O Léo não colecionava figurinhas


Prefácio


Atendendo ao pedido do meu amigo Mário, o Xara, segue uma crônica sobre Copa e  futebol. Esta crônica foi meu primeiro texto a ser publicado, há exatos 4 anos, na Copa passada. E foi a partir dela que me animei, com o incentivo dos amigos Jaime e André, a escrever prá valer. Foi como tudo começou.

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Desde o início do ano, nós, os meninos estávamos loucos, ansiosos. Era 1982. Era ano de Copa do Mundo, e a maioria de nós nunca havia assistido a uma. O Léo que era o mais velho, tinha treze anos. Eu, o Paulinho, o André, o Nicholas e os demais, tínhamos dez, onze no máximo. O Léo não era propriamente um curtidor de futebol. Nem sabia jogar. Tremendo perna de pau! Mas como era grandão, cabia como goleiro. Quem mais poderia tirar com uma esticada de perna aquela bola colocada lá no cantinho?
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Copa de 1982 - Em pé: Léo, André, André também, Alexandre
Agachados: Paulinho, Cesar, Rodrigo, Maurício, Vinicius, Nicholas e Kiko
(neste dia o Léo não estava no gol, aliás, acho que nunca esteve, tremendo perna de pau!)

Entre a chatice da escola pela manhã e o futebol da tarde, aquele ano teríamos a Copa pra ver! E nela nossos heróis. Como sabia aplicar bons toques de calcanhar, eu era o Sócrates. O Paulinho, o Éder, com suas bicudas incríveis. Ele fazia da bola de capotão uma arma; quando pegava de jeito na coxa ou nas costas de um coitado, deixava marcas roxas!
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A fabricante de chicletes Ping-Pong inventou um álbum de figurinhas que virou frenesi entre as crianças de São Paulo. Tinha todos os times da Copa, desde os mais desconhecidos, como República dos Camarões, até os favoritos: Brasil, Itália e Alemanha.



Era comum ver os garotos mastigando uns dez chicletes ao mesmo tempo. Inventava-se de tudo para levantar dinheiro e correr a banca do Corcunda para comprar um punhado de gomas.
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E o Brasil era uma máquina incrível de jogar bola!, atropelava os adversário com um futebol-arte de dar gosto. Meu pai dizia só ter visto algo parecido na copa de 1970. As eliminatórias para o mundial da Espanha foi um passeio. O Brasil encantava o mundo com o time regido por Telê Santana. À noite, na televisão, o Zezinho, personagem do Jô Soares no Viva o Gordo, fanático por futebol, pedia pelo orelhão da praça: "bota ponta Telê!". Telê, turrão como todo bom técnico, não ouvia a voz do povo. Jogava sem ponta. E jogava bem.
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Zézinho

Entre as jogadas de categoria do Falcão, as divididas raçudas do Serginho Chulapa, os dribles do Zico e as defesas espetaculares do Carlos, nós íamos completando nosso álbum, jogando nossas peladas e sonhando em ver o Brasil ganhar uma copa. A camisa do timinho da turma foi trocada temporariamente pela canarinho, ainda com três estrelas no peito.
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Independentemente daquela ânsia por ver a história acontecer, a vida era tranqüila naquela época para nós garotos. Tínhamos quem cuidasse de nós, todos os nossos pais eram vivos, e política e economia não nos impactavam nem um pouco. Nem sabíamos que existia isso. Só pensávamos em brincar de esconde-esconde, pega-pega, cuspe à distância, jogar nosso futebol e colecionar figurinhas!
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A do Sócrates e do Dasayev, goleiraço da União Soviética, abundavam no mercado. A do Tardelli, armador da Itália, a do Naranjito, mascote oficial da Copa e a do Valdir Perez, goleiro reserva do Brasil, ninguém tirava. Mas a coleção continuava. E a seleção também.

Brasil x Argentina 1982 - Maradona x Zico

Além do Zico, estávamos na era de Maradona e Paolo Rossi. Não era só o Brasil que tinha bons jogadores, não! Certo que o nosso futebol era de longe o mais lindo, mas corríamos perigo, apesar de ninguém se dar conta disso; talvez por estarmos todos amortecidos e embriagados com a beleza de futebol que depois de anos certamente nos daria o quarto título. Nos acreditávamos imbatíveis!
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Mas... - sempre existe um mas - o nome dele era Paolo Rossi. Em um vacilo da defesa brasileira, no jogo que garantiria a vaga para as quartas-de-final: estávamos no segundo tempo, 2 a 2, e o Toninho Cerezo, num passe de bola arriscado na nossa intermediária, foi interceptado por um ágil e atrevido Rossi, que só teve o trabalho de avançar e chutar na saída do Valdir. Aquele 3 a 2 silenciou o país, todos os milhões de brasileiros esperando pela gol de empate. Que não veio. Como o sonho do tetra, que foi por terra. E o de nós meninos também.

.Brasil x Itália 1982 - Cereza x Rossi

Da turma só eu consegui completar o álbum. Com a ajuda do seu Aloísio, que escreveu uma carta à Ping-pong relatando a tristeza do seu filho com a derrota do Brasil. Recebeu pelo correio as figurinhas que faltavam, inclusive a do Tardelli! Tenho o meu álbum até hoje. Abri-lo me remete àqueles dias, mais de duas décadas atrás. Tempo em que a criminalidade se resumia a trombadinhas que batiam carteiras e roubavam relógios e tênis dos meninos. Nada de PCC, seqüestro relâmpago...
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O Léo, que nunca gostou de jogar bola, também não ligava pra ver a copa nem preenchia álbuns. E foi na casa dele que, em junho de 2006, todos os garotos, 24 anos menos garotos, se reuniram diante da TV para assistir à estréia do Brasil na copa da Alemanha.
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2005 - Paulinho, André, Léo, Cesar e Nicholas
(pouco antes de eu desistir de usar cabelo - ou vice-versa)


Já somos jovens de 33, 34, 37 anos, a maioria acompanhada de namoradas e mulheres. E o Léo? Ah, o Léo continua o mesmo: aos vinte minutos do primeiro tempo já havia ido pro quintal adiantar o churrasco. Nós ficamos lá, roendo as unhas em frente ao monitor. Vendo aqueles onze milionários jogar bola. Mal, diga-se de passagem. Jogadores cibernéticos, geneticamente predispostos, frios.


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O doutor Sócrates

Saudades do Sócrates, que era doutor, fumava dois maços de cigarros por dia e ainda assim fazia gols de chaleira. E do goleiro Valdir Perez? Baixinho voador! Nada de genética nem laboratório. Só amor e disposição.

Feliz é o Léo, que nunca teve álbum, nem tem saudades daquela seleção. .


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Cesar Cruz
Maio/ 06
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Crônica publicada no livro: "Conte sua história de São Paulo" - Editora Globo/ 2006. E também no programa homônimo da rádio CBN, na segunda-feira após a derrota do Brasil na copa do mundo de 2006. Narrada da voz de Mílton Jung e com produção especial.
(Quem quiser ouvir, me peça que envio o áudio por email).






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5 comentários:

Anônimo disse...

Ola li tudo e confesso que me emocionei, nessa epoca tinha 8 anos e me lembro como se fosse hoje, quando pego meu album ping pong 82 sinto ate o cheiro dos chicletes principalmente aquele de morango, tenho tudo das copas apartir de 82 que foi minha primeira e enquanto Deus quiser estarei com um album de figurinha na mão, alias um nao por que ultimamente estou fazendo 2 a cada copa heheheh, abraços... Iverson

17.4.08

Anônimo disse...

Cara, que prazer receber um comentário simpático assim de alguém que nem conheço!
Mande-me um email para ficarmos em contato e para que eu possa lhe enviar o arquivo com o audio desta crônica que rolou na CBN.
cancruz@terra.com.br

Abraços e obrigado!
Cesar

18.4.08

Miguel Fai disse...

Cruz,

Olha aí que história gostosa! Lembro bem dessa seleção do Telê, baita timão! Lembro exatamente da mancada do Cerezo naquele jogo contra a Itália, lembro do Zico, do Falcão, tudo como se fosse hoje.

Mande-me esse áudio, quero muito ouvir! Estou mandando um email pra vc no email quen está aí no blog.

Abraços e parabéns pelo livro, já encomendei o meu pelo site da Cultura!

Saudações,

Miguel
Aclimação, Capital

Xara disse...

Cesar,

me lembrei de tudo como se fosse a duas horas atrás. Sabia que depois do Paulo Rossi mudei radicalmente meu conceito de torcedor?

Hoje estou mais ou menos como o Léo, se tiver que fazer a pipoca saio sem problema, imagina só, um menininhho de 15 anos quase tendo um enfarte, hoje agradeço muito esse tal de Paulo Rossi... Ele e minha ex me fizeram crescer muito! Ahahaha.

Cara, então tudo começou com isso? Que demais... nem imaginávamos, meu, esse seu albúm deve valer uma pelota heim? rs... Valeu. Obrigado pela consideração, gostei.

Abraços e vamos ver se hoje um novo Paulo Rossi não surje, né? Bom! Se surgir também, ainda mais vamos entrando para o clube do Léo, embora eu não curta um churrasco, mas sempre tem uma louça pra lavar...

xara

Natália Cassiano disse...

Ai, que tristeza! Não vi nada disso!

Nem essa alegria a mais nós temos.
O album de figurinhas voltou a moda, mas nosso futebol tá passando vergonha lá fora

Que ótima crônica... Começou bem, hein!

Beijos