Quem gostaria?

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(Tudo começou quando eu liguei para o trabalho de um amigo)
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- Bom dia, o Fernando está, por favor?
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- Quem gostaria?
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(Pausa minha)
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- Moça, eu perguntei primeiro.
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- Eu só estou perguntando quem gostaria, senhor!
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- Querida, como você bem sabe, no mundo civilizado, as respostas devem ser dadas na ordem em que são feitas as perguntas. Portanto, eu, que perguntei primeiro, devo ter a minha resposta antes de você ter a sua, concorda?
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(Pausa da mocinha, para digestão)
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- Não sei se ele está. Preciso verificar.
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(Mostrou má vontade, pelo jeito não gostou de ser afrontada. É claro. Ela é treinada para passar o coitado que liga por uma peneira bem fina. "Está ou não está?" Ará! Nunca você saberá, amigo! Não antes de ser identificado, selecionado e investigado. Só então receberá a tacha de “bem-vindo” ou de “persona non grata”.)
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- Mas... Quem gostaria?
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(Acho antipático e sem sentido esse negócio de “quem gostaria?”. Quem foi o idiota que criou essa pergunta tão cretina? Perguntar isso a um interlocutor direto, como se estivesse se referindo a uma terceira pessoa é, no mínimo, ridículo. Não faria mais sentido ela usar uma pergunta assim: “Qual o seu nome, senhor?”)
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- Cesar.
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- Cesar de onde?
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(Outra pergunta detestável e descabida. Mas agora eu estava decidido a lutar. Ela tinha me vencido no primeiro round, mas não me abateria no segundo!)
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- Cesar de São Paulo.
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(Silêncio reflexivo por parte da mocinha. Como ela lidaria com aquela resposta tão estranha? Afinal, para ela, habituada aos chavões e cacoetes do telefonema corporativo, “onde” não faz referência a lugar, não, em absoluto. “Onde” para ela, se refere à empresa que o coitado do outro lado da linha trabalha, ou deveria trabalhar. Ninguém pensa que o sujeito pode muito bem estar desempregado, ou ser um simples camelô, ou pintor, encanador; um autônomo qualquer, enfim, um pobre diabo sem registros ou marcas. “Lamento, senhor, mas se o senhor não tem um 'onde', não pode falar com o meu importante e seletivo chefe”)
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- De onde?!
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(Reagiu espantadíssima; foi como se eu tivesse dito: “de Júpiter”. Então, agora, era eu quem a estava vencendo. Resolvi dar-lhe mais um jab)
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- De São Paulo, Capital, bairro da Vila Mariana. Estou agora posicionado exatamente sobre o sofá da minha sala, esse vermelhinho, próximo à janela.
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(A mocinha dessa vez ficou muda por longos dez segundos. Cheguei a achar que já tinha ido à lona).
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- Mas qual é o nome da sua firma, senhor?
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- Firma? Não, não. Não sou de firma nenhuma, moça.
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(Mais mutismo. Aquilo estava se transformando numa surra. E eu estava ficando mais e mais nervoso. Estava pronto para uma guerra de nervosos e termos. O que ela faria agora? Nunca passara por tamanha saia-justa. Não foi treinada para responder a este “onde”, tão, tão, tão... complexo e inesperado!)
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- Sobre o que seria?
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(Com essa antipática e invasiva indagação, que certamente a treinaram a usar, ela se safou bem, mas temporariamente, pois eu não jogaria a toalha com facilidade).
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- O quê?! Você quer saber o assunto que vou tratar com o Fernando?
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(salientei, enfático, para mostrar toda a minha indignação para com aquela impertinente intromissão).
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- Sim, senhor!
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(Ah, é assim? Você quer mesmo saber, não é? Pois agora sinta o peso do meu cruzado de direita, mocinha! Partirei para o nocaute!).
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- Bem... imagino que, frente às perguntas que me faz, você deva ser bem íntima do Fernando. Creio então que não haja problemas em lhe dizer qual o nosso assunto. Sou médico proctologista e cuido do caso dele... Enfim, você deve estar acompanhando... o Fernando, coitado, está com três abscessos anorretais supurados e... Você sabe o que são abscessos anorretais?
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- Não...
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- São hemorróidas. Bem, enfim, temos que marcar a operação para logo, pois podem se transformar em fístulas! Isso sem falar que estão terrivelmente expostas, expelindo pus, impedindo-o de se sentar, dirigir e... bom, a senhorita entende as demais limitações.
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- Um m-minuto, senhor.
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(a vozinha da moça até rateou depois daquela explicação. Mas não haveria problemas, pois, quando o Fernando viesse ao telefone, isso se transformaria numa boa brincadeira e, no final, eu ainda diria: “Pô, Fernando, põe a menina aí pra falar Português claro e sem rodeios, e pare com essa frescura de “quem gostaria?” e “sobre o que seria?”!
Então fiquei esperando ansioso. Tiraria o maior sarro dele, assim que ele pegasse o aparelho!)
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- O senhor quer falar com o Fernando da logística ou com o doutor Fernando Bezerra, nosso diretor geral?
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(Foi então eu que percebi que tinha ligado errado. O meu amigo Fernando é dono de um modesto comércio, onde não existem setores especiais.
Resolvi direcionar a minha violência calculada para o alvo correto, afinal, estava revelado o verdadeiro culpado! Era ele, o tal "doutor" Bezerra. Ele que dava as diretrizes por alí! Aquelas perguntas cretinas foram boladas por quem? Não havia dúvidas... Eram a cara de um pernósticos "doutor" Bezerra, cheio da empáfia, antipatia e pusilanimidade características desses tipinhos. “Doutor”... imaginem! Aposto que não terminou nem a escola!).
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- Sim, sim, é com o Bezerra mesmo que quero falar.
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- Só que ele está em reunião...
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(Eu já imaginava que aquele burocrata idiossincrático do Bezerra usaria essa fuga clássica. A falácia das falácias: “ele está em reunião”, convenhamos...).
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- Entendo... Qual o seu nome, moça?
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- Amanda.
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- Amanda, voltarei a ligar, ok? Peço-lhe a gentileza de não comentar com ninguém da empresa sobre as hemorróidas do Bezerra...
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- Claro, senhor...
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- Você sabe, as pessoas podem fazer gozações, e para uma pessoa na posição dele isso é muito chato. Já não basta tudo o que ele tem passado...
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- Ah, sim... claro, claro! Não se preocupe!
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- Que bom que você compreende, Amanda, até logo!
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- Tenha um bom dia, senhor.
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Cesar Cruz
Abril 2009
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17 comentários:

LC disse...

divertido e muito bom.
PS: eu não gostaria de nada, mas eu GOSTEI daqui (rs)

Anônimo disse...

Oi, meu caro. Está muito boa. Todo mundo passa por isso e odeia.
Abraço
Gabriel

Anônimo disse...

César, faça sempre como eu...
Quando a mocinha pergunta :- Quem Gostaria?-
Sempre respondo :- Ele.
E sempre a coloco na posição de estar servindo ao chefe e não a mim.

Estratégia, meu caro...(Do Francês Estrategie..Do Latim..Estrategium..)

Baxo

George Saguia disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHA !!!

Muito boa !

Um amigo que leu me perguntou: "Será que ele fez isso mesmo?"
E eu respondi: "e importa?... o que vale mesmo é essa história pra gente rir um pouco!"

E não é?!

Um abraço

G

Anônimo disse...

Ah! Que doce vingança! Tb ODEIO essa forma deles tratarem as pessoas ao telefone!

Parabéns pela cronica! 1 bjo
Wanda

obs:Agora vou ler de novo só pra sentir o gostinho do veneno mais uma vez!

Carlos Camargo disse...

César,
Só estou imaginando a tal Amanda ser a única da firma a saber desse 'segredo' do Dr. Bezerra. Sim! A única! Porque nem mesmo o Dr. Bezerra sabe.
Ou será que sabe?
Abraços,
Carlos

Anônimo disse...

Excelente o "Quem gostaria" !!!Todo mundo, sem exceção, já passou por isso. E qdo vc liga pra imobiliária então? Estou interessada em um apartamento da rua X, quem está falando? Silvia.... seu telefone por favor?? Fico puta, o corretor está ou não está? Sim, está, e pq vc quer o meu telefone??? pq ele está ocupado e já te retorna... TOTAL papo furado...rsrs... Adorei sua crônica!! Muito criativo.

bj
Silvia

Natany Naira disse...

rsrssrsrs..
muito bom
vc escrever super bem.

ps:. obrigada pelo elogio lá no meu blog :)

Anônimo disse...

HAHAHAHA
DEMAIS!

Você precisa fazer umas ligações pra Vivo e pro Speedy!
hahaha

Beijão MARA

Anônimo disse...

Pombas, cara, desta vez o nosso amigo Baxo (em Francês: Bas; em Latim: Brevis) vai ficar uma arara, mas não posso deixar seus leitores serem desencaminhados por ele.
Estratégia em Francês escreve-se Stratégie; em Latim, estratégia é Consilium. A palavra mais próxima daquele que o Baxo escreveu é Strategia, que vem do Grego e significa: Prefeitura Militar. Uma outra palavra do Latim que tem sentido aproximado é Stratagema, mas tem conotação negativa: ardil, manha.
Axo que o Baxo é um grande gozador. Se deixar por conta dele, ele destrói todos os idiomas.
Abraço,
Gabriel

Laguardia disse...

Muito bom mesmo. Quando me perguntam "Quem deseja"a minha vontade é perguntar, deseja o que?

O que custa perguntar "Qual o seu nome por favor"?

Anônimo disse...

Meu dileto amigo Gabriel....mais uma vez vc não entendeu nada..(quando penso na sua figura, me vem a cabeça, um ser em branco e preto.
Ao invés de ater-se ao pé da letra, ou da língua como queira...abra seu coração...o que postei é uma brincadeira, remetendo às falas do Cap. Nascimento no filme "Tropa de Elite", se vc fosse um cara com um pouco mais de senso de humor, não ficaria destilando veneno, querendo diminuir os demias com seu reconhecido conhecimento de línguas. Porém é só o que vc é...um literato , quadrado, sem-graça e branco e preto.
Só pra vc ter o que fazer da vida...revise meu texto, que deve seguir com alguns erros.

Baxo

CESAR CRUZ disse...

Me-ni-nas! Comportem-se!

Lembrem-se que não ficará nada bem duas mocinhas tão bonitas se arrastando mutuamente, agarradas uma ao cabelo da outra!

bjin para as duas
Tio Cruz

Anônimo disse...

Putz! Muito legais as imagens. Deu um novo clima para a página. A foto do Homem Suprido é do Alí? Sensacional.
Não ouso tentar fazer isso no meu sítio.
Abraço
Gabriel

Gabriela Gomes disse...

Divertidíssimo esse!
Dei boas risadas!

Guto Oliveira disse...

Achei a crônica deliciosa. Nem preciso dizer que você escreve muito bem, que todo mundo deve te dizer isso. Mas já disse, então, tá falado. Abração.

http://quasepoema.zip.net

Majoli disse...

A D O R E I !!!!
Fiquei rindo, e meus olhos antes meio caídos de sono, agora estão arregalados, rsrsrs.