo, no fundo, um fofoqueiro. Eu me incluo neste rol!

Vamos ao conto...

O conto é parte do universo da imaginação, da ficção. Como toda a obra ficcional, apresenta narrador, personagens, ponto de vista e enredo. O conto é um gênero literário clássico, sua origem remonta a séculos. Nos primórdios, fazia parte da literatura oral dos povos, fundamentada na narrativa de mitos, folclores e lendas. Grosso modo, o conto é uma narração em prosa concisa, de extensão reduzida, ficando condicionado ao relato de um único drama, com poucos personagens, poucos detalhes e uma trama solitária que se desenrola e se finda rapidamente. Tem uma estrutura fechada e, salvo exceções, apresenta apenas um clímax, diferentemente dos romances, em que a problemática se desdobra em conflitos secundários. Contudo, apesar de conciso e simples, o bom conto não é simplório, apresenta interessantes meandros psicológicos e complexidades peculiares que, por sua natureza breve, pode provocar impacto ainda maior e mais concentrado do que o das histórias longas.

Menos autobiográfico do que a crônica, o conto permite ao escritor esconder suas neuroses, seus inconfessáveis desejos irrealizados, suas frustrações; camuflar medos e taras, incorporando-as aos personagens e a situações criados por ele. Disfarçando-as desta maneira, o autor nunca poderá ser acusado de quaisquer desvios de personalidade ou de comportamento, assim como nenhum tribunal poderá condenar o autor de uma obra ficcional por apologia ao crime, quando um de seus personagens manifestar o desejo de assassinar um sócio corrupto.

Portanto (como se faz nos letreiros de filmes), quem lê conto deve saber que “Os personagens e situações apresentados existem apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos reais, e sobre eles não emitem opinião. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência”.

Será que clareou?

Cesar Cruz
Maio 2010
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10 comentários:

Josy Polsachi disse...

só pra constar.. continuo sendo sua leitora assídua!
beijos,
Josy

Paulo Joel - PJ disse...

Professor Cesar, existe diferença de tamanho entre conto e crônica?

PJ

CESAR CRUZ disse...

Caro PJotinha, meu amigo!

Contos e crônicas são, ambos, relatos curtos. Ser curto é uma característica deste tipo de texto. Entretanto, há contos e crônicas maiorzinhos, que poderíamos classificar como médios.

abraço!

Unknown disse...

Avé César!

Estou de volta. Por mor da tua visita, que obviamente agradeço, mas também desta distinção entre conto e crónica. Acho que é um pouco mais do que dizes. Mas isto será para outra ocasião, ok?

Oxalá o teu livro saia bem e, sobretudo, venda bem. Para quem, como eu, viveu, vive e viverá da escrita, é bom que venham alguns euros - para ti reais...

Entretanto, uma sugestão: mais uma... Se quiseres ir ao blogue VEREDAS - http://pedrolusodecarvalho.blogspot.com encontrarás lá uma coisa muito bonita que ele escreveu sobre o meu «Morte na Picada». Quer o ilustre jurista, quer a esposa Tais são meus bons e queridos Amigos... da blogosfera.

Abs

J.L. Rocha do Nascimento disse...

Caesar,
concordo com vc. Às vezes há uma verdadeira zona cinzenta e de tal forma que não é possível saber do que se trata, se conto ou crônica.

E ainda há os escritores, a exemplo de Borges, que rompem que todos os paradgimas. Náo dá para enquadrá-lo segundo os critérios conhecidos.Borges escrevia contos como se fossem crônicas.É autor e personagem ao mesmo tempo. Um mestre em misturar realidade e ficção. Sua genialidade era tão grande que, juntamente B. Casares, inventou um escritor com uma obra e estilos próprios.

Abs,

EMERSON ARAÚJO disse...

Meu caro, Cesar Cruz, penso que sou burro demais, rapaz! Continuo sem saber onde as fronteiras do conto, crônica, poesia, pintura, música, cinema, etc, etc...estão?
De qualquer maneira vai um abraço piauiense/maranhense pra você amigo!
Emerson

EMERSON ARAÚJO disse...

Meu, caro, Cesar Cruz, quando o livro sai envia um pra mim com o preço e um auógrfao anexos. Mande-me uma conta bancária quero depositar o valor do livro. Meu e-mail é emersonaraujo46@gmail.com, depois deixo aqui o endereço para o envio.
Abraços pra você e família.

Emerson

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, César, segundo Sergius Gonzaga, em seu livro 'Curso de Literatura Brasileira', nem só de comentários a respeito do dia-a-dia vive a crônica. Com relativa freqüência, ela se aproxima do conto. O gosto pela história
Curta, pelo diálogo ágil, pela narrativa de final imprevisto e surpreendente e a unidade de ação, tempo e espaço levam vários cronistas à prática mais ou menos disfarçada do conto.

CONTO:
É uma narrativa de ficção em prosa, cuja extensão é breve, se comparada à do romance. Trata-se de um relato curto, denso, nervoso, com reduzido número de personagens e de eventos, raramente atingindo mais de vinte páginas, no formato normal de um livro.

CRÔNICA:
Segundo Fernando Sabino, a crônica busca o pitoresco ou o irrisório no cotidiano de cada um.
Segundo Sergius Gonzaga, para que a crônica se constitua num texto artístico, seu comentário sobre o cotidiano precisa apresentar uma linguagem que transcenda à da mera informação. Ou seja, precisa de uma linguagem menos denotativa e mais pessoal. Significa que o estilo deva dar a impressão de naturalidade e que a língua escrita deve aproximar-se da falada. Nem sempre o cronista atinge este alvo duplo: fazer literatura e expressar-se com simplicidade.

O assunto é extenso, pois parte, também, para os vários tipos de crônicas.

Bjs
Tais Luso

Pedro Luso de Carvalho disse...

Amigo Cesar,

Depois de ter lido o teu ótimo artigo sobre "conto", vim para manifestar-me sobre o tema, mas, à vista do que escreveu a Taís sobre o tema, apenas me limito a corroborar com o que ela disse (até porque na cozinha de nossa casa tem um baita rolo de massa).

Forte abraço,
Pedro.

Dalinha Catunda disse...

Olá Cesar,
Gostei muito dessa postagem.
Escrevo mais em versos, mas "dou minhas cacetadas" na prosa.
Escrevo até para um jornal, como colaboradora, no encate infantil. Muitas vezes vejo minhas historinhas serem apelidadas de contos. Não me ligo muito nisso, deixo que os entendidos classifiquem meus escritos.
Mas amei suas explicações e as de Taís Luso.
Um abraço,

Dalinha